Luciano Alves Pereira

Revista Carga Pesada

Em junho, foi a julgamento, em Belo Horizonte, o carreteiro Leonardo Faria Hilário, residente no Mato Grosso do Sul. Em seção de mais de 13 horas, os jurados inocentaram o acusado por 4×3, um resultado apertado. Ele foi indiciado por crime de trânsito, delito até agora considerado culposo, sujeito a penas leves, na visão de boa parte dos operadores do Direito. Se tal não fosse, Leonardo poderia ser condenado a 100 anos de prisão. Por aí.

O processo ganhou interesse da imprensa diária porque quebrou-se a armadura  de insensatos afagos, alvos  de decenárias críticas da opinião pública,  inconformada com o entendimento pétreo de que acidente de trânsito com vítimas é sempre o transbordar do involuntário, admitido como resvalo do sem querer, fruto da negligência, imprudência ou imperícia. Contrariamente ao conceito de doloso, quando o autor conhece os riscos e os assume quanto aos resultados.

A despencada acima de 10% e seis quilômetros de extensão têm o começo de sinalização discreta, quase invisível

O carreteiro Leonardo Faria Hilário, residente no Mato Grosso do Sul

O júri do Leonardo faz lembrar o histórico caso, também de Minas, ocorrido há décadas. Foi o disparo da não sujeição à impunidade. E houve muita luta. Dois automobilistas de Mar de Espanha, na Zona da Mata, faziam um pega pela estreita MG-126 de acesso à cidade, quando um dos apostadores tentou ultrapassar o outro numa curva e colidiu de frente com um Fusca. Seus cinco ocupantes de uma mesma família morreram. Os autores, cidadãos de prestígio na região (um era médico), ficaram à sombra do homicídio involuntário por décadas, apesar de todos os elementos de prova apontarem para o tal dolo eventual. Neste caso o crime iria para o Tribunal do Júri e, quem sabe, talvez houvesse condenação a outros 100 anos de cadeia. Após perdas, desgaste e prejuízo, a acusação teve de apelar em todas as instâncias atéconseguir o julgamento popular.

SAIA JUSTA─   Mais ou menos na mesma toada, a absolvição de Leonardo deu causa a desencantos, mas já foi o registro da mudança. Vale considerar ainda que juiz, promotor e jurados nada entendem de caminhão. Por outro ângulo, o apresentador da TV, tocado pela absolvição, preferiu escorar-se na neutralidade profissional e sugeriu quese perguntasse às famílias das vítimas, o que achavam da sentença.

Para clarear a memória do leitor, resumimos o acidente do Leonardo, como foi publicado na revista Carga Pesada, edição 154, de março de 2011 (CLIQUE AQUI E LEIA NAS PÁGINAS 14 E 15). Um bitrem Volvo graneleiro, de sete eixos, de Mundo Novo (MS), descia em janeiro o Anel Rodoviário de BH, onde há um longo declive de seis quilômetros e em muitos segmentos despencando a rampas de 10%. O bitrem já vinha no embalo e a dois quilômetros do final, uma câmera fixa da TV Globo gravou que sua velocidade era descontrolada. A perícia da Polícia Civil de Minas relatou que era de 115 km/h e ainda estava errado na faixa de esquerda. Resultado: com 55 toneladas de PBTC, o bitrem atingiu 15 veículos, até bater em um truque-baú. A lambança deixou cinco mortos, além de feridos.Entre estes, Laura Gibosky, de 4 anos, ainda hoje, portadora de sequelas.

Nessa mesma data de junho, o STF derrubou a tese do culposo de outro acidente na cidade, quando o autor, presumivelmente embriagado, bateu de frente com outro carro e seu motorista morreu. No caso, o dito homicida involuntário estava na contramão. Foi em 2008, com endereço próximo ao do Leonardo.

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