Você pode morrer só de tomar um rebite, sem “abusar” e sem precisar se envolver em acidente nenhum.
Veja o estrago que o rebite faz na sua saúde
Chico Amaro
Há, no mínimo, três erros graves nessas afirmações. O primeiro: como o rebite causa dependência (vício), quem toma “só de vez em quando” corre um imenso risco de acabar tomando “só de vez em sempre”, sem conseguir se controlar. O segundo: um rebite não emagrece ninguém e alguns podem matar. Terceiro: um médico que receita anfetaminas para qualquer outro fim que não seja aquele em que elas podem ajudar, está prejudicando a pessoa. Rebite faz muito mal!
Tudo isso nos despertou a pergunta: será que outros caminhoneiros estão tão mal-informados quanto este? Para colocar luz nesse assunto é que este texto foi escrito, com base numa entrevista com a professora Leda Mezzaroba, que dá aulas de Toxicologia Social na Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Pra começar: as anfetaminas são conhecidas há mais de 100 anos. Já foram indicadas e usadas para muitos fins, até para descongestionar o nariz! Mas também é das anfetaminas que, hoje, se fazem drogas pesadas como o ectasy, lembra a professora Leda.
Com o uso, percebeu-se que as anfetaminas são estimulantes do sistema nervoso central, ou seja, atuam no cérebro. A pessoa se sente bem, até dor desaparece. Ou fica ligadona, sem sono – é por isso que muitos motoristas tomam. Médicos começaram então a tratar doenças psiquiátricas, como a depressão, com essas drogas. Aí ficou claro que elas causam dependência. Por que vem a dependência? Segundo a professora Leda, “os psicoativos – não só as anfetaminas, mas também álcool, tabaco e outros – trazem a sensação de bem-estar porque liberam neurotransmissores do cérebro, como dopamina, serotonina e adrenalina, que são próprios do bem-estar. Estimula-se, assim, uma via de recompensa cerebral, e a pessoa passa a recorrer ao psicoativo para poder sentir novamente a boa sensação”.
O cara fica ligadão (“mas tem limite, uma hora o sono vem, nem o rebite faz mais efeito”, lembra a professora) mas as consequências são desastrosas para o organismo. O custo é altíssimo. A pressão arterial sobe violentamente – e a pessoa pode ter um AVC fatal, ainda mais se for aquele caminhoneiro meio gordinho, que come mal e faz pouco exercício físico, como é a maioria. O coração dispara. Ocorre uma dilatação dos brônquios. O sangue fica pobre em oxigênio. Para tudo isso acontecer, basta um único comprimido, não precisa ser usuário antigo. E se a pessoa tiver histórico de AVC na família, o risco é ainda maior.
Numa palavra: rebite é tóxico. E como a maioria compra rebite de origem desconhecida, vendido no posto ou entregue na própria empresa, pode ser mais tóxico ainda, lembra a professora Leda. “Pode ser coisa fabricada em fundo de quintal, com contaminações, misturas com outras drogas igualmente tóxicas e prejudiciais.”
Com o uso constante, a pessoa vai ficando desequilibrada, agressiva. É a falta da droga. É a senha para usar as outras drogas que também aparecem nas pesquisas com motoristas, como a maconha e o álcool. “Com a ansiedade, a pessoa procura outra droga que lhe traga relaxamento. Por isso, com muita frequência, encontra-se, entre os motoristas, gente que usa mais de uma droga”, diz a professora Leda.
– Mas, professora, os usuários de rebite têm sempre um bom motivo para defender essa opção: eles precisam “sobreviver”, têm que aguentar a pressão, trabalhar muito…
– Pois é, eu também gostaria que eles ganhassem mais trabalhando menos. Essas coisas não se mudam de repente, dependem de políticas de governo também. Mas os caminhoneiros deveriam procurar o que é melhor para eles. Para trabalhar, para levar o sustento para casa, para criar os filhos, você precisa de saúde. Sem ela, o resto fica fora do alcance.
Pesquisas mostram que a situação é grave
É quase chover no molhado, já que todos sabem que o problema do uso de drogas pelos caminhoneiros é real, mas vale a pena dizer que muitas pesquisas, além da realizada pelo procurador Paulo Douglas Almeida de Moraes, têm confirmado a gravidade da situação. Muita gente das universidades se dedica ao assunto.
Em novembro de 2005, pesquisadores da Unesp e da Faculdade de Enfermagem de Passos (MG) entrevistaram 91 caminhoneiros. E eles confessaram o seguinte: 66% usavam anfetaminas durante as viagens, e mais da metade comprava os comprimidos à beira das rodovias. Nada menos que 91% consumiam álcool com regularidade, sendo que, desses, 43% bebiam em postos, durante as viagens – e 24% bebiam todos os dias.
Em outra pesquisa publicada em 2005, sobre a qualidade do sono, um professor de Campo Grande (MS) constatou, entre 206 motoristas, que 43,2% dirigiam mais de 16h/dia; 23,8% dormiam menos de 5 horas; 50,9% usavam bebida alcoólica; e 11,1% tomavam anfetaminas. Conclusão do professor: é muito grande, entre caminhoneiros, a incidência de distúrbios do sono, uso de álcool e estimulantes. E o resultado é este: nos cinco anos anteriores, nada menos que 27 daqueles 206 motoristas tinham se envolvido em acidentes, cinco com feridos e três com mortos.