Ao deixa a vice-presidência da Mercedes-Benz, Roberto Leocini fala sobre o futuro do transporte no Brasil, entre outros assuntos

No futuro, o Brasil terá caminhões elétricos para curtas e médias distâncias e veículos à base de células de hidrogênio para as viagens mais longas. Uma fase intermediária com forte presença de caminhões a gás pode acontecer ou não. Essa é a previsão do ex-vice-presidente de Vendas, Marketing e Peças & Serviços Caminhões e Ônibus da Mercedes-Benz no Brasil, Roberto Leoncini.

Ele, que agora é conselheiro da companhia, concedeu uma entrevista de despedida à imprensa especializada em transporte, no último dia 24, na sede da montadora, em São Bernardo do Campo (foto em destaque).

“Eu acredito no caminhão elétrico na distribuição urbana no médio para longo prazo. E no hidrogênio para longa distância”, disse.

Sobre o caminhão a gás, ele fez a seguinte analogia: “Eu acho que é um mezanino do primeiro para o segundo piso.”  Mas investir neste tipo de veículo talvez não seja a melhor saída. “Nós temos dinheiro para investir num ‘meio do caminho’?”, questiona. “Porque, depois a gente sabe que vai ter que abandonar (o caminhão a gás) e ir para outra ponta (das tecnologias de zero emissão.”

Na opinião do conselheiro, caso o biometano se viabilize como combustível em larga escala no Brasil, o caminhão a gás pode ganhar mais importância. “Aí a gente vai começar a olhar o gás de um jeito diferente.”

DE OLHO NO BRASIL

Roberto Leoncini afirma que as montadoras mudaram a forma de olhar para o Brasil. Atualmente, essas companhias são obrigadas a desenvolver produtos específicos para o mercado local. “A solução do outro lado do mundo não serve para o Brasil. O Brasil tem características completamente diferentes. Uma coisa que serve para a Europa às vezes não vai servir agora aqui.”

De acordo com o conselheiro, o Pais, quando não é o mercado número um das grandes marcas europeias, é o segundo. “Para qualquer montadora, qualquer montadora. Não tem nenhum país da Europa onde o mercado para as montadoras é maior do que aqui”, conta.

ESCUTA DA MERCEDES-BENZ

A reportagem da Revista Carga Pesada lembrou Leoncini do slogan da marca: “As estradas falam e a Mercedes-Benz ouve”. E questionou se a montadora alemã ouve as necessidades do transportador brasileiro. “A gente tem uma nova geração de executivos tomando conta da companhia. A Karin Rådström (chefe mundial da marca) é um exemplo. Ela fez questão de vir para o Brasil com toda estrutura de estratégia, de produtos, de motores, de ir para o Mato Grosso, ir para o para o interior de São Paulo, conversar com grandes frotistas para entender o que acontece. Então, definitivamente hoje eles ouvem. Talvez há algum tempo atrás, não.”

APRENDIZADO DA CHINA

Sobre a possibilidade de as marcas chinesas de caminhão abocanharem parte do mercado nacional, ele disse que isso é inevitável. Mas elas devem apostar em energias alternativas. “O chinês está aí. O chinês criou competência, o chinês aprendeu. Como ele vê lá na frente, decidiu não disputar o mercado de combustão, porque o mercado de combustão não vai existir lá na frente. Nós temos que estar bem preparados para dividir espaço.”

OTIMISMO COM RESSALVA

Leoncini acredita que o mercado brasileiro de caminhões vai melhorar neste ano em comparação com 2023, mas demonstrou preocupação com o agronegócio. Há pouco tempo, ele visitou o Mato Grosso. Um grande cliente disse ao conselheiro nunca ter visto uma seca como a do ano passado. “Então isso vai trazer uma perda, vai ter uma queda de volume. Aliado à queda de volume, tem o preço (da soja e do milho) que está extremamente baixo. Então, as duas coisas juntas podem causar alguns efeitos (negativos) na indústria de caminhões.”

Ele é cuidadoso ao relacionar a seca à crise climática do planeta. “A gente precisa ir desfolhando a alcachofra para ver o que tem no coração.”

E citou os fenômenos naturais climáticos El Niño e La Niña, que alteram a temperatura do oceano e acabam por influenciar em mais ou menos chuva. “Então a gente precisa olhar na linha do tempo para ver se agora a gente também não está botando todas as fichas em alguma coisa (aquecimento global).”

Leoncini deixou claro, no entanto, sua preocupação com o aumento da temperatura da Terra. “A gente tem que reduzir a emissão, a gente tem que reduzir a pegada de carbono.” Mesmo que não seja por preocupação com o planeta. “Hoje ou amanhã, teremos de fazer isso pressionado pelo mercado de capitais, que vai virar e simplesmente vai falar: ‘Se você não fizer a sua parte, eu vou tirar o meu dinheiro daí’”.

Ele se refere ao fato de que as bolsas de valores e os investidores mundo afora estão cada vez mais exigindo medidas ambientais das companhias.

MÃO DE OBRA

Durante a entrevista coletiva, o conselheiro comentou também sobre um dos maiores desafios do transporte de carga: a falta de mão de obra. E defendeu a necessidade de o Brasil buscar uma solução para o problema. “Temos de pensar como é que a gente traz o jovem para ser motorista de caminhão, a mulher para ser motorista de caminhão.”

Apesar da preocupação, acha exagerada a alegação de que haverá um “apagão” de mão de obra. “É muito apocalíptico falar em apagão.”

Também ressaltou que a Mercedes-Benz apoia o a Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte (Fabet), que forma mão de obra para o setor. “E u acho que isso deveria ser uma preocupação para todo mundo.”

A escassez de motorista no mercado, segundo Leoncini, é apontada por clientes da montadora como impeditivo para a compra de mais veículos. “Eu deixei de vender caminhão porque o cliente falou que tinha negócio para mais 100 e 200, mas não tinha motorista. Então não iria investir.”