Dia 30 de maio, a rodovia Rio-Bahia (BR-116) completou 55 anos de asfaltamento entre o Rio e Salvador

TEXTO E FOTOS: LUCIANO ALVES PEREIRA

A recente paralisação dos caminhoneiros travou o País. Gente supostamente entendida em transporte abriu o boqueirão pra alinhar o retrovisor e mirar os governos passados por “seu desleixo com o modal ferroviário, favorecendo a hipertrofia do rodoviário”. Este movimenta mais de 60% de tudo que tenha forma, peso e nome no Brasil. Os governos dos últimos 50 anos não consideraram o trem capaz de responder à pressa da nação no período.

A passante rodovia Rio-Bahia (ex-BR-4, hoje BR-116) abocanhou as cargas e passageiros da estação local da Estrada de Ferro Leopoldina, uma estatal da União. Acompanhei os passos daquele ocaso ferroviário. Tanto que me lembrei da caprichosa coincidência de datas. Seu asfaltamento completou 55 anos em 30 de maio, dia em que a paralisação estradista alcançava o seu pico. Dita pavimentação fez parte ainda dos planos do governo de JK (1955-1960) e contou com recursos do Fundo Rodoviário Nacional (FRN), criado em 1945. Foi inaugurada por João Goulart, em 1963, pouco menos de um ano antes de ser destituído pelo movimento militar de 1964.

Tida como maior obra de uma administração, envolveu cerca de 30 empreiteiras, mais o empenho de 11 mil homens, além de 3 mil máquinas, instalações e veículos.

Ao todo, foram asfaltados 1.657 quilômetros entre o Rio e Salvador. Concluídos na data os restantes 1.272 quilômetros entre Leopoldina (MG) e Feira de Santana (BA). Bem antes, em 1946, houve reorganização do DNER (hoje sucedido pelo DNIT) e o presidente Dutra deu continuidade à intenção (1937) de Getúlio Vargas em ligar pelo chão o Rio e São Paulo a Salvador. Não havia máquinas, somente trabalho braçal e carroças puxadas por burros.

Para os que falam em trem de ferro sem saber onde ele apita, no período pré-asfalto, Salvador já estava ligada por ferrovia a Belo Horizonte e, por extensão, ao Rio e São Paulo. A Central Bahia vinha até Monte Azul, no extremo norte de Minas. As cargas e passageiros faziam baldeação para os trens da Central do Brasil, ambas de bitola métrica. Em BH, novo transbordo para a bitola larga da mesma Central do Brasil.

A falta de estrutura para apoiar o caminhoneiro só melhorou quando os churrasqueiros sulistas levaram sua arte e técnica para o Nordeste

Por que os governos de então não pensaram que as ferrovias fariam falta em 2018, devido à tal ‘opção equivocada pelas rodovias?’ Muita gente ataca JK, visto como “submisso aos lobbies das montadoras e transportadoras”, além de outras infâmias. No entanto, superficial mergulho na história mostra que várias administrações anteriores já haviam se convencido de que os estratosféricos custos de alguma modernização de nossa escassa malha ferroviária, herdada dos ingleses no bagaço, não estavam ao alcance de nenhum orçamento.

SÓ PREJUÍZO − Recuperando as dobras do tempo, as rodovias passaram a receber investimentos do FRN e foram mitigando o crônico isolacionismo da nação-continente. Prova dessa, digamos, convicção consta também da história. Pouco depois do asfaltamento da Rio-Bahia, o primeiro governo militar iniciou extenso programa de erradicação de ramais deficitários − e ponha déficit nisso −, substituindo-os por estradas asfaltadas, ainda que toscamente. Carga e passageiros haviam desaparecido. Um dos casos ocorreu na área da própria Rio-Bahia. A Estrada de Ferro Bahia-Minas passou por completa desativação, tendo os trilhos arrancados. Estes ligavam Araçuaí (MG) a Caravelas (BA), via Teófilo Otoni e foram projetados para chegar a Diamantina (MG). Ainda na mesma década (1960), vários outros ramais foram descontinuados. Mas os ferroviários seguiram como estáveis funcionários públicos.

Placa de bronze posta na Rio-Bahia em 1963

Para os curiosos com relação àquele tempo, tal realidade funcional e sua operação mais frouxa concorreram para a perda da carga e passageiros, quando o caminhão e o ônibus começaram a concorrer com mais agilidade, nenhuma burocracia, sem falar nos valores dos fretes que eram fartos e o diesel barato. Menos da metade do preço da gasolina.

Como os entendidos no assunto sabem, trem de ferro é um brinquedinho muito caro. Além disso, a atual rodo-operação Brasil confirma as virtudes do caminhão quando no processo Just-in-time. Ou seja, permite à indústria e ao comércio trabalharem com estoques mínimos. Assim é no mundo afora. A partir de 2018, diante da gritaria, haverá jeito de passar parte dessa carga de hora marcada para o trem? A Confederação Nacional do Transporte tem a resposta. O seu Plano de Transporte e Logística estima que o País precisaria de quase R$ 1 trilhão para desenvolver os 2.045 projetos existentes para o setor. Se todos forem executados, mesmo assim, a rododependência ainda continuaria no horizonte de 2035.