Transportadores procuram alternativas mais econômicas para o transporte da safra que cresce ano a ano

Nelson Bortolin

Dentro de alguns anos, o bitrem deixará de ser o “rei da estrada” do transporte de grãos. É o que preveem algumas das pessoas ouvidas pela Carga Pesada para esta reportagem. Gente influente – como o Grupo G10, de Maringá (PR), maior transportador de grãos do Brasil – está substituindo o bitrem (Peso Bruto Total Combinado – PBTC de 57 toneladas, 37 toneladas de carga líquida) por caminhões 8×2 pesados e extrapesados, que levam praticamente a mesma carga.

Desde que, em janeiro de 2011, a Resolução 201 do Contran obrigou a usar cavalo (novo) com tração 6×4 para puxar bitrem, alguns transportadores começaram a procurar alternativas, o Grupo G10 entre eles. Não queriam pagar os R$ 40 mil na época (hoje R$ 20 mil) a mais pelo equipamento, ao fazer renovação de frota, e viram que os custos operacionais eram mais altos.

Uma opção testada foram as vanderleias, carretas de três eixos distanciados, PBTC de 53 toneladas e 36 toneladas de carga líquida e que podem ser tracionadas por cavalos 6×2. Não deu certo no transporte de grãos, porque são difíceis de manobrar na zona rural e gastam muito pneu por causa do arraste.

Agora, as atenções se voltam para os 8×2. Foi quase uma descoberta. Com apenas uma carreta de três eixos juntos, eles chegam ao PBCT de 54,5 toneladas e levam de 36 a 37 toneladas de carga líquida. E com um cavalo 6×2! – aí é que está a grande diferença.

Os 8×2 são composições autorizadas pela Portaria 63 do Denatran desde 2009. Em 2011 já “estavam aí”, portanto. Mas viraram surto apenas este ano. Em março, o G10 começou a testar dois 8×2. Em novembro, já tinha 120. “O 8×2 veio para revolucionar o mercado. Para mim, o bitrem já morreu”, afirma o presidente do grupo, Cláudio Adamuccio. É uma opinião. Mas existem divergências. Veja o debate – e aprenda tudo sobre a opção dos pesados 8×2.

Eles ainda não vêm de fábrica

Nenhuma montadora no País oferece cavalos pesados ou extrapesados na versão 8×2; de fábrica, só se encontram os semipesados 8×2.

Claudio Montanha, da Montanha Equipamentos: a carreta precisa ter uma estrutura reforçada

Portanto, para ter um 8×2 com PBTC de 54,5 toneladas, é preciso mandar fazer a inclusão de um novo eixo direcional no cavalo nas oficinas autorizadas, com suspensão pneumática ou mecânica.

A instalação deste eixo vai obrigar a mudar a posição do tanque de combustível, informa Cláudio Montanha, diretor da Montanha Equipamentos Rodoviários, representante Noma em Presidente Prudente (SP) e Campo Grande (MS). Montanha é um entusiasta dos 8×2. Desde 2009, sua empresa já transformou 145 caminhões em 8×2.

De acordo com a Portaria 63, um 8×2 tem que ter no mínimo 16 metros de comprimento (cavalo mais implemento). Por isso, algumas vezes, ao fazer a inclusão do eixo, é preciso também alongar o chassi, explica Montanha. “Se a carreta tiver no mínimo 12,5 metros, não há problema; mas, para levar carretas de 10 metros, tem que alongar o chassi.”

A Scania, embora não produza ainda o 8×2, pode entregar chassis alongados para quem pedir, já pensando em instalar o eixo. A Volvo vai fazer o mesmo no ano que vem.

Na Montanha Equipamentos Rodoviários, a instalação custa R$ 36 mil. Se for preciso alongar o chassi, sobe para R$ 40 mil.

O engenheiro mecânico Rubem Penteado de Melo, especializado em assuntos de segurança no transporte de cargas, lembra outra característica dos 8×2: a carreta tem que ser própria, não pode ser a tradicional LS. “Os eixos da carreta ficam mais para trás, de forma que o peso é jogado para o cavalo. Se o transportador não usar o implemento correto, vai ter problema na balança, por excesso de peso nos eixos”, acrescenta.

Repare: o rodado da carreta do 8×2 (à direita) fica mais atrás que o rodado da carreta LS

Cláudio Montanha completa a informação dizendo que a estrutura da carreta tem que ser reforçada, porque a distância entre o último eixo do cavalo e o primeiro da carreta é cerca de 2 metros maior que na configuração LS. “Sem reforço, o implemento empena”, adverte.

Com o aval do Inmetro

Para a SAE Brasil (associação de engenheiros), o 8×2 é uma configuração segura, que ajuda a distribuir carga e a evitar multas. O diretor do Comitê de Caminhões e Ônibus da entidade, Reinaldo Sarquez, confia na qualidade técnica das transformações que estão sendo feitas nos veículos.

Sarquez, que também é responsável pela manutenção de veículos e motores da Navistar, ressalta que qualquer alteração em caminhões tem de passar pelo crivo do órgão fiscalizador, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que “vem fazendo um trabalho rigoroso”. O veículo só recebe seu documento após a sanção do instituto.

No G10, entusiasmo com a novidade

Depois dos primeiros testes, no início do ano, o G10, de Maringá (PR), já tem 120 caminhões 8×2 circulando. O presidente do grupo, Cláudio Adamuccio, diz que está “muito satisfeito”.

O trabalho na Germani, de Maringá: o tanque de combustível muda de lugar

Segundo Adamuccio, o 8×2 proporciona uma boa distribuição de carga, a carreta tem o tamanho certo para operações de descarga nos tombadores de grãos (ao contrário dos 74 toneladas) e a economia de combustível (em relação ao bitrem) é de 4%. Na hora de licenciar, outra facilidade: o 8×2 só precisa de dois documentos, em vez dos três do bitrem ou do rodotrem.

Na operação, “os motoristas se sentem seguros no 8×2 devido ao segundo eixo direcional. Dizem que o ângulo de manobra é tão bom quanto o do 6×2”, afirma Adamuccio.

Diante dessas vantagens, o empresário acredita que, no futuro, os cavalos 6×4 só serão vendidos para quem quiser transportar 74 toneladas, no bitrenzão ou no rodotrem. Na verdade, ele nunca se conformou em ter que usar tração 6×4 para puxar bitrem.

O presidente do G10 encerra com uma sugestão ditada pela sua experiência para quem optar pelo 8×2. “É preciso fazer realinhamento após os primeiros cinco mil quilômetros, caso contrário o consumo de pneus vai ser grande.”

Em Mato Grosso do Sul, o maior transportador de grãos do Estado, Airton Dall’Agnol, da transportadora Lontano, começou a testar os 8×2 em novembro. Já tem um rodando e mandou incluir o novo eixo em outros 10.

Com rodas de alumínio no veículo em teste, Dall’Agnol diz que conseguiu aumentar em 300 kg a capacidade de carga líquida. “É ganho significativo, depois de um ano”, destaca.

Ele já percebeu uma redução de consumo de combustível do 8×2, comparando com o bitrem: de 2,45 km por litro, a média subiu para 2,65.

Antonio Carlos Montenegro Gomes Filho, dono da Transportadora Península, de Apucarana (PR), também diz que, colocadas as rodas de alumínio, há ganho importante de carga líquida no 8×2. “Consigo chegar a 38 toneladas, dependendo da carga”, garante.

Será que dá certo na roça?

Segundo Cláudio Adamuccio, do G10, os 8×2 se dão bem nas estradas rurais. “Um dos meus sócios teve oportunidade de testar o 8×2 em fazenda em dia de chuva e atoleiro e não houve problema”, garante.
Airton Dall’Agnol, da Transportadora Lontano, diz que, se surgirem problemas, tem solução: “É possível erguer o novo eixo e fazer a manobra.”

Os problemas podem aparecer na hora de ultrapassar curvas de nível nas lavouras, segundo o diretor superintendente da Noma do Brasil, Marcelo Noma. “Por ter um chassi mais alongado e quatro eixos, pode haver problemas para ultrapassar grandes ondulações na pista.” Daí o cuidado e a atenção que o transportador deve ter ao analisar a aplicação que vai dar ao equipamento, antes de fazer sua escolha.

Na Noma, admite Marcelo, as vendas de carretas para 8×2 cresceram bastante este ano: hoje representam 3,5% da produção da fábrica, antes eram 0,3%.

Na Randon os pedidos de carretas para 8×2 também estão crescendo, segundo o diretor de Tecnologia e Exportação, Cesar Pissetti. Ele vê a situação com otimismo, mas não acredita que a configuração vá substituir totalmente o bitrem. “É apenas uma opção a mais”, declara.

Mil 8×2 em 3 anos

Cidade-sede do Grupo G10, Maringá tornou-se a capital dos 8×2. Prova disso é que, de janeiro a novembro, a concessionária P.B. Lopes (Scania) vendeu 300 caminhões com entre-eixo alongado. Outra prova: em três anos, a Germani Implementos fez mil inclusões de quarto eixo. Segundo o diretor comercial da Germani, Guilherme Novakowski (foto), a maioria dos clientes é do agronegócio. E estão satisfeitos. “Temos cavalos 8×2 com mais de 700 mil quilômetros rodados”, conta.

O serviço na Germani custa R$ 35 mil, segundo Novakowski, e o novo eixo tem seu próprio código Finame, podendo ser incluído no financiamento do caminhão. “O 8×2 foi um cavalo encilhado que passou e nós montamos nele”, brinca. Ele acredita que, em três anos, as montadoras vão oferecer a configuração de fábrica para os extrapesados.

“Cavalo 6×4 não se viabilizou”

As vendas de cavalos 6×4 na Scania diminuíram este ano, ao mesmo tempo em que aumentaram os pedidos de clientes por caminhões 6×2 com chassi alongado (para transformar em 8×2), segundo o chefe de Portfólio de Produtos da montadora, Marcel Prado. O entre-eixo padrão é de 3,5 metros. “Oferecemos com 3,9 metros quando há necessidade de adaptação do novo eixo”, explica Prado.

Ele considera que o 6×4 “não ficou viável economicamente” para quem usa bitrens. “Agora a solução que está chamando a atenção é o 8×2, mas não sabemos se é a definitiva”, declara. A Scania oferece 8×2 extrapesado na Europa para o setor de mineração.

Na concessionária P.B. Lopes (Scania) de Maringá, o gerente Nilton Theodoro diz que a febre dos 8×2 na cidade e região não chegou a reduzir as vendas de 6×4. Por isso, ele acha difícil medir o tamanho da migração do bitrem para o 8×2. “Acontece que este é um ano atípico. Nossa média anual é de 700 caminhões e, em 2013, vamos chegar a 1.200”, justifica.

Já o gerente da P.B. Lopes em Campo Grande (MS), Fábio Rezende, tem outra visão: na comparação de custos. Para ele, o 8×2 ganha e vai desbancar o bitrem. “É a configuração ideal para o agronegócio”, afirma.

Para Francisco Feio, diretor da Rivesa-Rivemat, Volvo em Campo Grande, ainda não dá para falar que o 8×2 virou tendência. “É preciso esperar para ver os resultados. São os transportadores que decidem”, afirma. Em 2014, segundo ele, a Volvo também irá oferecer chassi mais longo para o cliente.

Um Volvo com o quarto eixo do 8×2 já instalado, sem pneus: o tempo vai dizer se a moda pega

De todos que a Carga Pesada ouviu, um comerciante com bastante experiência nos negócios com seminovos é quem tem menos certeza do sucesso do 8×2. Na verdade, ele acha essa opção “um tiro no pé”, por ser muito específica. “Comprar caminhão é como comprar uma ação: depois você tem de vendê-la por bom preço”, afirma. Mas não aparecerão muitos interessados em comprar seu seminovo 8×2 na hora da renovação da frota. “Esta configuração é um casamento eterno (cavalo e carreta), na alegria e na tristeza”, brinca.

Segundo ele, o bitrem continua sendo a melhor escolha. Alguns cavalos 6×4, além de terem ficado mais baratos, reduziram a tara. A diferença para o 6×2 caiu pela metade. “Se o cliente colocar rodas de alumínio, a tara passa a ser a mesma.”

Noma lança tritrem graneleiro

Em busca da “configuração perfeita”, a Noma lançou o tritrem graneleiro – na verdade, um bitrem com mais uma carreta. Com nove eixos e 25 metros de comprimento total, a novidade tem PBTC de 74 toneladas, igual ao do rodotrem e do bitrenzão, e está dentro das normas da Portaria 63. O cavalo é o 6×4.

Paulo Monteiro, responsável pelo projeto: o tritrem vira bitrem em estradas que não permitem CVCs de 74 t

O responsável pelo projeto, Paulo Monteiro, ressalta que uma grande vantagem do tritrem é poder tirar a carreta do meio, transformando-o num bitrem. “Assim, ele poderá trafegar, como bitrem, em estradas onde o rodotrem não está autorizado. O transportador pode ir até determinado ponto com as três carretas, deixar a do meio num posto e seguir viagem”, afirma.

O tritrem também leva em média 400 kg a mais de carga líquida que o rodotrem e tem um raio de giro menor, facilitando as curvas. Monteiro diz que ele gastará menos pneus e combustível que outros implementos de 74 toneladas.

O mais interessante, segundo Monteiro, é que o tritrem significa um jeito simples e barato de elevar a capacidade de carga líquida do bitrem de 37 para 50 toneladas, graças à carreta do meio. A Carga Pesada apurou que a terceira carreta custa cerca de R$ 60 mil e o preço de todo o conjunto é o mesmo do rodotrem.

O representante da Noma diz ter certeza da aceitação do tritrem pelo mercado. “O cliente que já tem um bitrem de sete eixos só precisa comprar a carreta do meio para elevar sua carga líquida para 50 toneladas”, alega.

FALA CAMINHONEIRO

Luiz Carlos Oliveira Rosa, Transportadora Península, Apucarana (PR)

“Trabalhei 16 anos com bitrem. Estou com o 8×2 há quatro meses. Não quero mais saber do bitrem. O 8×2 é bem mais fácil para manobrar, tem menos pneus, é mais econômico. De Rondonópolis a Londrina eu gastava 620 litros de diesel. Agora, gasto 515.”