Acidente de trânsito é “involuntário”? A discussão cresce: em Minas, um carreteiro foi a júri popular e por pouco não foi condenado a mais de 100 anos, acusado de cinco mortes
Luciano Alves Pereira
Em junho, foi a julgamento, em Belo Horizonte, o carreteiro Leonardo Faria Hilário, residente em Mato Grosso do Sul. Em sessão de mais de 13 horas, os jurados inocentaram o acusado por 4 a 3, um resultado apertado. Ele foi indiciado por crime de trânsito, delito tradicionalmente considerado culposo no Brasil, sujeito a penas leves. Mas isso pode estar mudando, como se demonstrou no fato de Leonardo ter ido a júri popular. Se condenado, a pena dele poderia ter chegado a 100 anos de prisão, por aí. No acidente provocado pelo caminhão dirigido por ele, morreram cinco pessoas.
O processo ganhou interesse da imprensa porque aquilo que chamamos de opinião pública – formada pelas pessoas mais influentes da sociedade – já se mostra inconformada com o entendimento cristalizado de que a causa dos acidentes de trânsito é sempre involuntária, cai no conceito de culposo na linguagem jurídica, é fruto da negligência, imprudência ou imperícia. Contrariamente ao conceito de doloso, no qual o autor conhece os riscos de seus atos e os assume quanto aos resultados.
Eis o resumo do acidente do Leonardo, como foi publicado na Carga Pesada nº 154, de março de 2011. Em janeiro daquele ano, no Anel Rodoviário de Belo Horizonte, ao volante de um bitrem Volvo graneleiro, ele descia um longo declive de seis quilômetros. A dois quilômetros do final, uma câmera da TV Globo gravou que sua velocidade era descontrolada: 115 km/h, segundo apontou depois a perícia policial. E ia na faixa da esquerda. Resultado: com 55 toneladas de PBTC, o bitrem atingiu 15 veículos, até bater em um truque-baú. A lambança deixou cinco mortos, além de feridos. Entre estes, Laura Gibosky, de 4 anos, portadora de sequelas até hoje.O júri do Leonardo faz lembrar o histórico caso, também de Minas, ocorrido há décadas. Dois automobilistas de Mar de Espanha, na Zona da Mata, faziam um pega pela estreita MG-126 de acesso à cidade, quando um colidiu de frente com um Fusca numa curva. Os cinco ocupantes do Fusca morreram. Eram da mesma família. Os autores, gente de prestígio (um era médico), ficaram à sombra do homicídio involuntário por décadas, apesar de todos os elementos de prova apontarem para o tal dolo eventual. A acusação teve de apelar em todas as instâncias até conseguir o julgamento para um dos acusados. A memória do resultado perdeu-se nas brumas do tempo.
SAIA JUSTA – A absolvição de Leonardo deu causa a desencantos, mas já foi outro registro de mudança. Vale considerar ainda que juiz, promotor e jurados nada entendem de caminhão. Por outro ângulo, um apresentador de TV, tocado pela absolvição, preferiu escorar-se na neutralidade profissional e sugeriu que se perguntasse às famílias das vítimas o que achavam da sentença.