O TX-1100 era tosco, mas a Agrale o adequou logo e fez por merecer a sua parte nesse ambiente competitivo

Luciano Alves Pereira

Sua origem de fato fica em Posto Alegre, até que seus fundadores a vendem (1965) para o empresário caxiense  Francisco Stedile (já falecido) e este a transferiu para o então iniciante pólo industrial da Serra Gaúcha. De Agrisa passou para Agrale S.A. Tratores e Motores, e experimentou o primeiro período de crescimento já no governo militar. Até então só fabricava motocultivadores a diesel para a lavoura de grãos.

Mas a Agrale tinha no comando um irrequieto e criativo empresário, o qual se entusiasmara com surgimento da indústria automotiva brasileira e, àquela altura, já iniciara um empreendimento industrial do ramo. Nada menos que a Fran-le, depois Fras-le. Exato. Francisco Stedile foi o fundador de um dos grandes fabricantes globais de lonas e pastilhas para freios e demais materiais de frição, hoje pertencente ao Grupo Randon. Vendo a evolução dos números da produção de São Bernardo (SP), Stedile queria participar da festança, sem sair do seu rincão de bom churrasco e vinhos idem.

Obstinado com a ideia, tinha convicção de que o mercado receberia bem um veículo de carga semileve a diesel e seu primeiro pensamento foi repontenciar a Kombi VW, aplicando-lhe o seu motor bicilindrico, refrigerado a ar, de 1.272 cilindradas e 36 cv a 3.000 rpm, modelo M 790. Protótipos rodaram milhares de quilômetros, mas, na prática, mostraram-se inviáveis pela dependência com multinacional, fora outros entraves burocráticos. Assim, Stedile buscou o antigo Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) e obteve o Certificado 493/81, em março de 1981. Pronto. Ali começava a Agrale, fabricante de caminhões e chassis de ônibus, cuja história completou meio século em 14 de dezembro.

Francisco Stedile, o fundador

Até aí (1981), havia apenas o sinal verde para os planos da Agrale. Faltavam definir os principais componentes, além do motor. Por exemplo, a cabine, tida como a mais cara devido ao custoso ferramental. O fornecimento do item foi equacionado graças à tecnologia de fibra de vidro, dominada pela Hidroplás, de Botucatu (SP). Definido o elenco de fornecedores, a Agrale acertou o tom com os protótipos e, aprovados, iniciou a produção. Fui colher impressões de um dos primeiros TX-1100, em Caxias do Sul, no janeiro de 1982. Era um veículo que ainda requeria inúmeros aperfeiçoamentos e pelo meu imperfeito modo de ver, o produto teria vida curta, comprometendo os planos de Stedile.

Desde 1982, a Agrale vendeu mais de 90 mil unidades. Claro, de modelos que se sucederam ao TX-1100, para 1.100 kg. No total incluem-se chassis para ônibus. Hugo Zattera, atual diretor-presidente da Agrale, destacando que a empresa é a única montadora 100% de capital nacional, diz que “nessas cinco décadas aprendeu a enfrentar os concorrentes das grandes corporações mundiais”. O fato de ainda se manter ‘puro sangue caxiense’ e como tal, invendável, Zattera explica que “o espírito empreendedor e independente que norteia a empresa, desde o seu início efetivo de atividades sob a liderança de Francisco Stedile, não contemplava sua venda, mas sim seu desenvolvimento autônomo”.

Hugo Zattera, atual diretor-presidente da Agrale

Por outro lado, como acrescentou, “a Agrale cultivou boas alianças com outras corporações como a Hatz e Lombardini em motores diesel; Deutz e Renault em tratores; Navistar na montagem de caminhões International; e a Marcopolo no projeto Volare”.  A receita não poderia ter dado tão certo. No fechamento dos números de 2012, justo no ano de seu jubileu de ouro, a Agrale superou a marca de R$ 1 bilhão de faturamento, mais precisamente, R$ 1.075 bi, com acréscimo de 16,5% em relação ao ano anterior, “apesar do cenário tão competitivo”. Nada mais gratificante do que constatar como eu estava errado em 1982.

Caminhão Agrale 14000 – Foto Julio Soares