Ferramenta cruza dados do RNTRC e do MDF-e para mostrar quem transporta, o que é levado, de onde para onde, em que tipo de veículo e com que impacto ambiental
Nelson Bortolin
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) lançou um novo Painel de Movimentação de Cargas, que promete se tornar uma das principais fontes de informação sobre o transporte rodoviário no Brasil. A ferramenta foi desenvolvida pela Coordenação de Gestão de Dados e Acompanhamento de Mercado (CGEDAM) da Superintendência de Serviços de Transporte Rodoviário e Multimodal de Cargas (SUROC).
Em vídeo publicado no YouTube, o coordenador da CGEDAM, Rodrigo Moretti Branchini, explica que o objetivo da ferramenta é unir bases de dados antes isoladas para permitir uma leitura inédita do fluxo de cargas no país. “O painel faz a união de quem está transportando, com quais tipos de veículos, com o que está sendo transportado e de qual origem para qual destino. Isso dá uma visão muito interessante da movimentação de cargas do Brasil”, afirma.
Duas bases integradas: RNTRC e MDF-e
O painel foi construído a partir da integração de duas bases fundamentais da ANTT e da Receita Federal: o RNTRC (Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas), que é o cadastro de transportadores, seus responsáveis e veículos, e o MDF-e (Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais), documento digital obrigatório para o transporte intermunicipal e interestadual de cargas.
“O RNTRC identifica o transportador — CPF, CNPJ, contatos e as placas e características dos veículos. Já o MDF-e vincula os documentos fiscais transportados ao veículo que efetuou o transporte”, detalha o técnico da ANTT.
Segundo ele, essa combinação permite enxergar praticamente todo o transporte rodoviário realizado no país, tanto o remunerado, feito por transportadores contratados, quanto o de carga própria, quando o embarcador usa frota e motorista próprios.
Existem exceções, como casos de veículos novos ainda sem placa, transportadores microempreendedores individuais ou pessoas físicas não inscritas no ICMS, em que a emissão do MDF-e não é obrigatória.
Como funciona o painel
Ao acessar o painel, o usuário encontra filtros interativos para selecionar período, tipo de transporte, categoria do transportador, tipo de veículo e tipo de produto.
“Na parte superior, o painel permite escolher o período de análise, por exemplo, de abril de 2024 a março de 2025. Abaixo, são exibidos o número de manifestos emitidos por mês e o peso total das cargas transportadas”, descreve Branchini.
Há também filtros para distinguir:
Transporte de carga própria (“sim” no campo ‘Carga própria’)
Transporte remunerado (“não” no mesmo campo)
Categorias de transportadores:
CTC – cooperativa de transporte de cargas
ETC – empresa de transporte de cargas
TAC – transportador autônomo de cargas
NI – não identificado (geralmente embarcadores que transportam carga própria e não têm RNTRC)
O painel também organiza os tipos de veículos conforme o cadastro do RNTRC — caminhões leves, simples, tratores e caminhonetes. Quando não há correspondência, o sistema marca como “não identificado”.
Origem, destino e agrupamento regional
Um dos avanços do painel está na forma de representar a origem e o destino das cargas. A equipe da ANTT adotou o conceito de Regiões Geográficas Imediatas (RGIs), criadas pelo IBGE, que agrupam municípios próximos com forte interdependência econômica.
“Os 5.571 municípios do Brasil foram agrupados em 510 regiões. Esse agrupamento facilita muito a visualização dos dados em mapas e tabelas, reduzindo o número de linhas e tornando as análises mais claras”, comenta Branchini.
O painel permite visualizar tanto o fluxo total de cargas entre RGIs quanto a movimentação entre municípios, estados ou regiões do país.
Distâncias reais pela malha rodoviária
Para estimar os quilômetros percorridos em cada operação, a ANTT realizou um estudo de distâncias reais pela malha do Sistema Nacional de Viação (SNV).
“Selecionamos 680 municípios representativos, localizados em entroncamentos rodoviários, nas extremidades do país e nas cidades mais populosas. Com base neles, usamos um software GIS para calcular as distâncias entre todos os pares de municípios e extrapolamos os valores para os demais”, explica Branchini.
Quando a origem e o destino estão no mesmo município, o sistema considera 10 quilômetros de deslocamento. Assim, a estimativa de distância reflete rotas reais de rodovia, não trajetos em linha reta.
Quantas viagens foram feitas?
Um dos desafios foi traduzir o número de manifestos (MDF-es) em viagens efetivas.
“Um MDF-e nem sempre representa uma viagem. Às vezes o mesmo caminhão emite dois ou três manifestos para um mesmo trajeto, seja para completar carga em outro estado, seja para fazer entregas parciais”, explica Branchini.
Para evitar distorções, o painel adota duas faixas de cálculo:
Número mínimo de viagens: considera uma única viagem quando o mesmo emitente, com as mesmas placas de tração e implemento e o mesmo motorista, atua no mesmo dia.
Número máximo de viagens: considera cada MDF-e como uma viagem distinta.
“Quando temos, por exemplo, três MDF-es emitidos no mesmo dia para o mesmo caminhão e motorista, entendemos que se trata de uma única viagem. Caso contrário, estaríamos superestimando as distâncias percorridas”, resume.
Com esse método, o painel exibe faixas como “77,8 milhões a 88,6 milhões de viagens”, e distâncias totais entre “33,2 e 36,6 bilhões de quilômetros percorridos”.
Estimativas ambientais e de desempenho
Outra inovação é o cálculo de emissões de CO₂ equivalente associadas ao transporte rodoviário.
“A partir da quilometragem mínima estimada e do desempenho médio em km por litro de cada tipo de veículo, calculamos o total de litros de diesel consumidos. Multiplicando pelo fator de emissão, chegamos ao total de toneladas de CO₂ equivalente lançadas na atmosfera”, explica Branchini.
O painel também traz o indicador TKU (tonelada-quilômetro útil) — obtido multiplicando o peso da carga pela distância percorrida com o caminhão carregado.
“O TKU é uma medida importante do esforço do transporte. Ajuda a estimar o tamanho do mercado de fretes e o custo do transporte para diferentes tipos de produtos e distâncias”, acrescenta.
