O investimento na melhoria das rodovias tem aumentado nos últimos anos, mas continua longe do necessário. O DNIT dispõe de R$ 10 bilhões por ano, mas precisaria ter R$ 30 bilhões. E por oito anos seguidos! O Brasil aplica muito menos que outros países emergentes na infraestrutura de transportes
Nelson Bortolin
O Plano Nacional de Logística e Transporte (PNLT) diz que o Brasil precisa de R$ 30 bilhões por ano, ao longo de oito anos, para reestruturar a malha rodoviária federal de 56 mil km. Ou seja, um total de R$ 240 bilhões. Mas o Departamento Nacional de Infraestrutura em Transporte (DNIT) trabalha com um orçamento de apenas R$ 10 bilhões por ano. Ou seja, demorariam 24 anos para fazer esse trabalho. Não dá para esperar tanto.
O que fazer, então? Instalar pedágios em tudo quanto é canto? Até para isso existe limite. Levamos essa pergunta a autoridades e especialistas e, na procura dessa resposta, acabou surgindo uma ótima radiografia da situação das concessões de rodovias nos principais Estados brasileiros. Que mostrou as contradições do sistema de concessões: hoje, uma carreta de seis eixos que sai de Foz do Iguaçu para Paranaguá, no Paraná, deixa R$ 442 no pedágio, enquanto outra faz a mesma distância (700 km) entre São Paulo e Florianópolis por apenas R$ 103 – menos de um quarto do valor.
Notícia do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão do governo federal, mostra que o Brasil está perto de atingir o limite de rodovias “privatizáveis”, ou seja, aquelas cujo volume de tráfego justificaria a implantação de pedágios para arrecadar o suficiente para fazer melhorias na estrada e ainda dar lucro ao operador.
“O Brasil tem hoje entre 8% e 9% da sua malha pavimentada concedida, e o IPEA estima que o setor privado se interessaria por no máximo 15% dessas rodovias por conta do fluxo de veículos”, afirma o coordenador de Infraestrutura Econômica do Instituto, Carlos Alvares da Silva Campos Neto. Após a entrega, este ano, de mais três rodovias à iniciativa privada, em Minas e no Espírito Santo, o Brasil estará bem perto dos 15%.
Mesmo assim, segundo Campos Neto, cerca de 75% da malha pavimentada nacional vão continuar dependendo exclusivamente de recursos públicos para sua conservação e melhoria.
O IPEA, em seu mapeamento de obras rodoviárias, aponta uma necessidade de recursos menor que os R$ 240 bilhões para resolver os gargalos das estradas no País. Seriam R$ 183,5 bilhões. É menos, mas não resolve: o DNIT ainda precisaria de 18 anos (com R$ 10 bilhões ao ano) para fazer as melhorias que as rodovias precisam. E como, nesse tempo, a economia e a frota brasileira vão crescer, o próprio técnico do IPEA conclui: “Se não forem viabilizados os recursos fiscais, infelizmente o setor rodoviário brasileiro vai enfrentar dificuldades ainda maiores das que estamos enfrentando”.
O fato é que, no Brasil, o governo destina pouco dinheiro para o transporte. Segundo Campos Neto, países como Chile, Coreia do Sul, Vietnã, China e Índia investem em média 3,4% de seus PIBs em infraestrutura de transporte. No Brasil, esse valor não passa de 0,66%. Em um ano, 3,4% seriam R$ 125 bilhões (para o setor de transporte como um todo, sendo R$ 60 bilhões só para rodovias). Ou seja, somando os R$ 10 bilhões do DNIT com R$ 4 bilhões que, segundo ele, são investidos pelas concessionárias, o Brasil ainda está muito longe do razoável.
O presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Moacyr Duarte, confirma que, após a concessão dos trechos deste ano, não haverá quase nada a privatizar no Brasil. “Não é fácil viabilizar um projeto novo somente com pedágio”, diz. Será possível, porém, fazer parcerias público-privadas, que podem ser de dois tipos, segundo a lei: as concessões patrocinadas e as administrativas. Nas primeiras, o concessionário conta com recursos do pedágio e do governo. Já nas administrativas, não se cobra pedágio – o governo paga um montante de acordo com o número de veículos que passam nesses locais.
Correndo atrás do prejuízo
A capacidade do governo de dar infraestrutura ao Brasil está aquém da necessidade da Nação. O governo anterior investiu bastante, o atual está ocupado com o assunto, mas a solução depende da expansão do PIB nacional nos próximos anos. Em resumo, é esta a opinião do diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), Luiz Antônio Pagot, que concedeu a seguinte entrevista à Carga Pesada:
O governo gostaria de aplicar R$ 30 bilhões por ano para a malha rodoviária, mas diz que só tem R$ 10 bilhões. Como fazer?
Pagot – A malha rodoviária federal passou de 1988 a 2004 sem recursos sequer para uma manutenção adequada. Precisávamos na época de cerca de R$ 2,5 bilhões a R$ 3 bilhões/ano e por muito tempo o orçamento foi contingenciado (os recursos não foram liberados). Em 2004, a situação começou a mudar. Tivemos a regulamentação da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico)*, que trouxe recursos para começar o programa de manutenção rodoviária. Depois veio o PPI (Programa Piloto de Investimento), também com recursos para se continuar fazendo obras de melhoramento e manutenção. E finalmente o PAC, em 2006/2007. Com isso, começamos a fazer frente às necessidades. Só que o crescimento da economia tem sido muito veloz. A nossa tonelagem transportada no agronegócio dobrou (de 475 milhões para 900 milhões de toneladas de 2003 para 2010). A frota nacional de veículos tem crescido assustadoramente.
O que o governo planeja fazer, então, para desenvolver o Plano Nacional de Logística e Transporte?
Pagot – O plano prevê a reestruturação da malha rodoviária federal, que tem um total de 56 mil quilômetros, com a duplicação dos principais eixos estruturais, a execução de todos os contornos rodoviários necessários e outras adequações. Também está prevista a pavimentação de seis mil quilômetros. Mas para isso seriam necessários R$ 30 bilhões por ano durante oito anos. O governo usa o orçamento disponível. O governo do presidente Lula, com a continuidade da presidenta Dilma Rousseff, criou uma quantidade de recursos que não é suficiente, mas o possível para se atender o que, durante anos e anos, deixou de ser feito. Precisamos muito mais.
E qual é a solução?
Pagot – Se o Brasil continuar crescendo nesse ritmo e nós tivermos uma ampliação do PIB nacional, entrará mais dinheiro para investir em infraestrutura. Aos poucos vamos conseguir superar as dificuldades.
Paraná pensa em prorrogar contratos
No Paraná, onde a tarifa pode atingir R$ 12,30 por eixo, circula a notícia de que o governador Beto Richa (PSDB) está pensando em propor às concessionárias de rodovias uma prorrogação por 10 ou 15 anos dos contratos que só vão vencer em 2023 em troca de uma redução das tarifas. Uma ideia que não pegou bem para o Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do Estado (Setcepar). “Somos contra a prorrogação porque sabemos que, mesmo com redução de tarifa, ela vai continuar excessiva”, afirma o presidente da entidade, Gilberto Antonio Cantu.
A história do pedágio paranaense tem muita politicagem. Registra episódios como este: prestes a perder a reeleição em 1998, o ex-governador Jaime Lerner negociou com as concessionárias um corte nas tarifas que ele mesmo havia aprovado um ano antes. Salvou a eleição, e em seguida as tarifas subiram o necessário para “recuperar o atraso”. Existem inúmeros processos tramitando na Justiça, desde que o pedágio foi implantado no Paraná, contestando a forma como foram entregues as concessões.
“Boa parte do anel rodoviário do Paraná já era para ter sido duplicada conforme os contratos”, diz Cantu. “Em alguns trechos, temos um pedágio mais caro que o de São Paulo, onde as estradas são de primeiro mundo”, acrescenta.
Segundo a Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar), o pedágio tem forte impacto no agronegócio do Estado. Chega a representar 28,8% do frete nas regiões mais distantes do Porto de Paranaguá. Uma carreta de cinco eixos, na viagem de ida e volta de Foz do Iguaçu a Paranaguá, gasta quase R$ 590 em pedágio, o equivalente a 26 sacas de milho ou 13 de soja. Também de acordo com a Ocepar, o custo de produção do milho da região de Foz é aumentado em 7,6% pelo pedágio; e o da soja em 4,6%.
Através da assessoria, a Secretaria de Transporte do Estado informou que técnicos do governo estão estudando uma proposta para apresentar às concessionárias. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Moacyr Duarte, as negociações com o governo do Paraná são “no sentido de incluir novos investimentos, tentar baixar a tarifa e compensar as empresas com uma prorrogação no prazo” dos contratos.
TCU analisa novas concessões
Segundo o superintendente da agência, Mário Mondolfo, serão feitos investimentos de R$ 9 bilhões nesses trechos. “Cada uma das concessões tem um programa de obras específico. Por exemplo, a do Espírito Santo é para duplicar inteira. As outras têm grandes trechos de duplicação já previstos em contrato e outros trechos que serão duplicados caso o volume de tráfego atinja um determinado número”, explica.
Gaúchos só querem pedágio em vias duplicadas
No Rio Grande do Sul, o sindicato das transportadoras (Setcergs) radicalizou sua posição sobre as concessões. “Só aceitamos pedágio em vias duplicadas”, afirma o vice-presidente de Logística da entidade, Frank Woodhead. E o valor máximo que ele considera aceitável é 50% da economia proporcionada pela privatização da estrada.
“Se a concessão vai promover uma economia de diesel e manutenção do caminhão no valor de R$ 90 num frete, estamos dispostos a pagar metade em pedágio, ou seja, R$ 45. Mais que isso, não”, exemplifica.
Para ele, existe no País uma ideia de que o pedágio é a “salvação da pátria” para a melhoria da infraestrutura rodoviária. Ele discorda. “O governo precisa investir porque existe dinheiro para isso. O cobertor é curto, mas não podemos deixar sempre a infraestrutura com os pés para fora”, afirma.
Segundo o vice-presidente, o TRC gaúcho entrega R$ 6,1 bilhões por ano ao Estado em forma de impostos (IPVA, ICMS e Cide). A maioria das concessões gaúchas vence em 2013. E o governo estadual garantiu ao Setcergs que os contratos não serão prorrogados. A entidade está discutindo uma nova política para o pedágio junto ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado.
Woodhead elogia a concessão da Régis Bittencourt. “Aí dá até gosto. Tu pagas um real e setenta para passar de carro; seis, sete reais para passar de caminhão.” Segundo ele, as condições das pistas entre Florianópolis e Curitiba estão “muito boas”.
Mas não é todo o mundo no setor de transporte que acha o pedágio muito barato uma maravilha. Neuto Gonçalves dos Reis, assessor técnico da NTC&Logística, afirma que, “de um lado, São Paulo jogou a tarifa lá em cima e fez tudo que era preciso. Mas a tarifa ficou altíssima. Do outro lado, o governo federal caiu no erro oposto, colocou uma tarifa de referência baixinha. E a OHL apostou mais baixo ainda, venceu, mas agora diz que não tem dinheiro para fazer obras”.
Ele ressalta que o serviço está atrasado, como na Serra do Cafezal (Régis Bittencourt), e que, embora a concessionária alegue problemas ambientais, a realidade é que a tarifa é tão baixa que a empresa enfrenta fluxo de caixa. “Milagre não existe.”
O presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Moacyr Duarte, nega que a OHL não tenha dinheiro para as obras, diz que o problema é de licenciamento ambiental mesmo. Questionado sobre as diferenças brutais de valores existentes hoje no País, Duarte afirma: “Você tem de entender que foram momentos diferentes, tanto no que diz respeito à política, à economia e também à situação jurídica em que as concessões foram dadas”.
São Paulo espera redução de tarifa
Em sua campanha eleitoral, no ano passado, o então candidato ao governo paulista Geraldo Alckmin (PSDB) prometeu rever as tarifas de pedágio no Estado. Vencida a eleição, ele tomou duas medidas com vistas ao cumprimento dessa promessa: contratou a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para estudar os índices utilizados na gestão dos 18 contratos de concessão, e criou o Grupo de Estudos sobre Sistemas Automáticos de Arrecadação (Gesa), para verificar a possibilidade para a cobrança por quilômetro rodado.
A Carga Pesada procurou a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) para saber como estão os trabalhos da Fipe e do Gesa, mas, por meio da assessoria de imprensa, o órgão informou que só vai se pronunciar quando eles estiverem concluídos. O prazo para isso é o mês de julho.
PPP – a novidade que vem de Minas
Desde 2007, o sistema MG-050, que incluiu as BRs 265 e 491, está sob responsabilidade da Concessionária Nascentes das Gerais. É a primeira parceria público-privada em estradas realizada no País. São 371 quilômetros que ligam Juatuba, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a São Sebastião do Paraíso, na divisa de Minas com São Paulo.
Para cuidar desses trechos, a concessionária recebe cerca de R$ 800 mil mensais do governo de Minas Gerais e cobra R$ 4 de pedágio por eixo em seis praças.
Segundo a assessoria de comunicação da Secretaria de Transportes e Obras Públicas, a receita mensal da concessionária gira em torno de R$ 6 milhões e o contrato é de 25 anos. Entre as obras previstas, estão a duplicação de 48 quilômetros e a construção de 104 quilômetros de terceiras faixas. De acordo com a assessoria, a Nascentes das Gerais já duplicou 11 quilômetros e construiu 28 quilômetros de terceiras faixas.
Segundo Ulisses Martins Cruz, presidente do sindicato das transportadoras de Minas (Setcemg), as condições da MG-050 estão “satisfatórias”. “Achamos que este modelo está adequado. As obras estão sendo feitas e a tarifa é razoável”, afirma.