O governo vai credenciar estacionamentos, talvez pelo Brasil inteiro, para os caminhoneiros não dizerem que não têm como cumprir as horas de descanso obrigatórias. Mas será mais uma despesa da qual será praticamente impossível fugir
Nelson Bortolin e Bia Amaro
Desde abril de 2012, quando entrou em vigor a Lei do Descanso (12.619), que regulamentou a jornada de trabalho dos motoristas autônomos e empregados, havia esta queixa geral: “Querem nos obrigar a parar pra descansar, mas não existe local! O governo que faça ou obrigue as concessionárias a fazerem estacionamentos nas estradas!”
É claro que a caminhoneirada esperava descansar… de graça! Mas o governo não fez estacionamento nenhum, como sabemos. Nem as concessionárias. E as reclamações dos motoristas se estendiam às péssimas condições e aos péssimos serviços de muitos postos de combustíveis, principalmente no interiorzão. “Quer passar a noite no posto? Então encha o tanque. Quer tomar um banho? Pague. Precisa usar o banheiro? Enfrente o banheiro emporcalhado.” E por aí afora.
Pois fi que sabendo, caro leitor, que essa situação vai mudar. Ou melhor, essa situação pode mudar (fi quemos prevenidos). Menos na parte do dinheiro… Por meio de uma portaria (nº 944) do Ministério do Trabalho, o governo deu um passo para ver se faz brotar, às margens das rodovias federais, pontos de parada e descanso (apelidados de PPDs) decentes para caminhoneiros, em número suficiente para atender as necessidades de um país grande como o Brasil. Só que esses PPDs serão todos particulares. Ou seja, todos têm (ou terão) donos. E, evidentemente, vão cobrar para admitir um caminhão. Quanto aos estacionamentos que os caminhoneiros achavam que o governo é que tinha que dar, ele não fala nada – na certeza de que esse assunto cairá no esquecimento.
Através da portaria 944, o governo está mostrando que pretende cumprir o o combinado com os caminhoneiros na greve no início deste ano, que resultou na Lei 13.103, chamada de Lei do Caminhoneiro. O que é que a portaria diz?Diz quais devem ser as condições de segurança, sanitárias e de conforto dos tais pontos de parada e descanso e também dos locais de espera. Quem quiser saber todos os detalhes pode acessar http://www.normaslegais.com.br/legislacao/Portariamte-944-2015.htm, é muito fácil de entender, mas o resumo é este:
- os pontos de parada e descanso terão que ter sistema de vigilância com câmeras;
- os que estiverem à beira de rodovias pavimentadas terão que ser pavimentados;
- os que quiserem cobrar pelo estacionamento terão que ser cercados; os que não forem cercados não poderão cobrar pelo estacionamento;
- os sanitários terão que ser arrumadinhos como aqueles que o caminhoneiro tem em casa – com tampa na patente, papel higiênico, tranca na porta, tudo limpinho etc.;
- os chuveiros devem ser separadosdo setor de sanitários e têm que ser individuais, com água quente e fria;
- o setor destinado à alimentação deve ter mesas e cadeiras;
- o caminhoneiro está autorizado a usar a cozinha do seu caminhão nesses locais;
- tem que ser oferecida água potável (de bebedouros) para o cliente, gratuitamente.
O que o governo vai fazer agora? O próximo passo será credenciar os interessados em oferecer PPDs para caminhoneiros e motoristas de ônibus. Isso vai ser feito pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). Haverá placas informando que determinado local é um ponto de parada e descanso que cumpre o que está escrito na portaria 944. O diretor de Fiscalização da ANTT, Marcelo Sampaio, diz que mais de 400 locais já preencheram um formulário publicado no site do órgão, informando o desejo de se tornarem PPDs “oficiais”. “Iremos verificar as condições de cada um. Nossa expectativa é divulgar uma lista com grande número de pontos até o final deste ano”, informou Sampaio à Carga Pesada.
A maioria dos que preencheram o formulário são postos de combustíveis. Giancarlo Pasa, diretor da Federação Nacional dos Postos de Combustíveis (Fecombustíveis) e da rede de postos Túlio, diz que seus filiados têm grande interesse nesse credenciamento. “Muitos já atendem aos requisitos da portaria 944. Para alguns ainda faltam detalhes”, informa.
Segundo ele, os postos ainda não estão se manifestando quanto a cobrar pelo estacionamento. “O questionário da ANTT serve basicamente para confirmar se os postos atendem ou não às normas da portaria”, conta.
Pasa já pediu o credenciamento dos postos dele no Paraná. Diz que tem projeto de cercar os estacionamentos, mas não pretende começar a cobrar de imediato. “Ao fechar um pátio e cobrar, você passa a ter responsabilidade civil pelo que acontece lá dentro.” O empresário diz que desconhece seguro que contemple esse risco. “As seguradoras terão de criar esses produtos. Ainda há uma série de coisas que precisam ser definidas. Estamos em processo de conversação com o Ministério dos Transportes”, ressalta.
Pedágio vai bancar estacionamento na 116
No momento em que a Carga Pesada fechava esta edição, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) anunciou uma novidade: o primeiro ponto de parada e descanso (PPD) a ser construído por uma concessionária. Será no quilômetro 145 da BR-116, em Santa Cecília (SC), e custará cerca de R$ 20 milhões. A obra, segundo a Autopista Planalto Sul, será bancada com recursos do pedágio. A ANTT autorizará o aumento da tarifa. Segundo o diretor da concessionária, Antonio Cesar Ribas Sass, a construção começa em quatro meses e vai levar aproximadamente um ano para ser concluída. Dia 29 de outubro, ele participou do lançamento do projeto na sede da agência, em Brasília. O diretor ressalta que o caminhoneiro poderá per-noitar no local, que terá 120 vagas, e não pagará nenhuma taxa. “O pátio será cercado, com controle de guarita, terá sanitários, área de descanso, cozinha, auditório, sala de treinamento, consultório médico”, declara. E vai contar com área de transbordo de produtos perigosos.
Transportadoras não veem outro jeito
O empresário Markenson Marques, presidente da Transportadora Cargolift, de Curitiba, se diz favorável aos PPDs, que ele chama de “truck parking”, em inglês. “Desde que homologados pelo governo, estando de acordo com a legislação para garantir o tempo de descanso ou pernoite dos motoristas, são muito bem vindos”, declara.
Ele considera natural que o investidor cobre pelo serviço. “Não há outra saída, o transportador, seja autônomo ou empresa, terá de pagar.” Mas o custo, na opinião dele, deve ser repassado ao embarcador. Para isso, Marques tem uma proposta: “A solução seria aprovar uma alteração na lei do vale-pedágio, acrescentando uma taxa de 8%. Com essa receita adicional, pagaríamos o ‘truck parking’. Eles teriam de aceitar o vale-pedágio em pagamento”.
Gerente comercial da Mafro Transportes, de Rondonópolis (MT), Wanderson de Freitas Matos diz que não há muita saída na região em que atua: cada vez mais os caminhoneiros têm de recorrer a estacionamentos pagos. “É difícil fugir disso, porque houve um aumento no número de caminhões para o transporte de grãos”, afirma.
No Sul de Mato Grosso, segundo ele, ainda há grandes redes de postos que deixam os clientes estacionarem gratuitamente. “Mas de Mutum para cima a maioria cobra. Não há onde parar. A partir das 18 horas, os postos começam a lotar. Muita gente fica na beira da rodovia”, conta.
No Norte do Estado, a Mafro chega a pagar R$ 40 por noite, por caminhão. Outro problema na região, segundo ele, é o grande número de rodotrens, que só podem rodar durante o dia.
O presidente do Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos de São Paulo (Sindicam-SP), Norival de Almeida, considera que a tendência é todo motorista ter de pagar para dormir. “Infelizmente, é muito fácil as pessoas colocarem seus preços e jogarem para o caminhoneiro pagar”, lamenta.
No Estado de São Paulo, segundo Almeida, ainda há muitos postos que não cobram do caminhoneiro que abastece no local. “Uma mão lava a outra.” Mas, no futuro, ele acredita que a regra será a cobrança. “Qualquer área de estacionamento, principalmente em São Paulo, tem custo muito alto.”
Mas a ideia da cobrança enfrenta muita resistência na categoria. A Carga Pesada abriu uma enquete no site www.cargapesada.com.br e perguntou: “Você está disposto a pagar para pernoitar em segurança, num local fechado, com cancela, vigias e câmeras? Quanto pagaria?”
Como não poderia ser diferente num cenário de frete baixo e custos altos, a grande maioria disse “não”. Somente 32% afirmaram que estão dispostos a pagar para descansar.
Sakamoto tem tradição
Um dos postos que já pediram para ser credenciados como PPD foi o Sakamoto. Bem antes da lei 12.619, ele já prestava esse serviço aos transportadores. Localizado em Guarulhos, o posto atende uma clientela específica, que não pode cruzar São Paulo no período de restrição da Marginal Tietê, das 17 às 21 horas. O grande número de roubos na região também ajuda o Sakamoto a conquistar clientes.
O responsável pela unidade, Reginaldo Nascimento França, conta que o estacionamento, com 600 vagas, é uma empresa à parte. “O estacionamento não depende do posto para nada. Temos 40 empregados. Este é um negócio lucrativo”, declara. O estacionamento tem cancela e o veículo é filmado toda vez que entra no pátio. “Temos vigias em três turnos, sete por turno.”
A segurança é rigorosa. “Oferecemos crachá para o motorista e o acompanhante. Só é permitida a entrada de quem está com veículo aqui dentro”, destaca.
Para usufruir de toda a estrutura, o transportador paga R$ 1,10 por eixo por hora. A partir da sétima hora, esse valor cai para R$ 0,45. Uma carreta de seis eixos vai desembolsar R$ 45 por oito horas.
O Posto Gugu, de Barueri (SP), por enquanto não vê o estacionamento como oportunidade de negócio. Segundo o gerente Carlos Alberto de Lima Estevo, a cobrança ali é somente para quem não é cliente. São R$ 5 na primeira hora e R$ 2,90 nas demais. O banho de seis minutos custa R$ 8. Quem abastece no posto não paga nada. “O estacionamento é mais uma atividade de apoio, para cativar o cliente”, afirma.
No local, segundo ele, há controle de acesso e segurança, mas o pátio não é cercado. A capacidade é para 200 caminhões. “Normalmente, os motoristas chegam às 21 horas e ficam até as 5.”
O estabelecimento também já pediu para ser reconhecido como PPD. Estevo acredita que, com isso, o posto ficará “mais conhecido”. Ele não sabia que, pelas regras do governo, se cobrar, o pátio precisa ser cercado. “Vamos ter de analisar isso.”
O Cargo Shop, que fica no contorno Sul de Curitiba, tem uma proposta um pouco diferente. Ali, os caminhoneiros também vão em busca de cargas. Segundo o gerente Ricardo Steenbock, dentro do estacionamento há 70 transportadoras. “O maior movimento é de manhã: o pessoal chega procurando carga.”
Com capacidade para 600 caminhões, o Cargo Shop tem 32 boxes para banho, restaurante e loja de conveniência. O pernoite, para uma carreta de três eixos, custa R$ 20, e para o bitrem, R$ 23. O banho já está incluído. “Depois da lei do caminhoneiro, nosso faturamento aumentou 20%.”