Transportador que puxa bitrens apenas com 6×4, há mais de 10 anos, vê a estrada como recurso vital pelo qual todos têm que zelar. Engenheiro confirma: bitrem com 6×2 estraga o asfalto
Chico Amaro
Por duas edições (138 e 139), a Carga Pesada publicou lances de uma polêmica envolvendo lideranças de transportadores de granéis, fabricantes de caminhões e especialistas em segurança do trânsito. O assunto: a Resolução 210/06 do Contran, que determina a exigência de uso de cavalo 6×4 (com tração em dois eixos) para puxar bitrem (equipamento com 57 toneladas de PBTC) a partir de 31 de outubro de 2010.
A norma só vai valer para cavalo novo (os atuais 6×2 continuarão autorizados a circular), mas mesmo assim transportadores como Cláudio Adamucho, do G10, de Maringá, e Miguel Mendes, da ATC, de Rondonópolis (MT), são contra. A principal alegação deles é econômica: o 6×4 custa mais e tem manutenção mais cara que o 6×2.
As duas reportagens tiveram intensa repercussão. O título da segunda – “Um luxo num país ‘paupérrimo’” –, frase usada por Cláudio Adamucho, chamou muito a atenção. Os defensores do 6×4 acham que não se trata disso, que nem o 6×4 é luxo, mas apenas evolução, e nem o país é paupérrimo. E que a Resolução 210 é necessária.
Depois da segunda reportagem, recebemos uma mensagem do engenheiro Paulo Sergio Peterlini, do DNIT, mostrando quanto o 6×2 deteriora o asfalto por carregar tanto peso com tração em apenas um eixo. Peterlini ocupa um lugar na Câmara Temática de Assuntos Veiculares do Contran e foi contra a aprovação de 6×2 para bitrem quando o assunto foi discutido lá. Mas foi voto vencido.
AFUNDAMENTO – Lidando com estradas há 30 anos como engenheiro do DNER/DNIT, Peterlini tem notado novos problemas no concreto asfáltico, que ele atribui aos bitrens 6×2. “Antes, os problemas de pavimento se limitavam mais ao fenômeno da fadiga, isto é, trincas oriundas das deformações na fibra inferior da mistura asfáltica. Agora, porém, surgem deformações permanentes, do tipo afundamento das trilhas de rodas, não apenas nos topos das terceiras-faixas, como era mais comum, mas também em rampas batidas e até mesmo em rampas de declives, onde o tempo de carregamento é muito menor do que em rampas de aclives.”
Para Peterlini, está mais do que demonstrado que 6×2 puxando bitrem é o principal responsável por esses prejuízos às pistas. Foi o que ele escreveu numa dissertação de mestrado que apresentou na UFSC em 2006, na qual estudou o peso por eixo dos caminhões. No texto, ele revela sua preocupação com os prejuízos à segurança do tráfego causados pela deterioração do asfalto: “(…) o defeito produz redução da capacidade de resistência da estrutura como um todo, alterando as condições de superfície, produzindo deformações permanentes, com o aparecimento do afundamento das trilhas de rodas que afetam sobremaneira a segurança da estrada, já que o acúmulo de água nessas trilhas provoca elevadíssimo risco de hidroplanagem, quer seja nas poças de água formadas, quer nas corredeiras de água que ocorrem nos segmentos”.
Aí estão mais argumentos dos quais os dois transportadores de grãos discordam, como demonstraram nas edições 138 e 139. E Adamucho não parece disposto a mudar de opinião, como revela na reportagem da pág. 22 desta edição, na qual se diz tentado a puxar grãos com vanderléias (que têm quatro toneladas a menos que os bitrens de PBTC) usando cavalos 6×2 a partir de outubro de 2010, se a exigência de 6×4 para bitrens for mantida.
SUCESSO – Ouvimos também um transportador que tem uma grande frota de cavalos 6×4 e está bastante familiarizado com eles. Só que ele prefere ficar no anonimato. Mas não teve dúvidas em expressar suas opiniões a favor dos 6×4, depois de 10 anos de sucesso utilizando esse tipo de caminhão para puxar bitrens.
Ele olha para um 6×4 e vê potência, e ao ver potência ele pensa em segurança e traduz tudo isso na seguinte frase: “Subir mais depressa para descer devagar”.
O que o move em direção ao 6×4 é um misto de razões morais e empresariais, que ele explica da seguinte maneira: “Em sua operação, a empresa de transporte de carga precisa contar com recursos humanos, energéticos, de maquinário, mas também de recursos viários. Ou seja, a estrada também é uma parte vital do seu negócio, para a qual se deve ter a mesma atitude de zelo que as outras merecem. Sendo assim, chega a ser intolerável ver os bitrens 6×2 destruírem o piso que eles próprios utilizam. É um crime contra o patrimônio público”.
Se na declaração acima aparecem de forma clara as razões morais, os motivos empresariais do transportador ouvido pela Carga Pesada têm a ver com a forma como se pode fazer a gestão do negócio para atingir o sucesso. Ele não vê um problema de diferença de custos entre o 6×4 e o 6×2. Sua razão para preferir o anonimato é esta: “Não tenho interesse em transmitir nossos métodos de trabalho para ninguém”.