A prefeitura de Rondonópolis restringe o tráfego de caminhões na cidade. Transportadores pedem a instalação de um estacionamento público fechado, mas o caso fica sem solução

Dilene Antonucci

Os números são enormes: estima-se que pelo menos cinco mil bitrens circulem por Rondonópolis no pico da safra. Com 180 mil habitantes e localizada no sul de Mato Grosso, a cidade se autointitula o “Portal da Amazônia”, “Capital do Agronegócio” e a “Capital do Bitrem”.

Conhecida por suas terras férteis e localização privilegiada, no entroncamento das rodovias BR-163 e BR-364, que ligam Norte e Sul do Brasil, Rondonópolis é passagem obrigatória para muitos caminhões que transportam a safra de soja. Além de ter moageiras instaladas na cidade, boa parte desta produção sai de Rondonópolis e precisa ser escoada para Alto Araguaia, o terminal ferroviário mais próximo, de onde os grãos irão para a indústria ou exportação. Com isso, o movimento de caminhões cresce e junto com eles não vêm apenas riquezas, mas também conflitos.

Um deles foi resolvido com a restrição ao tráfego de caminhões na área urbana, a exemplo do que acontece nas grandes cidades. Os transportadores concordam, mas pedem uma alternativa para o transbordo da carga, como a construção de um pátio de triagem que organize o grande movimento, principalmente durante a safra.

“Seria melhor para todos”, diz Miguel Mendes, diretor executivo da Associação dos Transportadores de Carga – ATC. “Num estacionamento com vigilância, mesmo que fosse preciso pagar alguma taxa, os caminhões estariam muito mais seguros que nas ruas, aguardando em filas ou em frente às residências.”

O prefeito da cidade, José Carlos Junqueira de Araújo, o “Zé do Pátio”, reconhece a importância dos transportadores para a economia da cidade, mas não estipula prazo para dar solução ao problema. Diz que existe um projeto para instalação de uma unidade do Detran num terreno de mais fácil acesso para os caminhoneiros, na região do antigo aeroporto. Ao lado, ficaria um estacionamento para os caminhões menores que fazem entregas na cidade, já cedido em comodato para uma associação local de caminhoneiros. Mas nenhuma das duas obras tem prazo para conclusão.

Para os caminhões de grande porte, o prefeito acredita que a melhor solução seria um estacionamento no Distrito Industrial. “Mas ainda estamos em negociação”, informa, também sem estipular prazos.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte de Rondonópolis, Luis Gonçalves da Costa, em seu quarto mandato, diz que vem tratando dessa questão há vários anos com representantes do poder público, “mas só ouvimos promessas, nada de concreto”.

Segundo ele, mesmo nas empresas que possuem pátio para caminhões, como a Bunge, os caminhoneiros têm sido obrigados a aguardar a descarga nas ruas, sem água nem banheiros, pois assim que entram nos pátios, e havendo a demora comum em época de safra, é obrigatório o pagamento de estadia.

Transporte oferece bons empregos

Cada caminhão gera três empregos indiretos, além do motorista. Com cinco mil caminhões na cidade, o setor de transporte é responsável pela geração de cerca de 20 mil empregos em Rondonópolis. A conta é do diretor da ATC, Miguel Mendes, que estima o salário de um motorista na casa dos R$ 2.000,00 – um nível bom para o padrão salarial do município. “Tudo isso estimula e aquece a economia local”, argumenta.

Outra fonte de renda para o município, que tem origem nos caminhões, é o IPVA: metade do que é arrecadado pelo Estado com este imposto fica para a cidade. “Além disso, quando compramos um caminhão, pagamos 5% de diferencial de alíquota de ICMS. Se um caminhão custa 300 mil, dá quase R$ 15 mil por caminhão também para o município”, calcula Mendes.

Quando se fala na riqueza que o movimento de caminhões gera, Mendes lembra também que muitas empresas sobrevivem do transporte: concessionárias de veículos, o mecânico, o loneiro, a empresa de pneus e recapagens. “Todos dependem do caminhão para existir”, observa.

Prefeito “Zé do Pátio”: a cidade se industrializa, mas o movimento de caminhões vai continuar

FERRONORTE – Rondonópolis aguarda a chegada dos trilhos da Ferronorte, que já estão em Alto Araguaia, e com eles a construção de um terminal ferroviário da ALL. A expectativa é para 2012. Assim, as cargas de grãos que hoje são levadas até Alto Araguaia, a 200 km, de caminhão, deixarão de existir. “Esse frete nós vamos perder, mas acho que os problemas que enfrentamos hoje com a ALL, no terminal de lá, serão apenas transferidos para cá”, prossegue Mendes.

Ele acredita que as mudanças radicais no movimento de caminhões na cidade virão mesmo quando os trilhos chegarem a Cuiabá. “Aí, sim, não vai compensar para as grandes transportadoras terem garagens em Rondonópolis. A tendência será todas migrarem para a capital.”

O prefeito José Carlos de Araújo, entretanto, é mais otimista. Para ele, o perfil econômico da cidade está mudando e com o aumento de indústrias o movimento de caminhões deve continuar grande. “Estamos deixando de exportar matérias-primas para agregar valor na produção. Temos três frigoríficos, indústrias de tecelagem, defensivos, embalagens e até uma cervejaria. E agora a (indústria de implementos) Facchini acaba de anunciar que vai se instalar na cidade.”

A palavra dos moradores

O motorista Luciano Oliveira dos Santos, 18 anos de profissão, morava em São Paulo e mudou-se para Rondonópolis há dois anos, atraído pela possibilidade de ganhar mais. Ele reclama da falta de estacionamentos. “Precisamos de um ponto de apoio, para estacionar o caminhão de forma segura, nem que cobrem para isso, com banheiros, restaurantes e segurança.” Diz que muitas vezes precisa prometer “agrados” a guardas de postos de combustíveis e estacionamentos de empresas, onde deixa o caminhão, “para que não tenha problemas com a segurança do bruto”.

Devair Roberto Almeida, proprietário de uma oficina de caminhões, diz que quase todos os dias dois ou três motoristas dormem em seu pátio, devido à falta de estacionamento na cidade. Sobre seu trabalho, afirma que na época da safra o movimento da oficina cresce uns 40%. A maior parte dos clientes mora na cidade. “Aqui falta mão de obra para serviços de mola e alinhamento, o que a gente mais faz por causa das más condições das estradas”, completa.

Devanir Alves de Barros mora há 28 anos em Cidade Salmen, bairro próximo ao Distrito Industrial. Ela conta que o maior problema do grande número de caminhões na cidade é que eles ocupam muito espaço. “As ruas são estreitas e eles tiram nossa liberdade de movimento.” Outro risco: a passarela sobre a BR-364, perto de onde ela mora, é muito alta e sua proteção lateral é baixa. “Tem pai que prefere acompanhar o filho e atravessar a rodovia no meio dos caminhões do que ir pela passarela.” (Gisele Almeida/Rondonópolis)

Economia mais expressiva que a de Cuiabá

Município mato-grossense mais destacado na balança comercial, em 2009 Rondonópolis exportou mais de 1 bilhão de dólares e importou 628 milhões de dólares. As vendas foram ancoradas em commodities do agronegócio (soja, farelo de soja, algodão, carne bovina e carne suína) e as compras são referentes a máquinas industriais. Para se ter uma ideia do que isso significa, no mesmo período Cuiabá exportou 192 milhões de dólares e importou 122 milhões de dólares.

Na orla do Rio Vermelho, a colonização de Rondonópolis começou com uma estação telegráfica do marechal Rondon

O parque industrial de Rondonópolis é o maior de Mato Grosso e o segundo maior esmagador nacional de soja. Estão instaladas na cidade gigantes da indústria brasileira: ADM, Cargill, Bunge, Cervejaria Petrópolis (que produz a cerveja Crystal), Nortox, Santana Têxtil, Adubos Trevo e frigoríficos.

A cidade é banhada pelo Rio Vermelho (Poguba, para os índios bororós) da Bacia do Prata, dista 120 km da divisa com Mato Grosso do Sul (BR-163), 205 km da divisa com Goiás (BR-364) e 190 km de Cuiabá (BR-364/163/070). (Eduardo Gomes/Rondonópolis)