Edição 189 – dez 2016/jan 2017

Nelson Bortolin

A quebra da produção das safras e o aumento da oferta de caminhões levaram o transporte rodoviário de grãos a uma nova crise neste fi m de ano. Segundo o Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-Log), de Piracicaba, o valor do frete em novembro estava mais de 20% abaixo do verificado um ano antes. A inflação, nesse período, foi de 8,5%. Por exemplo, o frete entre Sorriso (MT) e o porto de Santos (SP) era de R$ 317,22 a tonelada em novembro do ano passado, e este ano estava em R$ 243. A situação do transporte é séria, principalmente em Mato Grosso, onde as tradings estão com os pátios vazios.

Samuel da Silva Neto, economista da Esalq-Log, explicou à Carga Pesada que o comportamento do mercado do milho este ano é que está agravando o problema. “Os fretes sempre são melhores no primeiro semestre, depois da colheita da soja, porque existe um grande volume de produção dirigido à exportação, que precisa ser entregue em curto espaço de tempo”, diz ele.

Para o segundo semestre, resta o transporte do milho safrinha, comenta o economista. “Ao contrário da soja, que é majoritariamente exportada, no caso do milho a produção brasileira é muito mais dirigida ao mercado interno e sua distribuição tem um fluxo mais gradual, o que faz com que o frete fi que em patamares mais baixos. E este ano tivemos quebra de produção.” O clima não está ajudando a safra 2015/16. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra de soja teve leve quebra (-0,8%), de 96,2 milhões de toneladas para 95,4 milhões de toneladas.Em Mato Grosso, a quebra foi mais expressiva (-7%), de 28 milhões para 26 milhões de toneladas.

O milho safrinha teve 12% de quebra, caindo de 6,1 milhões para 5,3 milhões de toneladas. Já a safra regular de milho apresentou quebra de 25%, de 54,5 milhões para 40,8 milhões de toneladas no Brasil. Em Mato Grosso, caiu de 20,3 milhões para 15 milhões de toneladas, também 25% menor. Samuel da Silva Neto também ressalta o fato de ter havido uma expansão da frota de caminhões nos anos anteriores a 2015, graças aos incentivos do BNDES. Isso aumentou a oferta de serviços de transporte.

Além do mais, existe uma crise na mineração e transportadores daquele setor migraram para o transporte de grãos. “É o que está ocorrendo principalmente em Minas Gerais”, conta. O economista diz que o transporte graneleiro é dependente de muitas variáveis climáticas e comerciais. “O frete pode mudar R$ 10, R$ 15 de uma semana para outra.” Para o ano que vem, as perspectivas, na visão dele, são boas. “Mas muita coisa pode acontecer até lá”, ressalva.

BALANÇO – Um indicador de que o dinheiro está circulando menos no mercado de grãos – com reflexos inevitáveis no transporte – vem de uma das maiores tradings mundiais, a Bunge, que comunicou um lucro líquido de 118 milhões de dólares no terceiro trimestre de 2016 no Brasil. Esse valor representa uma queda de 50,6% sobre o resultado de US$ 239 milhões do mesmo período de 2015.

PROTESTO – No dia 29 de novembro, os caminhoneiros fizeram um protesto em Brasília pela aprovação de uma tabela mínima de frete. Dias depois, a Comissão de Viação e Transporte da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 528/2015, do deputado Assis do Couto (PDT-PR), que cria esta tabela. A matéria agora será submetida à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que vai analisar sua constitucionalidade.

A julgar pelo entendimento do governo a respeito do tema, dificilmente será aprovado. Mas, caso seja, tende a ser vetado pela Presidência da República.

 

Transportadora de MT tem 58% da frota parada

Sócio da Pedromar Transportes, de Rondonópolis (MT), o empresário Maicol Michelon diz que nunca viveu uma crise tão grave quanto a atual. De uma frota de 100 caminhões de sua empresa, somente 42 estavam rodando quando ele falou com a Carga Pesada, em novembro. Desde agosto, ele vinha aos poucos encostando os veículos no pátio por falta de carga. “Não tenho o que carregar. Já demiti mais da metade dos motoristas.Estou mantendo os mais experientes”, contou. Michelon é o presidente da Associação dos Transportadores de Carga do Mato Grosso (ATC).

“A quebra das safras de soja e milho deste ano é um dos motivos, mas o que está levando a essa situação terrível é mais o excesso de caminhões”, afirma o empresário. Com os incentivos dados pelo governo por meio do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que oferecia taxas de juros praticamente negativas, o mercado brasileiro de caminhões viveu um boom de 2008 a 2014, com emplacamentos acima de 100 mil unidades por ano. “A nossa crise foi causada por um erro do governo, ou um acerto, porque na época foi bom. Mas a consequência da ajuda à indústria automobilística está sendo muito ruim agora.”

Michelon estima que, de janeiro a agosto deste ano, cada carga no Brasil era disputada por três caminhões. “Hoje, acho que são dez para cada carga.” Para o empresário, outro agravante é que, com a crise econômica, transportadores deixaram segmentos industriais e de minério e migraram para o transporte de grãos. “Hoje, você vê motorista perdido nas estradas de Mato Grosso. Estão vindo aqui pela primeira vez”, alega.

Michelon acredita que a falta de carga no Estado vai prosseguir até o fim de janeiro de 2017, quando começa o escoamento da safra de soja. Enquanto isso, ele tenta segurar as pontas na empresa, queimando suas reservas.

Questionado se não pensa em atuar em outro segmento de carga, ele devolve com outra pergunta: “Vou sair de um que está ruim para brigar em outro que  está péssimo?”

A Pedromar foi aberta pela família de Michelon há 40 anos. Há 22 anos, atua exclusivamente no transporte de grãos. “Nunca vi situação parecida”, completa.  Maicol. “Já tinha ficado dois ou três dias sem ter o que carregar, mas nunca precisei encostar a frota desse jeito.”