Restando menos de 60 dias para a redução da tolerância na pesagem dos eixos dos caminhões, apertando o limite dos atuais 7,5% para 5%, o chamado Grupo Interministerial de Estudos sobre Peso por Eixo em Veículos de Carga e Coletivos de Passageiros – GTPE, tem um nome tão longo quanto o pepino que deverá descascar: definitivamente pacificar esse assunto.
Por diversas vezes adiado, o retorno da tolerância para 5% está com data marcada para 1º de fevereiro de 2013, de acordo com a Resolução 403/12 do CONTRAN.
Mantido o estado atual da técnica do transporte rodoviário, os veículos que hoje já recebem multas passarão a receber multas com valores multiplicados, e ainda muitos outros caminhões que hoje passam sem multas, passarão a ser penalizados.
E isso será um pesadelo. Especialmente para os embarcadores já listados como campeões de multas e citados em Ações Civis do Ministério Público.
O assunto por si só é complexo e polêmico, e para complicar um pouco mais, tem muita gente opinando sem muita afinidade com o “cheiro do diesel” ou nunca chegaram perto de um caminhão. Falam-se em muitas hipóteses: desde adiar novamente a redução para 5%, até aumentar a tolerância nos eixos para 10 ou 11%.
Para apimentar um pouco mais, deixo aqui, alguns tópicos que julgo importantes para reflexão daqueles que vão efetivamente decidir sobre o tema:
I – O Excesso de Peso nos caminhões realmente é danoso ao País. Os seus já conhecidos e comprovados malefícios, são os seguintes:
- Contribui para os altos índices de acidentes nas rodovias envolvendo caminhões: porque reduz a estabilidade ao tombamento, aumenta a distância para parar o veículo, superaquece o sistema de freio, etc. Ou seja, põe em risco o caminhoneiro e os demais usuários que compartilham as vias;
- Danifica o veículo: aumenta o consumo de diesel, desgasta seus componentes, especialmente da suspensão (molas, pneus, eixos, etc.);
- Prejudica o setor de Transporte de Cargas porque rouba carga que outro caminhão deveria transportar, atuando de forma predatória no preço do frete;
- Danifica pontes e viadutos, reduzindo sua vida útil. E aí temos que destacar o responsável principal por esse dano: “Excesso no Peso Bruto Total”;
- Danifica o pavimento, reduzindo sua vida útil e deixando um trilho para outros acidentes com automóveis e motocicletas ocorrerem. E nesse caso o responsável principal pelo dano é o “Excesso nos Eixos” ou no “entre-eixo” como é popularmente conhecido.
II – Pois, de fato, temos que separar os assuntos e analisá-los sob óticas diferentes. Vou explicar por que.
III – Acertar no Peso Bruto Total é relativamente fácil. Basta determinar qual o PBT do veículo ou PBTC do conjunto de veículos (estão todos bem definidos na Portaria DENATRAN 63/2009) e subtrair desse valor a “TARA” (peso próprio em ordem de marcha) do veículo, encontrando a LOTAÇÂO máxima possível. Ou seja:
TARA + LOTAÇÃO = PBT
Fácil!.
É por isso que menos de 10% das multas são por excesso no Peso Bruto Total. Porque é simples acertar.
IV – Ainda assim alguns erros “clássicos” acontecem, especialmente ao medir a TARA do caminhão no balanção (balança estática) do embarcador:
Erro 1: motorista desce do caminhão para pesar. E eu pergunto para ele: na pista você vai pular do caminhão para passar na balança? Obviamente que não. Então não desça do caminhão para medir a Tara.
Erro 2: não é conferido se o tanque do caminhão está cheio de diesel. Para quem acha que o erro é pequeno: um caminhão pode levar no total (tanques originais + tanques suplementares) até 1.200 litros de óleo diesel. Se o caminhão é pesado, por exemplo, com 200 litros apenas, a diferença quando encher o tanque será de até 850 kg (1000 litros x 0,85 que é a densidade do diesel).
Erro 3: motorista desmonta as grades da carreta e retira a lona para entrar no embarcador. Mas na rodovia estará com grades e lona.
Evidentemente esses “erros” têm a intenção de registrar uma TARA menor e carregar mais. No entanto, na rodovia poderá ser multado. Por isso TARA significa “Peso em Ordem de Marca”, ou seja: motorista na cabine, tanques cheios e veículo completo.
V – Se é assim aparentemente tão fácil, por que temos que ter ainda a tolerância de 5%?
Porque o diabo mora nos detalhes.
Ou melhor, porque há variações estatísticas em quaisquer segmentos produtivos:
– Variação de densidade dos líquidos por exemplo. Para o mesmo produto podem ocorrer variações significativas do peso por litro (seja o líquido que for: do leite, até o biodiesel). E aí para um mesmo volume, teremos diferenças no Peso Bruto medido na balança. E essa variação deve ficar dentro da tolerância.
Por isso associar a tolerância “a imprecisão da balança” é uma bobagem. A tolerância deve existir e está associada à variação da densidade do produto que está sendo transportado.
– Assim também é para produtos agrícolas: soja, milho, também para madeira (úmida ou seca), areia, brita e mesmo em produtos industriais: há variações naturais nos seus pesos específicos.
Lembrando que a tolerância é aplicável quando o peso é verificado em balança. Para emissão da Nota Fiscal não há tolerância. Portanto na Nota Fiscal temos que aplicar:
LOTAÇÃO = PBTc – TARA
E não correremos o risco de multas pela verificação do peso na Nota.
VI – Mas e o tal “Peso por Eixo”? Por que representa mais de 90 % das multas?
Porque em alguns casos é extremamente difícil acertar com precisão a distribuição de peso entre os eixos.
O princípio básico é simples: coincidir o Centro de Gravidade da Carga no Centro Geométrico da carroceria para a “quase totalidade” dos veículos.
(Digo “quase totalidade” porque temos algumas exceções que mostrarei nos próximos itens. Ou seja, para complicar temos alguns veículos que não distribuem corretamente o peso entre os eixos mesmo seguindo essa regra básica).
Observe que, mesmo transportando a LOTAÇÂO correta, se não fizermos coincidir os Centros (Centro de Gravidade da carga com o Centro Geométrico da carroceria) haverá excesso em alguns dos eixos do veículo, mesmo com o PBT correto !.
Coincidir o centro de gravidade com o centro da carroceria transportando carga uniforme, graneis ou líquidos é moleza: a própria carga se “acomoda” corretamente. Mas e com cargas irregulares? Ou cargas fracionadas? Como certificar-se que os dois Centros coincidiram?
Não é tão simples. É preciso “fazer contas”, e se a variedade de cargas for muito grande não temos outra alternativa: só com software (e temos ainda poucos no País).
VII – Por isso vamos separar os assuntos:
– Quem trafega com excesso no Peso Bruto Total acima da tolerância, e normalmente nesse caso leva 5, 10 toneladas de excesso, está intencionalmente obtendo vantagem econômica e trazendo todos os malefícios listados no Item 1.
Obs.: com excesso significativo no PBT também ocorrerá excesso nos eixos.
– Quem acerta no Peso Bruto Total e erra apenas no Peso por Eixo não está auferindo nenhuma vantagem econômica. Isso mesmo: nenhuma vantagem econômica. Está levando a quantidade correta de carga. Simplesmente comete um “erro técnico”, e de difícil solução em alguns casos. Claro que deve ser autuado para forçá-lo à melhoria na sua técnica de carregamento. Mas são “infratores” com perfis distintos. E assim deveriam ser tratados.
Por isso, erra o Agente Público quando coloca os dois no mesmo cesto.
Quem acerta no Peso Bruto, mas erra no Peso por Eixo comete um erro técnico involuntário. Muitas vezes esse erro é de difícil correção.
Quem excede no Peso Bruto (e por conseqüência no peso por eixo) via de regra comete intencionalmente um desvio à regra.
VIII – Como exemplo, compartilho alguns casos extremamente difíceis:
– Transporte Florestal: como vamos saber qual o peso exato de cada árvore?
Teríamos que combinar com a “mãe-natureza” para cada árvore nascer com a plaqueta com seu peso e com a posição do Centro de Gravidade (sim: a parte de baixo tem diâmetro maior e desloca o centro de gravidade).
Brincadeiras à parte vamos pensar nas soluções:
– Instalar célula de carga em todos os eixos de todos os veículos florestais do Brasil, assim o veículo avisará se o peso está correto ou não! Utopia.
– Instalar balanças que pesem PBT e por eixo em todas as florestas! Impossível – o local de produção (corte) muda toda semana.
– Instalar balanças que pesem PBT e por Eixo nas saídas das rodovias rurais. Possível a longo prazo e com muito investimento.
E o mesmo raciocínio vale para soja, milho, laranja, cana-de-açúcar, areia, etc. ou seja qualquer carga produzida fora de um ambiente industrial controlado. E cuidado!: ambiente controlado, mas balança estática (balanção) do embarcador serve para pesar Peso Bruto Total. Para pesar por eixo a balança é outra, adequada para esse fim.
Podemos trabalhar com valores médios e determinar o volume a ser carregado, mas ocorrerão variações inevitáveis no peso. Por isso deve existir a tolerância.
Erram também aqueles que acham que a tolerância de 7,5% significa que todos os caminhões passarão a transitar com 7,5% de carga a mais em todos os eixos e assim reduzirá a vida útil do asfalto em “x” anos……..
A conta não é essa.
A tolerância deve existir para absorver os problemas e as variações citadas acima e tratar da exceção: o eixo com excesso de peso por problema de posicionamento da carga.
– Outro exemplo: Transporte de Lixo – como vamos saber quanto pesa cada saco de lixo recolhido?.
Temos que combinar com a donas-de-casa para pesar cada saco de lixo e etiquetá-los? Nesse caso só teremos uma solução futura: todos os caminhões deverão ser célula de carga para informar ao motorista quando um limite por eixo ou total foi atingido. Mas isso custa e levará tempo.
– Transporte Fracionado: vamos coletando uma carga aqui e outra lá. Podemos controlar o peso total (somando os pesos individuais), mas como será garantido o Centro de Gravidade? A posição dependerá do peso, das dimensões e ainda da sequencia com que cada caixa será carregada. Portanto: impossível de resolver facilmente.
– Entregas Parciais: o caminhão sai carregado perfeitamente da empresa. Faz uma 1ª entrega retirando parte significativa da carga pela traseira. Pronto: na próxima balança fatalmente será multado por excesso no eixo do trator, porque a carga foi desbalanceada (o Centro da Carga já não está no Centro da carreta). Mesmo transportando menos carga, ocorrerá excesso nos eixos.
Como resolver:
– Rearranjar toda a carga depois de cada entrega;
– Eliminar as entregas parciais. Trabalhar com Centros de Distribuição para permitir o transbordo em veículos menores para as entregas parciais;
Possível, mas demorado e com custo elevado.
E assim teríamos muitos outros exemplos não resolvidos ou de difícil solução.
IX – Para complicar: temos as ainda as exceções.
Carretas longas de 3 eixos juntos (com + de 14 metros de comprimento) com caminhão-trator de 2 eixos não distribuem corretamente a carga.
Isso mesmo: se transportar a Lotação máxima e uniformemente distribuída ocorrerá excesso no veículo-trator.
A posição da suspensão está “traseira” para manter o Balanço Traseiro em 3,5 metros (Resolução 210) e isso transfere carga adicional ao trator, sobrecarregando os seus eixos.
Temos ainda, caminhões modificados, alongados, encurtados, com 5ª-roda deslocada, com tanque suplementar, etc., etc., lembrando que ficamos quase uma década sem controlar o peso por eixo e essas modificações foram frequentes.
Temos também o caso do motorista que pesa o veículo no embarcador, depois passa em sua casa e coloca na boleia a esposa e os filhos para uma “viagem de férias”. Esse “peso extra” poderá gerar multa nas balanças.
E tem também aqueles que carregam no embarcador, depois fazem o seu “fretezinho particular”, adicionando carga e provocando desbalanceamento nos pesos.
E ainda as carretas “Wanderleias” com o 1º eixo com suspensão pneumática e os outros 2 mecânicos, e que o motorista altera a pressão na bolsa do 1º eixo desequilibrando os pesos dos demais.
…. teríamos ainda “n” outros casos problemáticos que ilustrariam a complexidade do tema.
X – Mas, para concluir: deixo minha sugestão.
Se pudesse opinar, sugeriria as seguintes medidas:
– Tolerância para o PBT: 5% como está hoje.
– Veículo autuado na balança por exceder no PBT: aplica-se 5% de tolerância também para os pesos nos eixos.
– Veículo aprovado no PBT na balança, aplica-se 10% de tolerância para autuação por excesso nos eixos.
– Na fiscalização fora da balança (pela Nota Fiscal), manter a regra atual, ou seja: nenhuma tolerância, de acordo com o CTB.
– Instalação urgente de mais estações com balanças para controle nas rodovias brasileiras.
– Incentivo pelo Governo para compra e instalação pelas empresas de balanças para pesagem por eixo.
(tem incentivo para carro, geladeira, porque não para comprar balanças dinâmicas por eixo para minimizarmos os problemas?).
Por último: não tratem o assunto de forma trivial porque as soluções não são simples. Não tratem com superficialidade porque 65% de tudo que se produz no Brasil segue pelas nossas Rodovias. E não podemos correr o risco de paralisarmos o setor.
Por outro lado, os números de mortos com acidentes envolvendo caminhões são assustadores e medidas para redução devem ser implementadas. Parte dessas medidas está em efetivamente controlarmos os pesos de nossos caminhões.
Muita Boa Sorte ao GTPE !
Rubem Penteado de Melo é Engenheiro Mecânico com pós-graduação em engenharia de produção e mestrado em engenharia mecânica. Consultor do Portal Guia do Transportador. Foi engenheiro projetista da Bernard Krone do Brasil (fabricante de semi-reboques e da Ford New Holland (fabricante de máquinas agrícolas). Atuou ainda como engenheiro industrial, gerente de produto e atualmente é diretor, responsável pela área da qualidade nos serviços de inspeção de segurança de veículos sinistrados e alterados e inspeção de veículos que transportam produtos perigosos na Transtech Ivesur Brasil Ltda. Foi vencedor do Prêmio Volvo de Segurança no Trânsito de 1996.