Cai o número de acidentes com caminhões
De um ano para o outro,foi uma redução de 38%.
A pergunta é: será que a causa está ligada aos exames sobre o uso de tóxicos (e rebites) que agora os motoristas profissionais são obrigados a fazer?
Nelson Bortolin
Quando a Carga Pesada pediu esses dados à PRF, era para saber se a obrigação de fazer o exame toxicológico, que começou a vigorar dia 2 de março, teve algum efeito para a segurança do trânsito, mas esses números não permitem dizer se uma coisa tem a ver com a outra. Primeiro porque poucos exames têm dado positivo (leia na pág. 22). E segundo – e mais importante –, devido à situação econômica, o tráfego de caminhões pelas estradas federais teve uma queda expressiva.
Segundo a Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR), de janeiro a julho o fluxo de veículos pesados caiu 5,4% em relação ao mesmo período de 2015 nas rodovias pedagiadas. Já o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) dá informações menos claras a esse respeito, mas elas também ajudam a ter um panorama da situação. No site do DNIT, nem sempre o período de contagem de um ano coincide com o de outro. Mas ali conseguimos identificar reduções de tráfego de veículos pesados de 6% de janeiro do ano passado para janeiro deste ano e de 22% no mês de março. Existem outros números, que ficam entre esses dois.
Em entrevista à Carga Pesada, o assessor de comunicação da PRF, Diego Brandão, afirmou que não tem como relacionar o número de acidentes com os exames toxicológicos, mas acrescentou: “A PRF está extremamente feliz com a queda dos acidentes e tem certeza de que ela se deve ao aperfeiçoamento da fiscalização”. Brandão também considera que a evolução na engenharia dos caminhões vem colaborando para isso.
O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de São Paulo (Setcesp), Tayguara Helou, tem impressão semelhante: “Caiu o número de acidentes porque o volume de carga transportada no País reduziu-se 30%. Não tem a ver com o exame toxicológico”.
Helou apoia a exigência do exame toxicológico, bem como a lei que exige faróis acesos de dia nas rodovias, como medidas para aumentar a segurança do trânsito. “Nos Estados Unidos, a lei dos faróis acesos de dia, quando entrou em vigor, reduziu em 5% o número geral de acidentes e em 12% o de atropelamentos”, informa. Mas no Brasil é muito cedo para fazer essa conta.
O presidente do Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos de São Paulo (Sindicam), Norival Almeida, também tem certeza de que a queda dos acidentes é resultado de haver menos caminhões em circulação. Ele estima que, de 360 mil caminhões de autônomos no Estado de São Paulo, 150 mil estejam parados ou fazendo pouquíssimas viagens. “Hoje são muito raras as viagens longas. Com a crise, as empresas passaram a buscar cargas mais perto de suas sedes”, afirma.
Carreta trafegava no dobro da velocidade permitida
Todos torcem para que haja uma real tendência de redução dos acidentes de trânsito no Brasil. E que cenas como as vistas dia 3 de julho, quando um caminhão-tanque explodiu na BR-277, no Paraná, não se repitam. A Polícia Científica concluiu que o veículo trafegava em velocidade duas vezes maior que a permitida no trecho. O acidente deixou seis mortos e 13 feridos.
De acordo com o laudo, a carreta descia a Serra do Mar a 123 quilômetros por hora. A velocidade máxima no local era de 60 quilômetros por hora. Segundo a Polícia, o veículo trafegava com problemas nos freios. Em depoimento, o motorista admitiu que ele e a transportadora para a qual trabalha estavam cientes do defeito.
Um bebê de apenas 17 dias sobreviveu à tragédia. Os corpos dos pais foram encontrados carbonizados.
1,36% dos exames tem resultados positivos
De 2 de março a 2 de agosto, foram realizados no Brasil 334.894 exames toxicológicos em processos de habilitação ou de renovação de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nas categorias C, D e E. Desse total,
4.562, ou 1,36%, deram positivo (veja quadro). Os números foram informados à Carga Pesada pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
Seja por medo de receber resultado positivo, seja para não pagar cerca de R$ 300 pelo exame, que se tornou obrigatório em março, diminuíram os pedidos de carteiras nas categorias C, D e E. Isso ocorreu em pelo menos dois Estados nos quais a reportagem conseguiu estatísticas: Paraná e Rio de Janeiro.
De janeiro a junho, o Detran do Paraná registrou 77.651 CNHs nessas categorias; no ano passado, nesse período, foram 84.554 – queda de 8%. Muito mais expressivo é o número de reclassificações para a categoria B, que foi de 10.450 para 24.510 – bem mais que o dobro. São pedidos de rebaixamento de habilitação para não ter que fazer o exame toxicológico.
Os números informados pelo Detran do Rio de Janeiro são incompletos e bem menores do que os do Paraná. No Estado do Rio, foram entregues, até julho, 8.215 CNHs na categoria C, 23.519 na categoria D e 2.803 na categoria E – nos três casos, números bem menores que os de 2015.
O diretor geral do Detran PR e presidente da Associação Nacional dos Detrans (AND), Marcos Traad, preferiu não tirar conclusão nenhuma da relação entre a queda do número de acidentes e a exigência de exame toxicológico para os motoristas profissionais. “É muito cedo.” Mas diz ser o único dos diretores dos departamentos estaduais de trânsito a defender o exame. “Sei que a eficácia do exame é muito alta”, declara. Mas Traad foi voto vencido e a entidade está questionando a constitucionalidade da lei.
As críticas ao tipo de exame em vigor
A Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) reafirma sua posição: é contra o tipo de exame toxicológico para motoristas que está em 5vigor no Brasil, o chamado exame de larga janela de detecção, que é feito com um fio de cabelo e permite verificar se a pessoa usou drogas nos últimos 90 dias.
Dirceu Rodrigues Alves Júnior, diretor da Abramet, defende o exame de saliva ou de urina, que detecta se o motorista está sob o efeito de tóxicos na hora que está dirigindo. “O que está acontecendo hoje? O motorista que toma rebite para não dormir, por exemplo, fica 90 dias sem tomar, faz o exame, dá negativo e volta a tomar. Só daqui a cinco anos ele vai se preocupar com isso de novo.”
O diretor de Habilitação do Detran de São Paulo, Maxwell Vieira, diz a mesma coisa. “O exame só seria efetivo se fosse realizado na própria estrada, o que comprovaria se o condutor está sob o efeito de drogas.” O Detran de São Paulo foi à Justiça contra a lei em vigor e ficou algum tempo sem exigir os exames para fornecer carteiras de habilitação, mas teve que voltar atrás porque sua liminar foi cassada.
Já o presidente do Sindicam-SP, Norival Almeida, prefere avalizar a situação atual: “Eu acho que o exame é bem-vindo e vai ajudar a reduzir o número de acidentes”, afirmou.