O Porto de Santos, o mais importante do Brasil, ainda está engatinhando nas providências para receber bem os caminhões que chegam com cargas. Mas a situação já foi pior, e existem investimentos em andamento

Nelson Bortolin

O Porto de Santos está longe de fazer jus à riqueza da região Sudeste, onde ponteia o Estado de São Paulo. Que o digam os transportadores rodoviários de cargas. Há dificuldades de acesso aos terminais portuários, desorganização do fluxo de caminhões e excesso de burocracia, entre outros problemas sérios. O governo federal vem investindo mais no porto, como se vê pelas obras em curso das avenidas perimetrais, mas as soluções de logística e infraestrutura são lentas.

O presidente da NTC&Logística, Flávio Benatti, considera que o carregamento e descarregamento de navios melhorou desde a privatização dos terminais, em 1993, mas continua caótica a movimentação de cargas na área que circunda o porto. E a causa disso, segundo ele, está menos relacionada à infraestrutura que à logística. “Se houvesse um projeto logístico melhor, com o controle da liberação da carga para o porto, poderiam ser evitados os grandes congestionamentos”, diz ele, referindo-se principalmente aos picos de safras.

Para Benatti, a solução seria a construção de estacionamentos de controle de tráfego interligados aos terminais portuários. “Locais por onde todos passassem e onde aguardariam a chamada dos navios. Essa é uma questão que tem de ser melhor tratada”, diz o presidente, citando como exemplo o Ecopátio de Cubatão. Resolver esse problema é responsabilidade de embarcadores e operadores portuários, acrescenta Benatti, lembrando que muitas vezes o operador do terminal é o próprio embarcador.

Vicente Aparício Moncho, proprietário da Álamo Logística e Transporte Intermodal e vice-presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Santos (Sindisan), chama a atenção para outros problemas: a burocracia e a falta de fiscais. “Por isso a liberação de cargas atrasa”, observa. Ele também reclama que diferentes terminais portuários fazem suas próprias exigências acerca dos documentos para exportação. “Como a transportadora tem de ir a todos eles, são muitos procedimentos a serem cumpridos. Eles não falam a mesma língua.”

LENTIDÃO – Com o recente aumento da participação do trem na movimentação de cargas para Santos, cresceu um problema antigo: a demora nos três cruzamentos de ruas e avenidas com a ferrovia. “O trem passa devagar e os caminhões, que são muitos e nos dois sentidos, têm de ficar esperando, criando um gargalo imenso”, conta o presidente do Sindicato dos Caminhoneiros (Sindicam) de Santos, José Luiz Ribeiro Gonçalves.

Ele vê com alívio o fato de que, em breve, será inaugurado um dos viadutos que ajudarão a solucionar o problema. Outro está em fase inicial. As obras fazem parte das avenidas perimetrais. “O porto precisava disso há mais de 30 anos”, lembra Gonçalves. A solução para o terceiro ponto de cruzamento é um mergulhão, que ainda não tem prazo para ser executado.

Viadutos serão marca da gestão do porto

A construção de viadutos, evitando que caminhões percam tempo nos cruzamentos com a via férrea, é a grande marca que a atual gestão da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) deixará para o futuro no Porto de Santos, na visão do diretor de Infraestrutura e Execução de Obras da companhia, Paulino Moreira da Silva Vicente.

Quatro viadutos, dois em cada margem do porto, integram as obras das avenidas perimetrais, que estão sendo construídas com recursos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo Vicente, a superação deste problema “centenário” é que permite aos embarcadores, principalmente de commodities agrícolas, sonharem com maior participação do trem no transporte de suas cargas. “Se continuássemos com esse conflito, não teríamos condições de projetar o crescimento do açúcar, que é a commodity que o Porto de Santos mais exporta”, afirma. Leia a entrevista que ele deu ao repórter Nelson Bortolin.

Como estão as obras das perimetrais?
Vicente – As obras da perimetral da margem direita estão em pleno andamento, inclusive o viaduto na altura da Rua João Pessoa, que elimina o conflito rodoferroviário. O viaduto será liberado ao tráfego até agosto, a fim de atender o embarque de açúcar, que está 30% superior ao do ano passado. A perimetral vai separar o trânsito da cidade do trânsito do porto e o caminhão do trem. Três quilômetros já estão terminados. O contorno de Outeirinhos, que é um segundo trecho importante, deve estar concluído até dezembro. O segundo viaduto, na região da Santa, também eliminará um cruzamento rodoferroviário importante. Deve ser iniciado até o final de 2009 e concluído em dezembro de 2010. Toda a perimetral (da margem direita) deverá estar pronta em dezembro de 2010.

Viaduto da João Pessoa: entrega ao tráfego até agosto

Há também um mergulhão previsto no projeto?
Vicente – Está previsto para uma segunda etapa. Entendemos que é importantíssimo para eliminar o terceiro e último conflito entre rodovia e trem. Será numa segunda fase.

E para a margem esquerda, em Guarujá?
Vicente – Existe um projeto básico detalhado, discutido entre operadores, autoridades portuárias, Prefeitura, Governo do Estado. O traçado está definido. Estamos contratando o projeto executivo e outros. Uma faixa da Rua do Adubo vai ser alargada. Estão previstos dois viadutos sobre a Avenida Santos Dumont, um para eliminar conflitos com o trânsito local, em Vicente de Carvalho (distrito de Guarujá), e outro para eliminar um cruzamento com trem. Vamos abrir a licitação para a construção propriamente dita em outubro ou novembro e acreditamos que o empreendimento estará terminado até dezembro de 2010.

Existe um projeto para a construção de ponte ou túnel ligando as duas margens?
Vicente – Estamos trabalhando com a Prefeitura de Santos no sentido de definir. A melhor alternativa é a que tenha uma visão macro da região da Baixada Santista. Entendemos que uma ponte ou túnel na região do Saboó, interligando com a Ilha Barnabé, tem muita lógica, porque evitaria que veículos que se dirigem ao porto passassem por Santos e Guarujá. Eu sou favorável à construção de uma ponte.

Mas podemos falar em prazo?
Vicente – Não. Eu vejo que existe uma urgência. É hora de fazer projetos e deixar discursos de lado.

Uma reclamação constante dos transportadores é de que os motoristas são obrigados a esperar muito tempo no porto até chegarem aos terminais. E que os caminhoneiros não têm locais apropriados para esperar.
Vicente
– Há quatro anos existe um comitê de logística no Porto de Santos, que se reúne às terças-feiras, no qual têm assento todos os operadores: sindicatos, associações, prefeituras. É coordenado pela Codesp. O grupo discute temas de relevância. São fruto de discussões nesse comitê os dois pátios de caminhões da região de Cubatão, o Pinhal Rodopark e o Ecopátio. Eles representam mais de 2.800 vagas estáticas que propiciam o recebimento de maneira cadenciada de sete mil a oito mil caminhões por dia. São lugares com instalações adequadas para receber o caminhoneiro. No porto, todos os terminais, na margem direita e na esquerda, têm estacionamentos rotativos com vagas definidas. A situação já melhorou bastante. A circulação de caminhões na região do porto está no nível adequado. E você tem os pátios reguladores servindo de pulmão para estadia momentânea desses caminhões.

Há também o problema vivido pelos caminhoneiros que moram em Santos, Cubatão e Guarujá. Eles deixam os caminhões nas ruas e atraem a ira dos vizinhos. O porto tem feito algo para melhorar esta situação ou entende que não tem responsabilidade sobre isso?
Vicente – Dentro da área do porto, estamos com a capacidade próxima do limite. A zona de estacionamento rotativo é para quem vai operar nas próximas horas no porto, não é depósito de caminhão. Não temos área para isso.

A Cosan diz que atualmente 70% do açúcar chegam até seu terminal em Santos pela via rodoviária, mas que até 2012 a intenção é que 80% cheguem de trem. Isso é possível?
Vicente – Será porque estamos fazendo a avenida perimetral e os dois viadutos, eliminando o conflito entre caminhão e trem. Essa é a grande marca que estamos deixando. Permitirá aos operadores dinamizar a movimentação ferroviária na margem direita, com maior número de vagões, diminuindo o Custo Brasil. O açúcar é a commodity que o Porto de Santos mais exporta.

De quanto é a participação ferroviária nas cargas que chegam ao porto?
Vicente – É da ordem de 15%. Com as perimetrais, eu diria que, em dois ou três anos, poderá subir para 25%.

O Ecopátio cumpre um bom papel

Inaugurado em 2006, o Ecopátio da Ecorodovias tem capacidade para dois mil caminhões, numa área de 443 mil metros quadrados, na Rodovia Cônego Domenico Rangoni, em Cubatão, a 18 quilômetros do porto. Segundo o gerente comercial da unidade, Jefferson Satyro Filho, no local os caminhões são cadastrados e liberados de acordo com a capacidade de embarque e desembarque nos terminais do Porto de Santos.

“O caminhão chega, faz todo o processo de liberação de documentos, a análise e coleta qualitativa da carga. E a gente concilia a atracação do navio e a liberação do caminhão através de um sistema on-line“, explicou o gerente.

Desde que começou a operar, segundo a empresa, o Ecopátio reduziu o tempo de espera dos caminhões de 8 horas e meia para 3 horas e meia, em média. Os principais clientes são embarcadores de commodities como soja, milho e açúcar. As filas, que chegavam a 30 km no período de safra, praticamente não existem mais, segundo Satyro.

O Ecopátio tem estrutura completa para o motorista ficar esperando para se dirigir ao porto.

Caminhões locais e moradores: uma guerra

Não bastassem os caminhões que vêm de fora com cargas, Santos, Guarujá e Cubatão ainda contam com uma frota “própria” de seis mil caminhões, segundo o presidente do Sindicam de Santos, José Luiz Ribeiro Gonçalves. Eles pertencem a autônomos que moram nas três cidades. Sua existência representa um problema à parte.

“Não existe espaço para tantos caminhões, eles ficam na rua e isso gera conflitos com os vizinhos. Ninguém quer um caminhão estacionado na frente da sua casa”, conta José Luiz. Mas os motoristas não têm outro lugar para deixar os brutos.

Moradores fincam trilhos nas ruas para afastar caminhões

Vicente Aparício Moncho, da Álamo Logística e Transporte Intermodal, lembra que esses autônomos são importantes para o porto, retiram contêineres que são levados para terminais de zona secundária, ou transportam mercadoria que chega para ser preparada em Santos.

Mas são em geral caminhões velhos, admite o presidente do Sindicam, o que gera o problema adicional das quebras frequentes e significa mais transtorno para os vizinhos.

O conflito fica claro no Distrito de Vicente de Carvalho, Município de Guarujá, informa o repórter Alberto Ferreira. Ali é que fica a movimentada Rua do Adubo, que liga a Rodovia Cônego Domenico Rangoni (antiga Piaçaguera-Guarujá) com a margem esquerda do Porto de Santos.

Caminhões locais estacionam em qualquer lugar: falta espaço

TRILHOS FINCADOS – Os moradores das imediações fincam no chão manilhas e trilhos de trem para evitar a passagem de caminhões. Não querem rachaduras nas casas e danos na rede elétrica. Mas são penalizados, conforme disse um deles, Pedro de Abreu, porque também não podem receber o caminhão que faz a coleta de lixo, o que entrega mercadorias e até os bombeiros! “Ficamos entre o que é ruim e o que é pior”, diz Abreu.

Os carreteiros também têm queixas. Genaro José de Lima, que além de caminhão tem uma oficina em Vicente de Carvalho, diz que perde clientes porque “o motorista que vai na minha oficina tem que voltar várias quadras de ré”, devido às manilhas e trilhos fincados no chão. Para Cláudio Sebastião da Silva, dono de outra oficina no bairro, com a situação criada, todos perdem: moradores, caminhoneiros e comerciantes.

A solução, todos sabem, é melhorar o acesso ao Porto. O secretário de Planejamento e Gestão Financeira do Guarujá, José Luiz Pedro, espera que a situação melhore com a construção da avenida perimetral e o alargamento da Rua do Adubo.

Em Santos, o secretário de Assuntos Portuários e Marítimos, Sérgio Aquino, afirma que a maior causa de insatisfação será difícil de ser resolvida: “O grande conflito está nos bairros onde moram carreteiros, pois eles querem levar o caminhão para casa e os outros moradores reclamam. Conciliar esses desejos é o grande desafio do Poder Público”, explica.