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Lei 12.619 sob ameaça: além dos aumentos de seus custos, CNA e CNI usam a falta de local adequado para o caminhoneiro descansar como desculpa para inviabilizar o cumprimento imediato da lei

Nelson Bortolin

Vale tudo para entidades empresariais defenderem a flexibilização e ou a prorrogação da Lei do Descanso (12.619). Em audiência pública convocada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados para discutir mudanças no texto, realizada dia 26 de março, representantes do agronegócio e da indústria reclamaram dos impactos da Lei do Descanso sobre seus negócios e sobre toda a economia brasileira.

Se “pegar”, segundo eles, a lei seria capaz de gerar um aumento de 0,6% nos índices de inflação, prejudicando todo cidadão brasileiro. Os representantes também usam a falta de locais de paradas como desculpa para tornar a lei “letra morta”.

Somente os representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT) e do Ministério Público do Trabalho (MPT), Luiz Antonio Festino e Paulo Douglas de Moraes, defenderam a manutenção do texto como foi promulgado.

Flávio Benatti, representante da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), admitiu mudanças na Lei do Descanso, mas refutou a ideia de prorrogação de sua vigência.

Veja abaixo um resumo das falas dos representantes da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), da Confederação Nacional da Indústria (CNT), da CNT, e do empresário Aldo Locatelli. Também confira o que pensa a representante do Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC), Sônia Branco, segundo quem a lei precisa “ser flexibilizada, e muito”.  

CNA

Luís Antonio Fayet, consultor de Logística da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), alegou que o impacto da lei no custo de transporte foi de 14%. E que isso representa 0,6% de impacto sobre a inflação. “A lei necessita de ajustes”, disse. Ele defendeu que sua implantação seja escalonada em cinco anos. “E que ninguém seja penalizado no período da implementação da lei.”

Para Fayet, mesmo que escalonadamente, a lei só deve ser obedecida nos trechos previamente homologados pelo governo. E que a Lei do Descanso também seja flexibilizada de acordo com o tipo de carta. “Tenho de tratar diferentemente uma carga de minério de uma carga explosiva”, declarou.

CNI

Fabíola Pasini, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), apresentou um discurso parecido com o da CNA. Quer a “implementação gradual dos dispositivos da lei  ou a prorrogação da sua vigência para que não gere perdas demasiadas ao setor produtivo. Ela ensaiou uma defesa dos motoristas. “A lei esqueceu que o Brasil possui uma vasta extensão territorial e uma extensão de rodovias com diferentes características de forma que não é possível atender aos requisitos da lei de forma imediata”, afirmou.

Lembrou da inflação que a lei pode trazer e que este custo será repassado a toda sociedade. “Há aumento do custo de transporte que certamente será repassado para o consumidor final”, disse. Segundo a representante da indústria, a Lei do Descanso está na contramão dos esforços do governo para incentivar a economia e segurar a inflação.

Para Fabíola, a lei deveria ser implantada aos poucos, iniciando pelas rotas com maior tráfego do Sul e do Sudeste. E deve levar em conta as especificidades de cargas. “Que o intervalo de descanso seja vinculado ao tipo de carga e a existência de pontos de paradas”, declarou.

E ainda fez um apelo: “Precisamos vender nossos produtos para o mundo e sem que haja modificação da lei não será possível.”

POSTOS

O maior revendedor de diesel do País, Aldo Locatelli, também foi convidado para a audiência. Ele defendeu a flexibilização da lei e sugeriu que o tempo de descanso seja vinculado ao trecho percorrido. “Que sejam 800 km em vez de horas”, afirmou. Locatelli disse que o governo deveria ser mais rigoroso na fiscalização dos motoristas com mau comportamento nas estradas e estimou que os postos poderão passar a cobrar R$ 50 para abrigarem os caminhões por noite.

MUBC

Sônia Branco, coordenadora do Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC) na Baixada Santista, disse que a lei “precisa ser flexibilizada, e muito”. Ela argumenta para isso a falta de local para o caminhoneiro descansar e a falta de infraestrutura nos portos. “O caminhoneiro vai ficar parado no meio do nada esperando o bandido”, discursou.

De acordo com Sônia, a lei precisa ser diferente para cada tipo de carga transportada. “Gostaria de propor aos senhores que acompanhassem um caminhoneiro numa jornada de trabalho saindo do Sul para chegar ao porto. Ai vocês vão onde eles poderiam parar, se existe essa possibilidade”, declarou.

CNT

O presidente da NTC&Logística, Flávio Benatti, que na ocasião representou a Confederação Nacional de Transportes (CNT), disse que a lei pode ser flexibilizada, mas que o setor não aceita sua prorrogação. Ele fez um histórico sobre as discussões que levaram à 12.619, desde 2007, quando o Ministério Público do Trabalho (MPT) passou a autuar transportadoras de Rondonópolis (MT).

“Sempre entendemos que a atividade do motorista carecia de uma regulamentação”, declarou. Benatti contou que a própria CNT procurou o Ministério Público do Trabalho para negociar. “Começamos uma conversa que envolveu trabalhadores, caminhoneiros autônomos  e empresários, e chegou-se a uma legislação, que também foi negociada com a Casa (Câmara dos Deputados)”, ressaltou.

O representante da CNT também rebateu o discurso de que não há como cumprir a lei por falta de paradas. “Podemos não ter os pontos ideais, mas os pontos existem tanto é que os caminhoneiros sempre descansaram em algum lugar. O que temos de fazer é lutar pela adequação dos pontos”, afirmou.

Benatti diz que a CNT concorda com a diminuição do tempo de descanso, desde que seja feita de forma isonômica para os caminhoneiros autônomos e empregados.  A lei prevê que o motorista pare meia hora a cada quatro horas ao volante e onze horas entre dois dias de trabalho. Os empregados não podem trabalhar mais que 10 horas por dia (8 horas normais e duas extras) e 44 horas semanais.

“Entendemos que a flexibilização possa vir, mas que venha também para os celetistas. Do contrário, haverá desemprego”, disse ele. No entendimento de Benatti, se só os autônomos puderem descansar menos, os embarcadores não contratarão mais as empresas de transporte.  Ele contou que a CNT, junto com entidades de autônomos, está preparando um documento com propostas sobre o tempo de descanso a ser entregue à comissão da Câmara.

A Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), que não participou da audiência, defende que o tempo de descanso entre dois dias de trabalho seja reduzido de 11 horas para 8 horas.

Uma nova audiência pública será realizada na tarde desta terça-feira (2).

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