Edição 189 – dez 2016/jan 2017
Equipe da Carga Pesada
2016 foi um ano difícil para todos. O Brasil caiu numa grave recessão, que já vinha dando sinais desde 2014. O número de desempregados elevou-se para cerca de 12 milhões. O transporte rodoviário de carga foi atingido em cheio pela crise. Para saber como os caminhoneiros estão enfrentando a situação, a Carga Pesada foi para a estrada, num projeto patrocinado pela Mercedes-Benz, que recebeu o título “As estradas falam. A Mercedes-Benz ouve. E a Revista Carga Pesada publica”.
A equipe da revista percorreu a Via Dutra, nos dias 8, 9 e 10 de dezembro, a bordo de uma van MB Vito, parando nos postos Sakamoto e Farol, em Guarulhos, no Estrela Graal, em Queluz, e no Arco-Íris, em Aparecida. Também esteve no Posto Portelão, em Cambé (PR), no dia 5, e na Fernão Dias, em Belo Horizonte, no dia 8.Prestes a completar 32 anos, a Carga Pesada inovou neste projeto com a Mercedes-Benz: aproveitando a rápida comunicação da internet, produzimos vídeos, fizemos transmissões ao vivo, tudo no ritmo dinâmico do universo do Facebook, do Youtube e das demais redes sociais.
Buscando interação com os entrevistados, a Mercedes-Benz abriu um canal do projeto com seu Serviço de Atendimento ao Cliente. Algumas dúvidas já foram esclarecidas e todos os comentários feitos pelos entrevistados sobre produtos e serviços serão encaminhados para a montadora. A realização do projeto coincidiu com o anúncio de aumento dos combustíveis pela Petrobras. O óleo diesel chegou perto de R$ 3 nos postos. O contraste entre diesel muito caro e fretes baixos foi a pior queixa dos caminhoneiros.
Mas a reportagem tomou conhecimento de queixas específicas, como a de Wanderson Silva Santos, de Cachoeiro do Itapemirim (ES). Ele transporta granito e vai precisar gastar um bom dinheiro para adaptar o veículo às novas normas do segmento: terá que comprar garrotes, cintas e travas. “Como não temos como fugir, as lojas jogaram o preço lá pra cima”, diz ele, calculando que vai gastar de R$ 4.500 a R$ 5 mil nessa compra.
Outro capixaba, Fabiano Matos, de Castelo, fez um bom retrato da atual situação econômica, ao dizer: “O frete é caro para quem paga e barato para quem recebe – no caso, o caminhoneiro”. Ele disse que não está compensando ir pra estrada. “Os grandes vilões hoje são pedágio e óleo diesel. Eles tomam 60% do nosso lucro. Bota um caminhão para rodar está ficando inviável”, afirmou.
Valdinei Souza, de Feira de Santana(BA), também apresentou uma conta que mostra a gravidade da situação. Ele carrega gesso entre Fortaleza e São Paulo. “O frete é de R$ 9 mil, mas a gente gasta R$ 5 mil de óleo. Somando outras despesas, não sobra nada.” Apesar disso, com 15 anos de estrada, casado, pai de um fi lho, ele se diz feliz: “Eu gosto muito da vida que levo”.
Além do preço do diesel, o gaúcho Marcelo Clavijo, de Três Cachoeiras, reclama da sensação de falta de segurança. “De São Paulo a Curitiba, ou se paga caro para dormir, ou é roubado no acostamento”, disse. Marcelo acha que as concessionárias de rodovias já deveriam ter implantado pontos de apoio para caminhoneiros. “O governo tem de exigir isso”, completa. Nós encontramos também o caminhoneiro Cícero Escabora Pires, de Araras (SP), no Posto Arco-Íris, em Aparecida. Ele estava com a família. Sua esposa Tatiane aproveitou para fazer um apelo às empresas embarcadoras para que tenham um espaço adequado para receber o caminhoneiro e seus familiares dignamente. “Quando viajamos com as crianças, precisamos dar alimentação, trocar fraldas, dar um banho. Se eles pudessem olhar para isso e dar melhores condições durante a espera para carga e descarga, seria uma forma de mostrar respeito com o caminhoneiro.”
Mas nem só reclamações ouvimos nas estradas. Tiago Mota Siqueira, de Aparecida, tem 31 anos, e está satisfeito com a profissão que herdou do pai. “Não existe crise.Este foi um mês fraco para mim e mesmo assim faturei em torno de R$ 30 mil, dos quais devem me sobrar R$ 6.700,00. E durmo todo dia em casa, só faço viagens curtas”, diz animado, mostrando no aplicativo do banco no celular a movimentação bancária do mês.
“O caminhão me deu tudo”
Outro mineiro, Carlos Vieira, que transporta carga geral e tinha chegado de Sabará para entregar em Cambé, disse que “o mercado está fraquinho demais, piorou muito do meio do ano passado para cá”. Ele ganhou R$ 3.900 pelo frete que tinha acabado de fazer. “Em 2014, me pagavam R$ 6 mil por essa viagem.” Ele torce para que a situação melhore no ano que vem.
Também no Portelão, o gaúcho Paulo Renato Cardoso, há 25 anos como empregado, disse que o frete está no mesmo patamar de10 anos atrás. “Eu adoro minha profissão, mas estou desanimando.” Seu sonho é ter caminhão próprio. “Mas do jeito que as coisas estão, fica difícil”, concluiu.
Odair Correia Figueiredo, autônomo de Itapevi (SP), cobra a implantação imediatade uma tabela de frete. “Tem lugar que o frete é o mesmo desde 2008. Quantas vezes o diesel aumentou de lá para cá?”, desabafou. Odair também reclamou da falta de cumprimento da lei do pedágio, que obriga os embarcadores a arcarem com a despesa.“Dizem que é lei, mas é balela. Só conheci uma empresa que paga o pedágio.”
Já o cambeense Álvaro de Matos, que tem um Mercedes-Benz 1525, ano 99, reza para que não haja quebra da próxima safra. “2016 foi um ano muito difícil. Espero que no ano que vem a safra seja melhor.” Luciano Furlan, de Itápolis (SP), disse que tudo que conquistou foi trabalhando com caminhão mas que hoje seria muito difícil começar na profissão. Ele acha que o modelo Atego da MB hoje seria uma ótima aquisição para seu negócio. Ele tem atualmente um VW 23-220 ano 2005.
A Ingá Veículos, concessionária Mercedes-Benz para Londrina e região, apoiou a ação no Posto Portelão levando um extrapesado Actros ( foto acima) e um furgão Sprinter para que os caminhoneiros participantes pudessem conhecer de perto os produtos da marca patrocinadora do projeto “As estradas falam. A Mercedes-Benz ouve. E a Revista Carga Pesada publica”.
O projeto teve também o apoio daOnixSat. A empresa cedeu um kit móvel do rastreador Smart 2 híbrido que funciona tanto com sinal de satélite quanto de celular. Ele foi instalado na van Vito com a qual a equipe de reportagem percorreu a Via Dutra.
Os vários sotaques ouvidos em Minas
No capítulo mineiro, o ponto de toque do projeto “As estradas falam. A Mercedes-Benz ouve. E a Revista Carga Pesada publica” ocorreu na Fernão Dias, km 557 (pista Norte), no conhecido Restaurante Casa Branca, à meia altura da Serra de Itaguara.Lírio Lopes, de Piracicaba (SP), foi curto e grosso e, ao mesmo tempo, disse tudo: “Passei o ano ganhando menos e trabalhando mais”. Não viu possibilidades de melhorar. Nem acha que isso vá mudar em 2017.
Alexandre de Oliveira mora em Ipatinga, no Vale do Aço. “Atravessei o ano sem deixar sujar o meu nome no Serasa”, comemorou. Quanto a 2017, só acha que precisa… rezar. Hoje toca Scania com carreta-baú de dois eixos.
Já o londrinense Marcos Campos roda com o VW Constelation 24.250 e lembra que a “crise deste ano foi forte”. No entanto,torce para melhorar, “talvez em julho”. A gaúcha Elisandra Gonçalves, de Porto Alegre, é comedida, sem deixar de ser otimista. “Não posso reclamar de 2016, pois não fiquei desempregada”, disse a motorista da Translovato.
Reclamação ela fez da total impropriedade dos locais de carga e descarga pelo País afora. “O motorista não tem o mínimo suporte para esperar a liberação do caminhão.”
Eis que encontramos sete estradeiros de uma única empresa, a Canarinho, de Atibaia (SP), no Casa Branca. Wanderlei Ferreira, Roberto Teodoro, José Vicente Dias (Bodinho), Clécio Barbosa, Ernando Carlos, Luciano Silva e Josué Couto de Moraes são graduados em encomendas urgentes. Fecham o ano apreensivos: a transportadora acaba de ser vendida para a Braspress, para a qual trabalhava. “Da incorporação esperam–se demissões”, é o temor deles.
Outros estradeiros nos dedicaram atenção. O paulista Marco Antônio Rocha destacou o momento de “muita carga” da sua Jamef, de São Paulo. Jorge Moreira, da Transnorte, de Montes Claros, preocupa-se com a “insegurança política do momento”. Laudemir Braz, de BH, está preocupado porque seu patrão reduziu a frota e aproveitou para dizer que discorda da febre e automatização do caminhão: “A profissão vai se acabando. Cambiar é gostoso. Daqui a pouco não haverá mais volante, muito menos pedais. Já pensou?”
Fausto Braga, setelagoano de muita estrada, está em lua de mel com seu Volvo FH 540 novo. Arrasta um bitrem-tanque de sete eixos e reconhece que o ano foi bom para o ramo (reciclagem de lubrificantes).
As estradas dizem mais do que falam. É um aprendizado primoroso.