Luiz Antônio Pigozzo e J.Pedro Corrêa acreditam que, se aprovada, lei irá aumentar o número de acidentes
Nelson Bortolin
Pode até parecer bom, mas é ruim. O projeto de lei que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) levou pessoalmente à Câmara dos Deputados nesta terça-feira (4) repercutiu muito mal entre os especialistas de trânsito. Entre outras medidas a proposta aumenta o prazo de validade de carteiras de habilitação e os pontos que os condutores podem acumular sem ser punidos. E também acaba com o exame toxicológico para os motoristas profissionais.
Para os especialistas, o efeito do projeto, caso vire lei, será aumentar o número de acidentes e mortes nas rodovias e vias urbanas do País.
Em entrevista à Carga Pesada, o consultor e palestrante Luiz Antônio Pigozzo disse não ter dúvida de que o projeto de lei é um retrocesso e, se aprovado, vai piorar a situação do trânsito no País. “Eu entendo que é uma medida que pune os bons motoristas e premia os indisciplinados.”
De acordo com ele, que durante 35 anos exerceu várias funções na Scania, o Brasil disputa com a Rússia o terceiro lugar em número de acidentes de trânsito, perdendo apenas para a China e a Índia. “Vamos nos tornar o primeiro da lista”, prevê.
Pigozzo ressalta que, mesmo com a legislação punindo com oito anos de cadeia quem dirige embriagado, ainda tem muita gente bebendo ao volante. E, com as novas medidas, a tendência é piorar. “Nesse período que está vigorando o exame toxicológico, a gente também vê que há muito motorista profissional usando drogas.”
Num primeiro momento, na visão do consultor, o caminhoneiro pode achar a medida interessante, já que terá menos despesas com o fim do exame e o aumento do prazo de vencimento da CNH. “Mas os prejuízos serão maiores, pois é ele que mais convive no dia a dia com os acidentes na estrada, que vão aumentar. É o caminhoneiro quem mais convive com os motoristas indisciplinados, que estão sendo beneficiados com a lei”, argumenta.
Outra consideração importante feita pelo especialista será o aumento do que o presidente Bolsonaro chama de “indústria da multa”. “O motorista tinha uma espécie de cheque especial com limite de 20 pontos. Agora ele ganha outro com limite de 40 pontos. A indústria da multa vai aumentar porque ele sabe que tem mais pontos para gastar.”
Por fim, Pigozzo que mantém um canal no youtube, afirma que a proposta vai contra toda a política que vem sendo implantada no mundo para melhorar o trânsito e torná-lo mais humanizado e disciplinado.
“DESESPERADORA”
Outro especialista que se mostrou bastante crítico ao projeto é o consultor em segurança do trânsito e idealizador do Programa Volvo de Segurança no Trânsito (PVST), J. Pedro Corrêa. Se tivesse de escolher uma palavra para descrever a propostas, usaria “desesperadora”. “É muito difícil alguém conseguir colocar tanta coisa junto para estragar algo que já não é bom e precisa ser melhorado”, declara.
Para Corrêa, a justificativa apresentada por Bolsonaro de que há uma indústria de multas no País não procede. “Se tem uma placa de limite de velocidade de 60 km por hora e você estiver dentro desse limite, você não vai ser multado, seja pelo guarda, seja pelo equipamento eletrônico.”
Ele cita informação da Secretaria de Trânsito de Curitiba (Setran), segundo a qual 82% da população que tem habilitação nunca foi multada. “Definitivamente, não existe indústria da multa. O que existe são pessoas que não respeitam as regras do trânsito.”
No entendimento do consultor, o caminhoneiro não ganha nada com a medida. E o fim do exame toxicológico não traz benefício nenhum. Mesmo achando que o teste obrigatório de larga janela de detecção com fio de cabelo tem “alguns aspectos que merecem ser discutidos”, ele é contra sua extinção por “canetada”. “Não podemos negar que haja uma quantidade expressiva de motoristas dirigindo sob efeito de droga”.
Para Corrêa, o governo não pode simplesmente acabar com o exame sem oferecer nenhuma outra medida para combater o uso de drogas por motoristas.
ESPERANÇA
O especialista acredita que o trânsito virou “moeda de troca” para Bolsonaro. “O presidente precisava levar alguma coisa que pudesse agradar deputados. Tanto é que foi pessoalmente lá (na Câmara), o que tem valor simbólico. O projeto também é uma promessa de campanha.”
Corrêa tem esperança que a apresentação da proposta seja apenas uma satisfação que o presidente quer dar aos eleitores e que Bolsonaro não fará esforços para aprová-la. “A sociedade já está apresentando uma reação muito forte (contra o projeto). Acho que o presidente vai deixar a proposta ser rejeitada na Câmara e, depois, dizer para os eleitores que tentou, mas não foi possível aprovar.”
O especialista também criticou a declaração do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, que acompanhou Bolsonaro até a Câmara. Segundo a Agência Brasil, o ministro disse: “Dois terços das penalidades do CTB (Código de Trânsito Brasileiro) são graves ou gravíssimas, então acaba sendo muito fácil o cidadão perder a carteira, atingir a pontuação.”
Na visão de Corrêa, o ministro está incentivando os motoristas a descumprirem a lei. Noutras palavras, a “enfiarem o pé na jaca e não tirar mais”.
FALA CAMINHONEIRO
O motorista empregado de Sete Lagoas, Wallyson Ribeiro, que participou de curso dado por Pigozzo, também acredita que Bolsonaro está apenas dando satisfação para os eleitores. E não vai fazer esforços para aprovar o projeto.
Por ele, em vez de acabar com o exame toxicológico, o governo deveria buscar baixar seu preço, hoje entre R$ 200 e R$ 300. “Poderia baixar o imposto no exame. Seria melhor que extingui-lo”, alega.
Ribeiro também defende que sejam combatidas as fraudes de alguns laboratórios que fazem o teste. “Tem gente que continua usando entorpecente, mas consegue exame com resultado negativo”, explica. O motorista também é contra o aumento do prazo de validade da carteira de habilitação. “Isso deixará os motoristas desatualizados quanto às novas regras e leis de trânsito”, declara.
Ele acredita que as mudanças vão elevar o número de acidentes. Mas discorda de Corrêa quanto à não existência de indústria de multa. “A gente constata que alguns radares são instalados em determinados locais com a intenção de multar e não de reduzir a velocidade”, conta.