Na semana do Dia Internacional da Mulher, a caminhoneira Vanessa Mariano levou 36 horas para descarregar e ficou 48 horas sem dormir

Nelson Bortolin

Um trecho de cerca de cinco quilômetros não asfaltado na BR 230, no distrito de Mirituba, do município de Itaituba, Sudoeste do Pará, torna a vida dos caminhoneiros um inferno durante toda a safra. Quando chove, como aconteceu nos últimos dias, a situação piora muito mais. Quem conhece bem o sufoco de trafegar pela região é a caminhoneira autônoma paranaense Vanessa Mariano. Nesta semana, com seu Mercedes-Benz Actros 2548, ano 2021, ela esperou 36 horas para descarregar soja no porto fluvial. E calcula que a fila ultrapassava 40 quilômetros.

Segundo a motorista, com a chuva, os caminhões atolam, quebram, e precisam esperar que as máquinas venham em socorro deles, o que gera as filas quilométricas.  Esta semana choveu três dias sem parar por lá. Outro agravante é que a colheita está no final e quem fazia o transporte dentro da lavoura migrou para a rodovia, aumentando o número de caminhões em direção aos portos.

Quando conversou com a reportagem no final da tarde da quinta-feira (6), ela estava havia quase 48 horas sem dormir. Porque é impossível pegar no sono quando se está na fila. “Se você cochila, outro caminhão passa na sua frente”, alega. Ela também se alimentou mal. Tendo de conduzir o caminhão a conta gotas não conseguia abrir a caixa de cozinha por tempo suficiente para terminar a comida. Sem restaurante ou lanchonete alguma no trecho, ela teve de alimentar-se de bolachas.

Trabalhar nessas condições já é degradante para os homens que têm mais facilidade de fazer suas necessidades fisiológicas no mato. Para as mulheres, é ainda mais difícil. “Eu carrego um baldinho com tampa (para as necessidades fisiológicas) e uma garrafa pet com água para improvisar minha higiene”, conta.

Outra dificuldade, segundo a caminhoneira, é a comunicação. Não há sinal de celular no trecho. “Todo mundo fica isolado, não consegue falar com ninguém.” A saída encontrada por ela para poder falar com a família que mora em Ponta Grossa, no Paraná, foi investir em telefonia por satélite.

Última viagem

Esta foi a última viagem de Vanessa para os portos fluviais de Miritituba nesta safra. A caminhoneira agora segue com o veículo vazio para Sinop, de onde vai pegar uma carga para o Sul, de modo que possa passar uns dias com a família. Ela tem um filho de 17 anos e está longe de casa desde 2 de janeiro. Depois, ela pretende trabalhar na safra de Goiás.

Apesar das dificuldades, Vanessa permanece na profissão porque gosta da vida na estrada. “Eu amo o que faço. Se não amasse, não teria como. Ninguém fica nesse trabalho se não gosta porque tem horas que ele é cruel demais”.

Mas também a questão financeira pesa na decisão de permanecer na boleia. “Tenho amigos que são formados, que são advogados, mas que preferem dirigir caminhão porque ganham mais. Tenho uma prima que é dentista e não ganha o que eu ganho”, justifica.

Asfalto ruim

Depois que descarregou em Miritituba, Vanessa gravou um vídeo mostrando que as condições da BR 230, mesmo asfaltada, não estão lá aquelas coisas. Veja:

OUTRO LADO

A Revista Carga Pesada está tentando contato com a Prefeitura de Miritituba, a concessionária da BR 230 e o Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (DNIT) para entender por que o trecho ainda não foi asfaltado. A asseria do DNIT diz que não tem nada a ver com o trecho em questão. Já a concessionária ficou de encaminhar um posicionamento ainda hoje. A Prefeitura não atende nenhum dos telefones disponibilizados no site e também não responde o contato feito pelas redes sociais.