Tarsia Gonzalez assumiu encargos de sócia na empresa do pai aos 16 anos de idade. Hoje, diretora de Marketing e Relacionamento da mineira Transpes, dá opiniões contundentes sobre a lei 12.619. Por exemplo: “A lei trouxe, de imediato, custos pesados para as empresas. Não podemos deixar que esses custos coloquem em risco a continuidade do negócio”

Luciano Alves Pereira

Numa transportadora de carga, a tradição não recomenda mulher em função típica de homem. Corrigindo: não recomendava. Tarsia Gonzalez é a prova de que os tempos mudaram, especialmente no sensível capítulo da sucessão de empresas. Tarsia é diretora de Marketing e Relacionamento da Transpes, fundada em Belo Horizonte (1966) e recém-transferida para Betim. Circunstâncias familiares a obrigaram a assumir a sua parte como sócia-quotista da empresa aos 16 anos de idade, embora o pai e fundador, Tarsicio Gonzalez, rejeitasse a ideia. Ela foi em frente. “Então você passa a comparecer ao trabalho todos os dias e a querer entender tudo… a responsabilidade é muito grande”, diz a diretora.

Tarsia Gonzalez: cuidando do marketing de uma empresa que vai faturar R$ 350 milhões este ano

Tarsia soube se virar. “Eu não tinha nenhum privilégio por ser mulher, diante dos meus irmãos Sandro e Alfonso, que passaram a dividir a administração na mesma ocasião”, conta Tarsia. Não teve mesmo: foi colocada na área operacional, para fazer acertos com os motoristas. Mas acha que ganhou com isso: “Aprendi direto com aqueles que executavam o negócio”.

Em pouco tempo, Tarsia passou a ter sua própria visão da operação: “Sabia quais eram as necessidades e comecei a ganhar o respeito e a admiração da turma”. Ali ficou por meio ano, o suficiente para entender onde os custos comprometiam a competitividade da empresa. No final dos anos 80, com gosto por finanças, foi buscar formação em Ciências Contábeis.

Quanto ao seu estilo de administrar, diz que gosta de trabalhar em equipe, de acompanhar o crescimento profissional dos colaboradores. “Eu delego, mas não abdico de participar, procuro chegar ao senso comum”, resume.

LEI DO DESCANSO – E é desse modo que está empenhada, no momento, em ajustar a empresa à lei 12.619, que estabelece limites de trabalho e horários de descanso para os motoristas de caminhão. Para Tarsia, o que está se configurando é um grande problema para as empresas: “Nós dispomos de 750 equipamentos e, já no primeiro mês de cumprimento da lei, tivemos um aumento de gastos de 13% a 15%. Temos de ajustar isso, não dá para suportar”. Por outro lado, acrescenta, os autônomos não estão sujeitos às mesmas limitações das empresas. “Eles se rebelaram, fizeram greve e corre a notícia de que alguns começam a praticar irregularidades com os seus discos do tacógrafo, de forma a trafegar por tempo além dos limites da lei.”

Se for assim, Tarsia imagina uma tendência: a fusão de empresas – como ocorreu no setor de bancos – para reduzir custos e recuperar a rentabilidade. “É uma possibilidade. Mas, por enquanto, como a lei é muito recente, ainda estamos na fase de conversar e trocar impressões com outros representantes do setor e das partes envolvidas, para traçar um diagnóstico preciso da nova situação.”

O quadro de mudanças, porém, ainda não comprometeu as boas previsões de faturamento da Transpes. “Há muitos negócios engavetados, prontos para serem aprovados”, observa a diretora. A queda da atividade econômica em geral, manifestada pelo baixo crescimento do PIB, tem sido um empecilho. Mesmo assim, a meta de alcançar R$ 350 milhões em 2012 poderá se concretizar com a melhoria habitual dos negócios no segundo semestre.

SEGURANÇA VIÁRIA – A Transpes é especializada em cargas grandes, pesadas, de difícil manuseio e que, muitas vezes, só podem ser embarcadas em pranchas. Um trabalho que, num país carente de boas estradas como o nosso, muitas vezes complica o trânsito. Tarsia acha que uma campanha na grande mídia para informar ao usuário das estradas que grandes peças, como as pás dos “ventiladores gigantes” de parques eólicos, estão passando em vias não adequadas, poderia gerar um clima de maior compreensão dos outros usuários das estradas. Na sua opinião, “falta divulgar para o grande público que o País está crescendo, com muitas obras simultâneas, para que as pessoas abracem a causa”. Para ela, “a mídia tinha de estar a favor do governo, a favor do crescimento, explicando ao usuário das estradas que um parque eólico e outras grandes obras estão em andamento, sendo construídos, e todo o mundo deve ter mais atenção, além de estudar os melhores horários e datas para viajar”.

“O brasileiro precisa saber que grandes obras estão em andamento no País. Isso deve ser motivo de orgulho para nós”, diz Tarsia

Como extensão às preocupações com segurança viária, Tarsia admite que a regulamentação e o modo de trabalhar das escoltas “têm de melhorar muito”. Ela comentou que existe uma entidade do setor que promove encontros frequentes, até na própria Transpes ─ que também possui sua escolta ─, visando a valorização da atividade, ressaltando a sua importância. Mas, na sua análise, a raiz da coisa passa pelo “fortalecimento da parceria com a Polícia Rodoviária Federal”. No seu modo de ver, “a corporação age mais punitiva do que educativamente, além de não trabalhar lado a lado, porque não tem consciência do crescimento do País”.

Você é o repórter

Marcos Nunes Carvalho (Gov. Valadares-MG) – Como o Brasil está caminhando para ser um país de Primeiro Mundo, você acredita que o sistema logístico brasileiro acompanhará este andamento?
Tarsia: A logística é reativa. Faltou acompanhar com planejamento o aumento do crescimento. Como a logística reage às necessidades, seu dinamismo ensejou a vinda de grupos de fora, entrando como investidores no País. Isso preocupa um pouco. A gente ganha com o crescimento, mas perde em autonomia. Por mais que a Transpes esteja preparada, os fornecedores não estão. Então eu não terei caminhão para comprar. Por mais que hoje o crédito esteja facilitado, a própria indústria não tem disponibilidade de entrega. Aí, a gente tem de procurar na França, na China, e mesmo assim a capacidade geral hoje não é farta. A qualidade dos produtos também começa a cair.

Diego Gonzalles de Azevedo (Teresópolis-RJ) – Qual é a sua expectativa para o transporte brasileiro depois das paralisações feitas pelos caminhoneiros? Será que vai melhorar?
Tarsia: Acho que tais movimentos são muito importantes para o País. Não só de caminhoneiros, como até da PRF, dos educadores inclusive. A gente precisa fazer com que o governo enxergue realmente os nossos direitos. Temos que deixar dessa coisa de que o Brasil é o país do carnaval. Hoje estamos falando do Brasil ser potência no mundo. Acho que o trabalho que a presidente Dilma está fazendo, de enfrentamento da corrupção, é muito importante. Mas para fazer um bom trabalho é preciso que você esteja disposto a ouvir o outro lado. E não se pode esquecer que o nosso governo é petista e o PT cresceu com protestos e greves. Por que agora no governo petista a gente tem de parar de se manifestar?