Nelson Bortolin
O mineiro de Belo Horizonte Rone Cândido Lacerda, 34 anos, tem duas grandes paixões: a estrada e as artes plásticas. Trabalhando como caminhoneiro empregado desde os 18 anos, ele se inspira nas paisagens da BR 381 e da MG 491, em viagens diárias entre BH e Varginha, para pintar belos quadros que já participaram de exposições nacionais e até mesmo na Europa.
Antes de pintar o eucalipto mostrado acima, por exemplo, ele acompanhou a evolução da árvore por 10 anos num ponto da 491. “Na primeira vez que me chamou a atenção, o eucalipto era pequeno. Nesse tempo todo, eu o observei se desenvolvendo”, afirma. O quadro foi pintado no ano passado e se encontra na Pinacoteca Miguel Dutra, em Piracicaba. Na mesma exposição, está o Girassol (ver abaixo), que ele observou no Trevo de Três Corações.
Lacerda desenha desde pequeno. Mas, só em 1998, ele pode começar a se dedicar à técnica de óleo sobre tela. “Graças a um amigo apreciador das artes que me deu um curso de presente”, conta. Dominando pincel e tinta, ele se arriscou no estilo natureza morta. O quadro das frutas e do vinho (abaixo) foi exposto em Frankfurt (Alemanha), Varsóvia (Polônia) e Viena (Áustria). “Me inscrevi e fui selecionado. Infelizmente não tinha dinheiro para viajar e acompanhar a exposição de perto”, revela.
Com salário líquido de R$ 1.600, fruto do trabalho na transportadora que faz operações para os Correios, ele complementa a renda com a venda das telas. “Em média, eu consigo R$ 500 por mês vendendo quadros”, afirma. O mineiro tem um filho de 15 anos e sua atual mulher está grávida.
Dirigindo um Constellation 19320, ele gostaria de tornar-se autônomo. “Este é um sonho antigo”, revela. Mas a dificuldade para tornar o sonho realidade é muito grande. “Para conseguir um Procaminhoneiro, que eu chamo de Proempresário, preciso ter o registro na ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). No entanto, para obter o registro, eu preciso ter um caminhão. Então, não tem jeito”, critica.
Segundo Lacerda, o gosto pela estrada “está no sangue”. Mas é difícil ser empregado. “As transportadoras participam de licitações para conseguir fretes. Sabendo que podem pagar pouco para seus empregados, elas jogam o valor lá para baixo para vencer o processo”, ressalta.
Tendo frequentado a escola até a 5ª série, ele pretende voltar a estudar. Mas não deseja deixar nenhuma das suas paixões. “Bom seria se eu conseguisse comprar meu próprio caminhão”, salienta.
A rotina do mineiro é puxada. Sai de Belo Horizonte às 21h15 e chega a Varginha às 3 da madrugada. Descarrega e vai descansar numa quitinete mantida pela empresa, onde improvisou um ateliê de pintura. Depois de acordar lá pelo meio-dia, se dedica à sua arte até por volta das 23 horas, quando pega a estrada de volta para BH.
Na capital, depois de descarregar e descansar, ele também pinta em sua casa. “É assim todos os dias”, conta.
Tendo seu trabalho citado no livro “Aurélia Rubião: Vida e Arte”, de José Roberto Sales, o artista só lamenta o fato de os grandes jornais de BH nunca terem aberto espaço para sua arte. “Quando eu disse que meus quadros foram para a Europa, chegaram a me dizer que isso não era notícia”, conta.
Mas, na Carga Pesada, ele é destaque.
Quem quiser saber mais sobre a arte do amigo caminhoneiro deve escrever para ronelacerda2008@hotmail.com .