Nelson Bortolin
Quem observa de longe a timidez e o jeito manso de falar da mato-grossense Cíntia Andrade de Oliveira, 26 anos, não imagina que ela ande por aí ao volante de um bitrem carregado de soja e ainda é capaz de se jogar embaixo do bruto para consertar a cuíca na estrada. Ela era a única caminhoneira entre mais de 500 motoristas esperando para descarregar no Terminal da ALL em Alto Araguaia (MT), num dia de fevereiro.
Cíntia é de Primavera do Leste, casada com caminhoneiro e tem uma filha de quatro anos. Trabalha para a Transportadora Schimidt e está na estrada há pouco mais de um ano. Antes, era professora. “Minha mãe queria que eu estudasse. Eu também queria: comecei três faculdades, mas não terminei nenhuma porque desde pequena sempre pensei em dirigir caminhão”, conta.
A paixão é tanta que Cíntia já chegou a dormir no caminhão estacionado na frente da casa dela, ao retornar de uma viagem. “É mais gostoso. Eu adoro”, garante.
Ela diz que já sentiu preconceito por parte de colegas. “Às vezes, a gente quer ultrapassar, mas quando o outro vê que é uma mulher, acelera e não deixa.” Apesar disso, na maior parte do tempo, se sente respeitada. “Aqui no terminal, ninguém mexe comigo, me tratam com muito respeito”, declara.
Ela e o marido trabalham na mesma empresa, mas raramente viajam juntos, cada um no seu bitrem. Em algumas viagens, leva a mãe e a filha. “Minha mãe apoiou minha escolha, mas acho que se arrependeu. Ontem, sem exagero, me ligou mais de 20 vezes, preocupada com as condições das estradas”, afirma. Na véspera, Cíntia havia ficado três horas presa em Rondonópolis, devido a um acidente que trancou a BR-164.
Medo, Cíntia diz que não tem. Nem mesmo de dormir sozinha no caminhão, encostada em algum posto de combustível. O maior problema para ela é outro. “Os banheiros são péssimos. Em geral, são muitos sujos. Em alguns postos não tem banheiro feminino, tenho que pedir para alguém ficar vigiando e usar o dos homens”, comenta.
Modesta, Cíntia diz que não entende muito de mecânica, mas foi ela que, com a ajuda só da mãe, deu um jeito no cuicão do bruto, quando a peça quebrou dias desses. “Vi que tinha alguma coisa errada. Pedi para minha mãe ficar pisando no freio, entrei embaixo e achei o problema”, explica, dizendo que conseguiu fazer uma gambiarra para chegar à oficina.