Nelson Bortolin
Ele tem 44 anos e mora em Mossoró (RN). É caminhoneiro autônomo há 20 anos e tem apenas um caminhão. Da noite para o dia, passou a dar entrevistas para os principais veículos de comunicação do Brasil como liderança de caminhoneiro. Foi hostilizado e enganado por ministro, chamado de bandido por colegas e acusado por setores da imprensa de estar por trás de um movimento para derrubar a presidente Dilma Rousseff.
A Carga Pesada foi atrás de Ivar Luiz Schmidt, criador da página do Facebook intitulada Comando Nacional do Transporte, e entender por que ele se destacou como representante nacional da categoria nas paralisações realizadas nas rodovias brasileiras em fevereiro e no início de março.
A reportagem conseguiu localizá-lo por telefone dia 12 de março em sua casa. E ele contou estar afastado das negociações de Brasília para cuidar da mulher. “Minha esposa tem Parkinson precoce. A doença piora dependendo das emoções. Quando eu estava em Brasília, ela ficou com muito medo de eu ser preso ou assassinado”, afirma ele, explicando que recebeu várias ameaças pelas redes sociais e até pessoalmente.
Ivar assume que tornou-se uma liderança por acaso. Ele e alguns amigos de Mossoró criaram a página no Facebook “no final de dezembro ou início de janeiro” com o objetivo de convocar uma mobilização de caminhoneiros para dia 1º de abril. Mas foi atropelado pelos bloqueios de estradas que tiveram início em fevereiro no Rio Grande do Sul após o aumento do óleo diesel.
“A impressão que eu tenho é que me sentaram em cima de um foguete e acenderam o pavio”, afirma ele, ao explicar como se sentiu ao ser convocado a Brasília por deputados interessados em resolver o problema das estradas. Ivar diz que não participou de nenhum bloqueio. Recebeu uma ligação de um amigo no Rio Grande do Sul e enviou a ele a pauta de reivindicações que havia colocado no Facebook. “Eles começaram a distribuir a pauta para quem quisesse. Em cima, estava escrito Comando Nacional do Transporte”, explica.
Ivar critica os sindicatos, federações e confederações de caminhoneiros. “Se você sair pela estrada e perguntar qual o sindicato que representa os caminhoneiros, ninguém vai saber. Não tem ideia”, afirma. Mas, pela curta experiência que teve como líder, entendeu que não é fácil representar a categoria. “Você vê outras categorias como bancários, professores, estudantes. Todos têm liderança e respeitam essa liderança. No nosso segmento, não. A gente vai a Brasília negociar e depois volta com fama de bandido. Existe uma desunião muito grande entre os caminhoneiros e é isso que os governantes querem”, declara.
Confira a seguir a entrevista concedida por ele à Carga Pesada:
Há notícias de que os caminhoneiros voltariam a fazer bloqueios a partir desta sexta-feira (13 de março). Você confirma?
Não. Acho que o pessoal está querendo misturar as coisas com o Fora Dilma. Como categoria, acho que a gente não tem como se posicionar. Só como cidadão brasileiro. Como categoria, no momento em que estamos negociando com o governo, seria no mínimo incoerente participar dos protestos.
Você está participando das negociações?
Não fui a Brasília nesta semana porque estou em casa cuidando da minha esposa, aqui no Rio Grande do Norte, mas todos os meus companheiros estão lá em Brasília. Minha esposa tem Parkinson precoce. A doença piora dependendo das emoções. Quando eu estava em Brasília, ela ficou com muito medo de eu ser preso ou assassinado. Cheguei em casa fazia quatro noites que ela não dormia. Só chorava. Não vou a Brasília pelo menos enquanto ela não melhorar.
Você é caminhoneiro desde quando?
Comecei em 1994. Autônomo, tenho registro na ANTT como autônomo e como empresa, mas meu caminhão roda como autônomo. Tenho um só caminhão. Carrego sal para Mato Grosso e volto com milho.
Li na Revista Veja uma declaração sua de que você não gosta de sindicatos.
Não é que não gosto. Durante os protestos, eu conversava com os líderes dos bloqueios, ninguém queria saber de sindicato, de associações. Foi por isso que eu me expressei daquela forma. Eu disse que o movimento abomina sindicato, federações e confederações. A alegação deles é que esses caras (dos sindicatos, federações e confederações) nos representam há 200 anos e nunca conseguiram nada em benefício da categoria. Tanto é que essas lideranças fizeram um acordo com o governo. E a categoria não aceitou. A greve continuou.
Você já pertenceu a sindicato?
Nunca. No final do ano passado, nós fundamos aqui em Mossoró uma associação, mas não vingou. O pessoal foi caindo fora, a associação está parada.
Foi a primeira vez que participou de um movimento? Você apareceu com líder nacional na imprensa. Por quê?
Tudo começou com o aumento de diesel em novembro, que teve um impacto nas nossas contas. Reduziu nosso lucro a zero. Eu trabalho em Mossoró também com agenciamento de cargas. Eu tenho contato com muita gente. Daí, tivemos a ideia: ‘Vamos convocar uma paralisação para o dia 1º de abril’. Era para todo mundo ficar em casa. Criamos a página no Facebook e fomos adicionando as p
Mas os bloqueios vieram antes e alguns amigos nossos estavam envolvidos. Lá no Rio Grande do Sul, alguns caminhoneiros brigaram com o sindicato. O presidente do sindicato disse que eles nem pauta tinham. Eles me ligaram dizendo que o cara (sindicalista) havia humilhado eles na frente da imprensa. Eu disse que já havia uma pauta de reivindicações no site. E mandei para eles por e-mail e eles começaram a distribuir a pauta para quem quisesse. Em cima, estava escrito Comando Nacional do Transporte. Uma das pessoas para quem eles entregaram era o diretor da Sadia de Chapecó. Esse diretor tinha ido no bloqueio pedir para desbloquearem a carga dele. Ele passou a pauta para o presidente da BRF, o Abílio Diniz. E o Abílio levou essa pauta para Brasília. O assessor de um deputado me localizou. Era o assessor do Jerônimo Goergen, do Rio Grande do Sul, que é ligado à agricultura. Ele estava tendo muito prejuízo com as paralisações e queria resolver o problema. Já tinham ligado para o Nélio Botelho, para o China. Ninguém queria assumir a paralisação. Então, o assessor me chamou para Brasília. Fazia cinco dias de bloqueios nas estradas e não tinha ninguém negociando em Brasília. Isso foi na segunda-feira, 23. No dia seguinte eu já estava em Brasília, onde dei uma coletiva no Salão Verde da Câmara. E as coisas foram acontecendo.
Quando a página havia sido criada?
Não lembro exatamente, no fim de dezembro, começo de janeiro.
Foi tudo muito rápido, né?
A impressão que eu tenho é que me sentaram em cima de um foguete e acenderam o pavio.
Até você ser chamado em Brasília, você não tinha participa
Eu não participei de bloqueios. Aqui em Mossoró não teve.
Então você se tornou um líder por acaso?
Sim, eu acho. Tinha alguns expoentes que se negaram a ir a Brasília iniciar as negociações. Talvez porque é moda você ir a Brasília e sair de lá com a tarja de vendido nas costas. O pessoal não quis mais isso. Assim como eu também dificilmente vou tomar essa atitude novamente. As pessoas ficam insinuando coisas.
Como você vê as lideranças formais do setor?
Eles são muito centralizados em São Paulo. Eu precisei de sindicato aqui no Nordeste para tratar de uma questão de estadia e não achei ninguém. Você vai no sindicato e só tem secretária.
Então há um vácuo de representação do caminhoneiro?
Sem dúvida. A nossa lei referente a sindicatos deveria ser mudada. Em países mais desenvolvidos a abertura de sindicatos é livre. Tanto é que os sindicatos concorrem entre si para conseguir seus representados. Aqui como o sindicato é único eles não estão nem aí.
Quem deu o pontapé inicial da manifestação?
Os primeiros a bloquearem rodovia foram os do sul . Foi o pessoal do Rio Grande do Sul que bloqueou o trevo de Nonoaí.
Dizem que os agricultores participaram. É verdade?
O gatilho que detonou o movimento foi a volta da Cide (imposto do combustível) dia primeiro de fevereiro. Isso atraiu os agricultores que também dependem do diesel.
Na página do Comando, há muitas críticas ao governo e tem gente defendendo o impeachment da presidente. Vocês têm alguma vinculação partidária?
Na verdade, o que nós postamos na página não está vinculado a impeachment. Se houver alguma menção a isso não fui em que pus. Eu critico o governo, ninguém está satisfeito. Mas não defendo o impeachment. Defendo a democracia. Não vou para a rua no dia 15.
Pe
Nego veementemente. Sou democrata Não tenho interesse de derrubar o governo de jeito nenhum. Cada caminhoneiro é um cidadão brasileiro livre para decidir o que vai fazer.
Você tem ligação partidária?
Não sou filiado a nenhum partido.
Vai voltar a participar do movimento?
Sinceramente, eu não tenho interesse. O que minha esposa sofreu… Escreveram no site que eu iria levar um tiro na cara. É essa tipo de comentário que causa a desunião dos caminhoneiros, porque não aceitam você como liderança. Eu gastei meu dinheiro para ir a Brasília. Voltei de lá mais endividado que estava antes. E as pessoas ainda não acreditam em você. Te chamam de bandido na cara de pau. Você vê outras categorias como bancários, professores, estudantes. Todos têm liderança e respeitam essa liderança. No nosso segmento não. A gente vai a Brasília negociar e depois volta com fama de bandido. Existe uma desunião muito grande entre os caminhoneiros e é isso que os governantes querem.
No dia que o Jornal Nacional saiu com a notícia do acordo (24 de fevereiro), você deu entrevista dizendo que foi enganado pelo governo. Como foi isso?
Naquele dia, às 14 horas, estava marcada uma reunião com os representantes (formais) dos caminhoneiros, no Ministério dos Transportes, no sexto andar. Eu fui lá com o deputado Covatti Filho (do PP do Rio Grande do Sul) e o pai dele, o Vilson Covatti. Aí abriram as portas para todo mundo entrar. Cada um tinha uma plaquinha na frente com seu nome e função. Eu não tinha plaquinha, fiquei em pé. Um auxiliar do ministro Miguel Rossetto (da Secretaria-Geral da Presidência) me convidou a sair, dizendo que lá já estavam os representantes dos caminhoneiros. Eu falei para quem quisesse ouvir, que não estavam lá representantes do movimento. E que não iam conseguir fazer o movimento parar. Eu saí de lá e a imprensa veio me entrevistar. Eu disse que, se houvesse um acordo na reunião, o movimento não iria parar porque não havia representante na reunião. Aí eu desci para ir embora. Tinha mais jornalistas lá embaixo, umas 60 câmaras de televisão.
Quando estava terminando de dar entrevista, me chegou outro assessor do ministro , chamado Robinson, dizendo que eu estava convidado para uma reunião no Planalto às 19 horas. Fui para o Palácio, tinhas uns 40 deputados e uns seis senadores. Todos querendo ouvir o que o movimento queria. Eu expus para eles. E ficamos esperando a chegada do ministro Rossetto, que chegou cumprimentou todo mundo, exceto eu. Sentamos à mesa. O ministro disse que já tinha a pauta dos verdadeiros representantes dos caminhoneiros. Me deu um chega para lá. Ele disse que o governo iria aceitar tudo que as lideranças haviam pedido. Eu me levantei e saí. Quando chegou no elevador, o mesmo assessor chamou de novo. Me deixou numa sala, falando que o ministro queria um detalhamento das nossas reivindicações. Isso era umas 19h40. Nós ficamos na sala com o assessor até uma 21 horas. Quando saímos de lá eu liguei o celular e era a Rede Globo do Rio de Janeiro querendo confirmação se havia sido feito acordo com o governo. Eu neguei. Depois dei outras entrevistas falando que o movimento não havia sido ouvido e que os protestos não iriam parar. No dia seguinte o movimento ganhou força. E aí ficou claro, escancarado que aquele pessoal, não representava o movimento. O momento em que o auxiliar me segurou na sala foi o momento em que o ministro fazia o acordo (com as lideranças formais). Me segurou de forma que eu não pudesse negar o acordo para o Jornal Nacional.
Da mesma forma que aconteceu essa greve, você acha que pode ocorrer outra independentemente das lideranças dos sindicatos?
Sem dúvida. Se você sair pela estrada e perguntar qual o sindicato que representa os caminhoneiros, ninguém vai saber. Não tem ideia.
(O acordo firmado com os representantes dos sindicatos, federações e confederações no dia 24 de fevereiro realmente não vingou. A greve continuou até 4 de março, após o governo incluir nas negociações as demais lideranças como o Ivar).