A recusa do governo federal em estabelecer uma tabela mínima de frete, alegando que a medida é inconstitucional,  tem irritado os caminhoneiros autônomos. Em audiência na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), dia 28 de abril, o gaúcho Fábio Luís Roque, de Santa Rosa, teve a oportunidade de mostrar sua indignação .

Ele contou que, ao transportar uma carga de cebola do Rio Grande para Contagem (MG), foi constrangido no posto fiscal da divisa do seu Estado com Santa Catarina, ao mostrar a documentação do frete. “O fiscal olhou pra mim e deu risada. Ele disse: ‘esse recolhimento seu está muito baixo’”, contou. De acordo com Roque, o fiscal mostrou a ele uma tabela que a Receita usa para calcular imposto, com valor de frete de acordo com a quilometragem do trajeto. O caminhoneiro diz que teve de recolher mais imposto e ainda foi multado. “Pra pagar imposto sobre frete, existe o minimo. Agora, para o caminhoneiro transportar, é inconstitucional”, reclamou.

Mas, afinal, tabela de frete é mesmo inconstituciona? A Carga Pesada consultou  quem entende do assunto, o advogado Roque de Siqueira Gomes, do Instituto Pimenta Bueno -Associação Brasileira dos Constitucionalistas. E a resposta dele é afirmativa. Em parecer enviado à reportagem, o advogado elenca uma série de argumentos e leis para atestar que a tabela mínima de freté é inconstitucional .

Inicialmente, Gomes define a atividade do trabalhador autônomo. ´”É aquele que labora por conta própria, o que significa que assume integralmente os riscos de sua atividade, não se colocando sob a dependência do empregador.” Ele ressalta que o trabalhador autônomo não está sujeito a horários, a ordens, nem fiscalização do tomador dos serviços. Portanto, não recebe salários, mas pagamento pelos serviços que prestar, “não estando essa relação jurídica sujeita às regras da legislação trabalhista ou sob fiscalização de conselhos regionais ou federais como no caso, do profissional liberal, daí o questionamento da inconstitucionalidade da tabela de valor mínimo de Frete.”

Entre os dispositivos legais citados pelo constitucionalista, está o artigo 170 da Constituição. “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.” Tabela preço, de acordo com ele, vai contra a livre iniciativa.

Segue abaixo a íntegra do parecer do advogado.

 

DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA TABELA DE FRETE

 

O Sistema Modal de Transporte Rodoviário, como é notório, é o principal segmento que conduz a demanda de transporte no Brasil. E em via de regra, há um fluxo maior de movimentação de cargas.

Diante desse aspecto são comuns, as empresas de transportes subcontratarem transportadores autônomos ou empresas do mesmo ramo de atividade para cumprirem parte do percurso.

O trabalhador autônomo não se confunde com o profissional liberal, ou seja, nem todo trabalhador autônomo é profissional liberal e nem todo profissional liberal é trabalhador autônomo. O profissional liberal exerce sua atividade com autonomia e independência do ponto de vista técnico-científico, possuindo título de habilitação expedido legalmente. Na origem, os profissionais liberais eram trabalhadores autônomos. Os serviços prestados por advogado, médicos, etc. não podiam ser objeto de contrato de trabalho, e esses profissionais recebiam  honorários  como contraprestação dos seus serviços. Atualmente, porém, muitos profissionais liberais exercem sua atividade sob vínculo de emprego e são protegidos pela legislação trabalhista. Mas a relação de emprego não desqualifica a condição de profissional liberal. O que diferencia o profissional liberal dos demais empregados é a independência técnica na prestação dos serviços

O trabalhador autônomo é aquele que labora por conta própria, o que significa que assume integralmente os riscos de sua atividade, não se colocando sob a dependência do Empregador. Desta forma, o trabalhador autônomo não estará sujeito a horários, a ordens, nem fiscalização do tomador dos serviços, portanto, não recebe salários, mas pagamento pelos serviços que prestar, não estando essa relação jurídica sujeita às regras da legislação trabalhista ou sob fiscalização de Conselhos Regionais ou Federais como no caso, do profissional liberal, daí o questionamento da inconstitucionalidade da Tabela de valor mínimo de Frete.

A contratação de Transporte a frete é prática consuetudinária (costumes), a atividade de transporte multimodal de cargas é complexa, compreendendo as atividades de movimentação, armazenagem de cargas e serviços de transporte, prevista na Lei Federal nº 9.611, de 19.02.1998.

A Constituição Federal de 1988 é o marco jurídico da transição para a democracia e da institucionalização dos direitos humanos no Brasil. Os direitos sociais foram expandidos e a disciplina da Ordem Social, cujos objetivos são o bem-estar e a justiça-social, foi separada da Ordem Econômica, fundamentada na livre iniciativa e livre concorrência. Os diversos princípios, fundamentos e valores adotados pela Carta Constitucional, fruto dos conflitos ideológicos presentes quando da sua elaboração, apontam, num primeiro momento, para uma aparente contradição no texto constitucional, mas, na verdade, convergem para um sistema econômico capitalista e um modelo econômico misto, que ao mesmo tempo resguarda princípios de natureza liberal e ampara a atuação normativa e reguladora do Estado.

Nesse sentido o Estado realiza intervenções pontuais no mercado econômico, principalmente, no Direito Econômico em face do combate do Monopólio; Oligopólio e formação de Cartéis.

Ademais, a própria CF/88, em seus artigos expressão a Vontade do Legislador Constituinte:

Art.1º, IV  – “ os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”;

Art.5º, II  – “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”;

Art.5º,XIII – “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”;

Art. 170 – “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social..”

Da interpretação constitucional podemos destacar que além da livre iniciativa, também convém destacar, o direito de exercer livremente a atividade econômica desde que respeitada à legislação vigente. Nesse ponto, é fundamental destacar que o art. 5º, XIII da CF/88 – “atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” – no caso dos Transportadores autônomos não são equiparados aos profissionais liberais e, portanto, não há um Órgão de Classe ou Conselho Federal que fiscalize a conduta dos profissionais do setor de Transportes e conseqüente Código de Ética Profissional, que possibilitasse entre outras coisas, uma Tabela de valores mínimos sobre o frete e demais assuntos pertinentes, já que fere a natureza comercial costumeira do setor de Transportes.

Nesse sentido, coube ao Legislador infraconstitucional (leis ordinárias) dispor sobre a atividade do transportador rodoviário autônomo, inclusive, permitindo a subcontratação de transporte a frete.

A Lei Federal nº 7.290/84 estabelece a atividade do transportador rodoviário autônomo.

A Lei Federal nº 11.442/07 estabelece o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração. Ainda, a legislação em vigor destaca a natureza do frete, ou seja, comercial, daí a impossibilidade da criação e questionamento da inconstitucionalidade de uma Tabela de valores mínimos do frete, sem falar da problemática de fiscalização de seu cumprimento, já que inexiste um Órgão ou Conselho de Classe.

A referida Lei define o Transportador Autônomo de Cargas como sendo a pessoa física que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional. No artigo 12,  ao estabelecer as condições para isenção de responsabilidade dos transportadores, admite e autoriza expressamente a subcontratação a frete.

Em síntese, a atividade econômica do transporte rodoviário de cargas possui natureza comercial, podendo ser exercida por pessoa física ou jurídica, conforme estabelece o artigo 2º, da referida Lei Federal. De preferência, não deve haver pessoalidade na prestação dos serviços, devendo o Transportador Autônomo de Cargas exercer sua atividade econômica com independência, assumindo todas as despesas decorrentes de sua atividade, inclusive do veículo de sua propriedade.

Agora, o busílis esta na possibilidade e discussão da dicotomia da criação de uma Tabela Mínima de frete ou uma Tabela referencial de frete.

Recentemente com as manifestações de greve da categoria de Transportadores autônomos forçou mais uma vez o Estado regulamentar a Lei nº 13.103 de 02 de março de 2015 que disciplina a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional no intuito de assegurar os direitos sociais e medidas compensatórias de subsídio de refinanciamento e arrendamento no intuito de proteger esse sistema modal fundamental na Economia brasileira.

A problemática da criação da tabela mínima de frete fere os preceitos da ordem econômica estabelecidos na Constituição, daí a sua inconstitucionalidade. Mas, em contrapartida, há o preceito da valorização do trabalho, tendo como referência do trabalho digno, a dignidade da pessoa humana – o mínimo irredutível (art. 1, III CF/88).

Assim, a interferência do Estado pode existir na criação de uma Tabela referencial, já que a imposição de uma Tabela de valores mínimos afrontará o preceito do liberalismo econômico, sendo essa ingerência governamental típico de um Estado Social (interventor na economia), inadmissível, num Estado Democrático de Direito.

Nesse diapasão, a criação da Tabela de valores mínimos de frete é inviável e inconstitucional. Ademais, no dia 24/04/15 a ANTT – publicou no Diário Oficial da União  a Resolução 4.681, visando a elaboração de uma tabela referencial de fretes – A resolução não estabelece prazos, mas diz que os “estudos para apuração dos valores constantes dos Parâmetros de Referência para Cálculo dos Custos de Frete deverão ser submetidos à Audiência Pública”.

A solução do governo, de forma imediata, será criar mecanismos compensatórios como subsídios no combustível, acessórios de transportes; nas tarifas de pedágios (mas por se tratar de competência autônoma  financeira; administrativa; política estadual e municipal poderá haver resistência). Pois, hipoteticamente, como o governo estabeleceria uma tabela mínima de frete em lei de mercado, assim, a viabilidade esta em subsidiar com medidas compensatórias que protegeriam o sistema modal de transporte e equacionaria os anseios dos transportadores aumentando a competitividade e o fluxo de trabalho.

 

Roque de Siqueira Gomes – mestre e doutorando em direito do Estado – USP;  membro do Instituto “Pimenta Bueno” – Associação Brasileira dos Constitucionalistas – USP;   Professor de Direito Constitucional – UniFMU/SP; Professor de Pós-Graduação em Direito Constitucional.