Aos 60 anos, o que precisava ser preservado da histórica BR-3 foi destruído e o que deveria ser modernizado continua esperando por um “em breve”

Aos 60 anos, o que precisava ser preservado da histórica BR-3 foi destruído e o que deveria ser modernizado continua esperando por um “em breve”

Em 1º de fevereiro, alguns rodo-veteranos lembraram-se de uma das mais importantes datas do mundo rodoviário pátrio: a inauguração da BR-3

 

Revista Carga Pesada – Luciano Alves Pereira

 

Em 1957, após o meio-dia, o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira inaugurou o asfalto da BR-3. Há exatos 60 anos. Acompanhado de comitiva, ele descerrou a fita sobre a placa alusiva, seguiram-se os discursos, encerrados com o almoço. Este foi servido numa área ajardinada, denominada Belvedere e projetada pelo extinto DNER. Os escombros da pracinha permanecem no atual km 593, na via original desativada em 2010, paralela à atual BR-040. Encostado, o portentoso viaduto das Almas, obra-de-arte elogiada pela grande imprensa da época. Em pouco tempo, mostrou-se um engano e virou um ponto crítico da via. Caídas de suas pilastras não foram poucas as vítimas, acumulando hoje mais de 100 mortos. Percebendo-o traiçoeiro para o trânsito, o então ministro dos Transportes, Mário Andreazza, mudou-lhe o nome para Vila Rica. Não adiantou. Apesar de fatídico, o das Almas permanece como um dos símbolos históricos do rodoviarismo nacional. O marco inicial da Era JK.

Até então, somente o Rio e São Paulo estavam ligadas por estrada asfaltada. Era a Via Dutra, de pista simples. Trabalho e empenho do presidente anterior, Eurico Gaspar Dutra. Há 66 anos era a BR-1 e o Rio, a capital do país, enquanto Sampa, a meca do emprego.

Mas São Paulo já vinha acelerado no quesito. Deve ser honrado hoje como indestronável pioneiro. A razão disso cabe ao ‘paulista de Macaé (RJ)’, Washington Luiz. Ele foi tudo no estado. Prefeito da capital, governador e enfim, presidente da república. Aliás, naquele tempo os titulares estaduais era chamados de presidentes. WL é sempre lembrado por sua lapidar frase rodoviarista: “Governar é construir estradas”. Mas ele foi muito além de frasista bem citado. Seu pendor pró-rodovias não era febre sem pé nem cabeça. Esta teve seu registro inicial em 1917, portanto, completando 100 anos. Em abril daquele ano, WL participou do 1º Congresso Paulista de Estradas de Rodagem e já percebia a vocação de conjugação entre os modais. Em seu discurso no evento e constante dos respectivos anais, foi precoce nos seus dizer: “A estrada de ferro é um extraordinário elemento do nosso progresso; precisamos, no entanto, a colaboração rodoviária. Para isso, devemos fazer estradas de rodagem, ligando-as à estrada de ferro”.

O entusiasmo não ficou só no discurso. Incentivou e apoiou a realização da primeira viagem – se assim podemos chamá-la – de carro a Santos. Por dedução, a primeira empreitada dessa natureza no Brasil. Foi uma ‘bandeira motorizada’ ao litoral, realizada pelos automobilistas Antônio Prado Júnior, Mário Cardim, Clóvis Glicério e o coronel Bento Navarro. Eles contaram ainda com dois mecânicos, cujos nomes e importância deveriam ser citados nos registros e não o foram. Assim, em 16 de abril de 1917, a expedição foi transportada por um carro Sizaire et Naudin, o qual rumou à baixada pela estrada do Vergueiro, São Bernardo do Campo e a Mata da Serra.

O veículo passou pelo já antigo Caminho do Mar, abandonado desde 1867. Não mais que uma trilha de índios, percorrida por Anchieta, Nóbrega e João Ramalho. Por ali, os pneus maciços deixaram pela primeira vez a sua impressão, constituindo “o ponto de partida para uma era sem limites na ciência dos transportes, um novo ciclo começava: o 1º Congresso Paulista consolidou-o com a memorável excursão a Santos”. Foram as palavras do comentarista da época, referindo-se à primeira viagem São Paulo−Santos, por veículo automotor.

Desde então o ímpeto rodoviarista dos governos não se arrefeceu.  No final dos anos 1940, Adhemar de Barros construía a via Anchieta de pista simples. Seu sucessor, Lucas Nogueira Garcez a duplicava na década seguinte.  No mesmo período, o presidente Dutra completava a via com seu nome, em pista simples. A esta data, a Anhanguera estava parada em Jundiaí, logo prolongada até a região da Campinas. Dali, Jânio Quadros prosseguiu, enquanto na esfera federal, JK interligava o Rio, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba e São Paulo.

Juscelino contou com os recursos federais do abençoado FNR (Fundo Rodoviário Nacional), criado pela Lei Maurício Juppert, no final de dezembro de 1945, terminada a 2ª Guerra Mundial. O FRN se abastecia de recursos do imposto sobre derivados de petróleo, extinto pelo Congresso Constituinte de 1988. Sem sua verba carimbada, a malha brasileira teve de passar sua operação para as mãos da iniciativa privada, mediante pedágio. A urgência mira a duplicação, adequação, requalificação. Caso da aniversariante BR-3 (atual BR-040). Após 60 anos, restam vários trechos originais. Tal como foram projetados e construídos em meados da dedada de 1950. Pista simples ou multivias (sem mureta divisória), pontes/viadutos estreitos de 7 m, curvas de raios curtos (fechadas), pontos de interseção mortais, saturação nos fluxos. Desde abril de 2014 a Via 040 é a sua concessionária. Não só dos pouco menos de 300 quilômetros entre Juiz de Fora e BH, mas do percurso inteiro, até Brasília. Na época, esta era a BR-34, inaugurada por JK em 21 de abril de 1960.

A concessão da BR-040 apontou como ganhador o grupo Invepar, controlador da Via 040. Compromisso continua sendo o de duplicar os 557,2 quilômetros faltantes em cinco anos. Está longe disso.  Foram feitos 73 quilômetros em pedaços de boa topografia e mínimas desapropriações. Em abril, o prazo para duplicações completa três anos, enquanto o pedágio caminha para o segundo ano de efetiva cobrança em 11 praças. Quando se falou na concessão da BR-040, no amanhecer de 2013, todos envolvidos, principalmente os usuários, sabiam que a prioridade gritante teria de ser o sexagenário lote entre o trevo de Alphaville e a chegada sul de Conselheiro Lafaiete, a 100 quilômetros da capital.  Ali a solução ficará cara. Por enquanto ocorreram retoques, como colocação de 19.043 novas placas. Entre outras, a do km 615, na ponte em curva sobre o rio Maranhão. Dizia lá, “Em breve, neste local, obras de duplicação do viaduto”. Em breve… Nem as placas estão mais lá.

Diante de cobranças, a Via 040 alega que a continuidade das obras está vinculada à emissão do licenciamento ambiental à empresa. E acrescenta que o processo está nas mãos de EPL (Empresa de Planejamento e Logística), autarquia vinculada à Secretaria Executiva do PPI (Programa de Parcerias de Investimento), conforme previsto no contrato de concessão. Pelo jeito, os atrasos vão longe e a mudança de governo ajuda. Enquanto espera, a sessentona BR-3 não se remoça.