São palavras do procurador do Ministério Público do Trabalho em Rondonópolis, que não alivia: quer porque quer o controle da jornada de trabalho dos motoristas
Nelson Bortolin
O procurador do Ministério Público do Trabalho de Rondonópolis (MT), Paulo Douglas Almeida de Moraes, não está disposto a defender os transportadores na questão das péssimas condições para os motoristas nos terminais da ALL em Alto Taquari e Alto Araguaia, se as empresas de transporte não quiserem negociar a redução do tempo que os motoristas são obrigados a ficar no volante.
Foi ele que, no início de 2008, entrou com a ação judicial que resultou numa liminar exigindo que os motoristas tivessem uma jornada de trabalho igual à de outro empregado qualquer: oito horas e máximo de duas horas extras por dia. A liminar foi cassada dias depois.
Para o procurador, os motoristas trabalham demais e usam drogas para aguentar o esforço, arriscando a saúde e ameaçando a segurança dos outros. Ele mesmo fez duas pesquisas, em 2007, em parceria com a Polícia Rodoviária Federal e laboratórios médicos, e comprovou isso.
Na segunda pesquisa, em Diamantino (MT), foram coletadas 103 amostras de urina – e o resultado impressionou o procurador. O positivo para cocaína foi de 15%, cinco vezes mais que na anterior (veja quadro). Para Moraes, foi a melhor divulgação do objetivo do trabalho (dar base a uma ação judicial pela redução da jornada de trabalho) que encorajou os motoristas a colaborar. “Garantíamos o sigilo, como na primeira, mas tivemos mais facilidade em obter adesões”, diz ele.
Associando essas informações com o problema dos terminais da ALL, o procurador afirma: “De certa forma, é melhor que o motorista fique parado na fila do que rodando com sono. Precisamos controlar a jornada de trabalho. Temos enterrado motoristas de caminhão todos os dias e eles enterram outros usuários de rodovias”.
Para ele, a conversa dos empresários do transporte de que estão preocupados com o bem-estar do trabalhador (nos terminais da ALL) mostrou-se “falaciosa” (mentirosa) quando eles foram à Justiça derrubar a liminar que obrigava a controlar a jornada de trabalho.
Naquela ocasião, os próprios motoristas protestaram contra a liminar. O procurador diz que isso se deveu “à ignorância do empregado sobre seus direitos legais” e ao fato de que as empresas pagam a maior parte dos ganhos do motorista em forma de comissão e não de salário fixo. “Assim o motorista é induzido a se degradar no trabalho até o limite da exaustão e a recorrer às drogas.” E o pior é que o ganho com comissões não conta na hora da aposentadoria ou na pensão de uma viúva, lembra o procurador. “Quando ele morre ou é encostado, a pensão ou aposentadoria é miserável, e o esforço revela-se inútil.”
Para Moraes, o controle de jornada levaria à abertura de novas vagas, obrigaria as empresas a pagar melhores salários, mas elas ganhariam elevando os fretes. “A própria CNT diz que no Brasil o frete rodoviário é tão baixo que chega a inviabilizar os outros modais”, lembra.
O procurador diz que notou, em suas pesquisas, que o autônomo trabalha menos e descansa mais. “Eu achava que não, mas percebi que o autônomo até aceita a ideia de se submeter ao controle do tempo de direção, porque ele já se autocontrola e consegue obter uma renda que garante qualidade de vida para sua família.” Mas as regras valeriam também para os autônomos.
Procurador está equivocado, na opinião
O diretor executivo da Associação dos Transportadores de Carga (ATC), de Rondonópolis, Miguel Mendes, critica a postura do procurador. Para ele, Moraes está fugindo de suas obrigações ao deixar de fiscalizar os terminais da ALL. “Além disso, ele está equivocado quando fala que prefere o motorista descansando na fila. Fila não é descanso, é expectativa permanente de ser chamado. Aí sim ele é obrigado a usar estimulante para poder retomar a viagem.”
Para o diretor, o procurador desconhece a realidade do caminhoneiro, quando diz que ele passa muito tempo ao volante. “O motorista fica a maior parte do tempo em fila.”
Mendes considera inviável querer que um motorista faça uma jornada de trabalho igual à dos outros trabalhadores. “É muito diferente. Você até faz um planejamento de viagem, mas o caminhoneiro está à mercê do clima, das filas…” E questiona: “Imagine uma fila de cinco dias, como essas nos terminais da ALL. A empresa sem faturar e o motorista lá, ganhando hora extra todo esse tempo. Quem aguentaria?”
Mendes argumenta que os empresários não são irresponsáveis e não incentivam os motoristas a dirigirem à exaustão. Ele defende o projeto de lei 2.660, que tramita há 12 anos no Congresso. Pela proposta, o caminhoneiro tem de repousar 10 horas ininterruptas entre uma jornada e outra e descansar meia hora a cada quatro trabalhadas.
Diumar Bueno, presidente do Sindicam-PR e da Fenacam, também defende o projeto de lei 2.660. “Somos favoráveis ao controle da jornada de trabalho tanto para o autônomo quanto para o empregado. Sabemos que há abusos.”
Para ele, no entanto, essa providência tem que ser precedida de outra: a construção de locais para estacionar. “O caminhoneiro não pode dormir no acostamento.”
Bueno disse que o assunto está sendo discutido num grupo de trabalho do qual ele faz parte na ANTT.