Em média 30% mais baratas que as novas, peças remanufaturadas para caminhões não tiveram redução nas vendas, segundo os fabricantes, mesmo com a situação econômica que tem afetado muito o transporte rodoviário de cargas
Nelson Bortolin
Reduzir custos é uma das principais preocupações do transportador brasileiro, tendo em vista o atual achatamento do valor dos fretes. Em tempo de crise econômica, essa preocupação é redobrada. Mas boas soluções podem ser encontradas e a situação econômica do País tem feito muita gente olhar de um jeito diferente para um setor em franca expansão: o remanufaturamento de peças de caminhões.
Enquanto a venda de peças novas caiu 12% nos primeiros meses deste ano, segundo o sindicato dos fabricantes, o Sindipeças, a de remanufaturados está em crescimento, de acordo com o presidente da Associação Nacional dos Remanufaturadores (Anrap), Jefferson Germano, que também é gerente de aftermarket (mercado de reposição) da Knorr-Bremse para o Brasil e a América Latina. “Nosso mercado está crescendo 10% ao ano”, afirma.
Apesar de mais baratos e de serem garantidos, os produtos remanufaturados representam, segundo a Anrap, apenas 6% da venda de peças de reposição no País. Nos Estados Unidos esse índice é de 16% e na Europa, de 9%. A precariedade da logística reversa, ou seja, do processo de levar a peça velha até a fábrica, é uma das dificuldades existentes para a ampliação desse mercado.
Na opinião de Germano, também existem preconceitos a vencer e esclarecimentos a fazer aos clientes, para que as peças remanufaturadas se popularizem. “Às vezes, numa oficina, o mecânico nem sabe o que é um remanufaturado. Nem para os transportadores está clara a diferença entre remanufaturado, recondicionado e reparado. Esses conceitos se confundem na hora de decidir pela compra.”
O grande desafio da Anrap, de acordo com ele, é mostrar essa diferença. “Nós temos trabalhado, fazendo seminários e apresentações. Nosso desafio é disseminar o conceito do remanufaturado”, conta.
Na fábrica de Itupeva (SP), a Knorr-Bremse produz freios a disco, compressores, sistemas de válvulas e servos remanufaturados. “A linha de montagem é a mesma dos novos”, conta Jefferson Germano, e o produto remanufaturado vai sair com a mesma tecnologia do novo. “Se eu pego um freio de 10 anos e ele sofreu atualização tecnológica, o remanufaturado tem de ser devolvido com a atualização”, declara. Dependendo do produto, de acordo com Germano, é possível fazer quatro remanufaturas.
Na Cummins Brasil, onde os remanufaturados chegam a representar 25% do volume de peças de reposição, a procura aumentou nos últimos meses, segundo o diretor de vendas, Mauricio Rossi. De acordo com ele, com a queda no volume e no valor dos fretes, há dois tipos de frotistas. “Um deles vendeu caminhões e ajustou sua frota ao atual cenário”, aponta. Esse, para fazer manutenção, coloca tudo na ponta do lápis, e tem ajudado a aumentar a venda de remanufaturados. Já o segundo tipo está com caminhões parados no pátio e, quando precisa, em vez de comprar uma peça nova ou remanufaturada, tira a peça do caminhão que não está usando e a coloca em outro.
Rossi explica que, ao optar pela peça remanufaturada, o cliente não está de olho apenas no preço, mas também no tempo que o caminhão vai ficar parado para manutenção. “A demora para a reparação de um motor pode ser grande. Então, o interessado muitas vezes opta em trocar o motor com defeito por um remanufaturado.”
Outro aspecto citado pelo diretor está relacionado ao valor de revenda do caminhão. “Existem frotistas que optam sempre por peças originais para que o veículo não perca muito valor”, ressalta. A peça nova é a primeira opção, mas, como atualmente é preciso economizar, alguns estão optando pela remanufaturada, pela sua qualidade e porque também é considerada original.
Luiz Fernando Teixeira Silva, diretor de Vendas e Marketing da ZF Services, confirma que, devido à crise, há um aumento de procura por essas peças. “O pessoal agora, quando vai fazer manutenção, busca custo por quilômetro e preço. E o remanufaturado oferece vantagem, sem contar que é feito dentro da mesma operação e do mesmo processo de produção de uma peça nova”, declara.
Ele diz que, embora em geral a peça remanufaturada custe 30% menos que a nova, essa diferença pode chegar, em alguns casos, a 40%. Questionado se o preço varia de acordo com o estado da peça usada entregue na rede distribuidora da ZF, ele diz que não. “Fazemos uma avaliação para determinar se a peça tem condições de ser remanufaturada ou não. Mas o preço é fixo”, alega.
Os remanufaturados representam 20% da produção da ZF, segundo Silva. Essa participação poderia ser maior, não fossem o custo e a complexidade da logística reversa. “Uma coisa é fazer logística reversa em São Paulo. Perto dos grandes centros, é bem viável. Mas, se você tem de transportar duas embreagens do Nordeste até o centro de remanufatura, fica bem mais difícil.” Outra dificuldade, segundo ele, é a formação de uma rede que deve ser especialista no produto e que possua equipe com carro técnico para coleta.
Falta casco para fazer mais peças
Em 2007, a Eaton montou sua unidade de remanufaturados em Valinhos (SP). Lá, produz transmissões, conjuntos sincronizadores e embreagens. As transmissões recebem a marca Ecobox e os demais produtos são identificados como Remanufaturados Eaton. O gerente de produtos aftermarket, Francisco Coli, afirma que a produção vem crescendo, mesmo com a crise. “Tivemos uma pequena queda de vendas no aftermarket (mercado de reposição), mas, especificamente, nos remanufaturados, não”, declara.
Da mesma forma que a ZF, a empresa considera a logística reversa o maior desafio para o desenvolvimento desta indústria. “O motorista chega a uma oficina com o caminhão com uma embreagem a ser trocada e nós deveríamos receber esse casco de volta via distribuidor ou concessionária”, explica. No entanto, existe a concorrência dos recondicionadores na busca pelo casco. “E tem muita gente que compra a peça velha sem nota”, diz Coli. Em certos períodos, a falta de cascos vira gargalo para a produção. “A gente tem pedidos, mas não tem casco para remanufaturar.” Mesmo assim, de acordo com ele, o mercado é promissor – tanto que, do ano passado para cá, a Eaton lançou 16 modelos de embreagem remanufaturada.
Coli também acredita que há desconhecimento sobre os remanufaturados. “Muitos confundem o remanufaturado de fábrica com os recondicionados que são encontrados por aí. Eles duvidam da qualidade”, afirma. Mas quem conhece, além de apreciar o preço, valoriza a agilidade da troca, comparada com o tempo necessário ao reparo de uma caixa, por exemplo.
Já a Eckisil, com sede em Curitiba, produz freios a disco e ajustadores automáticos de freios remanufaturados. Segundo o diretor comercial, Paulo Roberto Lisecki, trata-se de um segmento que cresce bastante e que, na Eckisil, já representa 20% dos negócios. “Um freio a disco novo vai sair em torno de R$ 1.800. O remanufaturado sai pela metade do preço, assim como um ajustador automático”, informa.
Para conseguir os cascos, a fábrica mantém uma equipe em São Paulo. Apesar dos custos da logística reversa, Lisecki vê vantagem na tributação dos remanufaturados. “Com um bom advogado tributarista, você consegue se beneficiar de isenção de PIS/Cofins. Como os impostos já foram cobrados sobre a produção da peça nova, não deve haver outra cobrança na hora da remanufatura.”
O empresário não acha que os frotistas tenham preconceito em relação aos remanufaturados. “Pelo contrário, o pessoal prefere peça remanufaturada à nova.”
A BorgWarner é outra indústria que inclui os remanufaturados em seu portfólio. Ela produz turbos remanufaturados em Itatiba (SP) e motores de partida e alternadores em Brusque (SC). Com a crise, segundo o gerente de aftermarket para turbos, thermal e morse systems, Nelson Bastos, a procura pelos remanufaturados aumentou devido ao preço mais acessível. Os turbos são 30% mais baratos. “Remanufaturados são um negócio que vem crescendo e que responde bem à questão da sustentabilidade que o mundo atual impõe às empresas. Além disso, representam um bom equilíbrio com nossos negócios tradicionais e melhoram a presença estratégica da empresa no mercado”, declara.
O gerente considera que o transportador brasileiro não tem mais preconceito em relação aos
remanufaturados. “O produto é completamente desmontado e todos os componentes passam por testes individuais de qualidade, sendo reaproveitados os itens que não apresentam desgaste ou defeitos”, explica. Depois de montados, são novamente testados, aprovados e garantidos pela fábrica. “Além de todas as vantagens de preço, disponibilidade de estoque e performance, o produto remanufaturado tem forte apelo ecológico”, enfatiza Bastos.
Mercedes tem a maior linha
A oferta de peças remanufaturadas da linha Renov é uma das estratégias da Mercedes-Benz para atrair clientes para fazer manutenção na rede de concessionárias. Essas peças podem custar de 20% a 30% menos que as novas. “Estamos ampliando a nossa linha Renov, que já tem quase 50 itens. É a maior linha de remanufaturados do Brasil. São motores, caixas de câmbio, diferenciais, compressores, embreagens etc.”, conta o diretor de pós-venda da Mercedes-Benz, Sílvio Renan da Silva Souza.
A montadora também quer levar de volta para a rede os proprietários de caminhões com mais de cinco anos de fabricação. “A gente faz essa campanha para mostrar a eles que existem ofertas possíveis com garantia e qualidade.”
No grupo Pirasa, cuja concessionária Araguaia venceu a Certificação StarClass, como a melhor da Mercedes-Benz de 2015, a campanha já começou. Está nas rádios das cidades onde o grupo tem loja, em e-mail marketing, no telepeças. O gerente de peças do grupo, Paulo Roberto Crispim, o Paíco, diz que, num momento de vendas em baixa, se o concessionário não fizer um bom pós-venda, terá dificuldades financeiras. “O que segura hoje uma concessionária é a área de pós-venda”, diz Paíco.
Ele conta que a procura por remanufaturados vem crescendo à medida que o cliente conhece seu custo-benefício. “Ele coloca um produto remanufaturado com a garantia da marca e com preço menor que o do novo. A Renov se encaixa direitinho numa situação como a de hoje”, ressalta.
Além da Renov, o grupo conta com as peças novas da Alliance, segunda marca da Mercedes-Benz. “Essas estão crescendo ainda mais com a crise, porque o preço é muito diferente. E o cliente ainda conta com uma marca como a Mercedes por trás”, declara Paíco. Já são quase 300 itens disponíveis, inclusive acessórios, que custam 40% a 50% menos que os originais. “Estamos divulgando entre os frotistas, premiando o vendedor por divulgação, pelas vendas, fazendo churrasco para as oficinas independentes, para todo o mundo conhecer a marca. Isso tem feito com que as vendas cresçam muito”, completa.
Cliente só quer saber de Renov
Transportando produtos químicos e madeira, a Embrac, com matriz em Sumaré (SP), opta por peças Renov
sempre que possível. “Se existe remanufaturada, a gente usa”, conta o consultor da empresa, José Araújo Servija. Ele calcula economizar de 30% a 40%. “Já usamos motor, câmbio, eixo traseiro, bomba d’água. Tudo que a Mercedes fornece na marca Renov.”
Na opinião de Servija, a principal vantagem das remanufaturadas em relação às recondicionadas é que, no primeiro caso, o fabricante oferece as mesmas especificações técnicas da peça nova. “O recondicionador não atenta para isso”, alega. A garantia, igual à das peças novas, é outro motivo apontado por ele para justificar a opção pelas Renov. “A remanufaturada é praticamente uma peça nova”, declara.
Pneu “descartável” dá prejuízo
A crise econômica fez crescer a importância da recapagem. Uma reforma custa em torno de 40% do valor de um pneu novo. Mas, devido à grande desaceleração da economia, que fez muitos transportadores ficarem com caminhões parados no pátio, o gerente de marketing da Vipal, Tales Cardoso Pinheiro, informa que a procura por reforma de pneus também caiu.
Ele sustenta que não basta recapar para se reduzir o custo operacional do transporte. É preciso fazer gestão de pneus, “cuidar deles desde o início para que possam ser reformados por várias vezes”. De forma geral, segundo Pinheiro, o transportador brasileiro vem se preocupando com essa questão.
O risco, neste momento de crise, na opinião do gerente, é o frotista optar por produtos novos mais em conta e de menor qualidade. “Pode parecer vantajoso a princípio, mas existem pneus que não dão sequer uma reforma, são descartáveis”, avisa. A conta tem de ser sempre com base no custo por quilômetro rodado. “Às vezes um pneu que custou 120 é mais barato que um que custou 100. O transportador tem de ter o controle do ciclo de vida do pneu”, argumenta.
Pinheiro ressalta que gestão de pneus não é um programa complexo que só possa ser adotado por grandes companhias. “Estamos falando de práticas simples que, no fim das contas, representam grande economia. São coisas do tipo: calibrar o pneu regularmente, tirá-lo no momento certo para reforma, fazer o rodízio”, ensina.
O frotista também deve cobrar informação de seu reformador. “Tem de chegar para a gente e dizer: ‘o que é que eu faço para ter o menor custo por quilômetro rodado?’”
Fabiano Fratta, gerente de Negócios da Tipler, diz ser importante que as empresas de transporte busquem informações e invistam em treinamento para os motoristas, além de adotarem controles eficientes objetivando utilizar ao máximo a carcaça do pneu.
Ele ressalta que o frotista deve levar critérios técnicos em
consideração tanto na escolha do pneu novo quanto da reforma. “Isso, além de nos trazer segurança, traz
economia na hora da recapagem. A definição correta de um desenho apropriado para determinado segmento pode causar uma grande variação no desempenho quilométrico do pneu e no consumo de combustível do veículo”, declara. Outra dica é sempre procurar um reformador credenciado pelo Inmetro.
Fratta conta que a Tipler passou por uma reestruturação de sua rede. “Qualificamos nossos concessionários para entregar ao consumidor final um serviço de qualidade e produtos de alto desempenho. Isso para nós é prioridade. Tivemos um incremento de vendas com a entrada de novos concessionários e com o investimento em ampliação de estrutura de alguns integrantes de nossa rede”, afirma.