Em recurso apresentado pela Associação Brasileira de Provedores de Serviços Toxicológicos de Larga Janela de Detecção (Abratox), entidade que representa os laboratórios, o desembargador Antonio Cedenho, da Justiça Federal em São Paulo, derrubou a liminar que permitia ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran) do Estado descumprir a lei do exame toxicológico.

Cedenho entendeu que não existe mais a falta de estrutura para realização do exame alegada pelo Detran paulista na ação em que a liminar havia sido concedida. Além disso, escreveu que a “competência para o credenciamento dos laboratórios, inclusive das unidades coletoras de material biológico, foi transferida ao órgão executivo de trânsito da União – Departamento Nacional de Trânsito (Denatran)”.

De acordo com o desembargador, o Detran/SP está encarregado apenas de “divulgar a relação de estabelecimentos credenciados em nível federal e de analisar os laudos laboratoriais (artigo 32, §1°, da Resolução CONTRAN n° 425/2012), mediante o aproveitamento da estrutura já existente nos 645 municípios do Estado”. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), no entanto, entrou com outra ação alegando que os laboratórios não são credenciados pela Anvisa (clique aqui e leia mais).

Mas, para o magistrado de São Paulo, o exame se torna um “fator adicional de segurança viária, desencorajando o uso de substâncias psicoativas”.

Confira a seguir a íntegra da decisão do desembargador Antonio Cedenho:

DECISÃO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Associação Brasileira de Provedores de Serviços Toxicológicos de Larga Janela de Detecção – ABRATOX em face de decisão que manteve liminar concedida, eximindo o DETRAN de São Paulo da obrigação de condicionar a concessão e a renovação da CNH dos condutores das categorias C, D e E à apresentação de exame toxicológico de larga janela de detecção.

Sustenta que o fundamento usado para a outorga de tutela provisória – falta de estrutura de atendimento – não mais subsiste, seja porque a Lei n° 13.103/2015 transferiu a competência de credenciamento dos laboratórios ao DENATRAN, seja porque as unidades já credenciadas pelo órgão executivo de trânsito da União possuem mais de 800 postos de coleta de material biológico no Estado de São Paulo.

Argumenta que resta ao DETRAN/SP somente a análise do laudo trazido pelos motoristas profissionais, com o aproveitamento dos serviços existentes nos 645 Municípios do Estado.

Alega que a imposição do exame toxicológico reflete uma política pública voltada à preservação da vida e à prevenção de acidentes nas rodovias do país. Afirma que o número de condutores sob influência de substância psicoativa no momento das colisões é alarmante e demanda uma resposta dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito.

Requer a antecipação da tutela recursal, a fim de que seja restabelecida no Estado de São Paulo a obrigação instituída pela Resolução CONTRAN n° 425/2012, através das Resoluções n° 517/2015 e 583/2016.

Decido.

A Lei n° 13.103/2015 alterou significativamente os parâmetros do exame toxicológico previsto para a obtenção e a renovação da CNH dos condutores das categorias C, D e E, neutralizando o fundamento da concessão da liminar – falta de estrutura de atendimento.

A competência para o credenciamento dos laboratórios, inclusive das unidades coletoras de material biológico, foi transferida ao órgão executivo de trânsito da União – Departamento Nacional de Trânsito -, com a participação da ANVISA (artigo 148-A, §7°, da Lei n° 9.503/1997 e artigos 30 e 31 da Resolução CONTRAN n° 425/2012).

Não mais cabe aos Departamentos Estaduais de Trânsito o desempenho da atividade.

O DETRAN/SP estará encarregado apenas de divulgar a relação de estabelecimentos credenciados em nível federal e de analisar os laudos laboratoriais (artigo 32, §1°, da Resolução CONTRAN n° 425/2012), mediante o aproveitamento da estrutura já existente nos 645 Municípios do Estado.

Segundo as informações do DENATRAN, cinco entidades foram autorizadas à realização do exame toxicológico e o número de unidades coletoras no Estado de São Paulo chega a mais de 800, distribuídos racionalmente pelos territórios das Prefeituras.

A transferência da atribuição do credenciamento e a disseminação dos postos de atendimento comprometem, a princípio, a alegação de incapacidade operacional para a habilitação dos condutores das categorias C, D e E.

O aprimoramento institucional, aliado à competência regulamentar do CONTRAN e à razoabilidade do exame toxicológico, justifica a revogação da liminar concedida.

A Lei n° 13.103/2015, em parceria com a divisão político-administrativa do Sistema Nacional de Trânsito (artigo 12, I, da Lei n° 9.503/1997), atribui ao CONTRAN a função de detalhar os requisitos de habilitação dos motoristas profissionais.

Pode-se dizer que o espaço da regulamentação é reduzido, porquanto a própria lei estabelece os parâmetros da análise – janela de detecção mínima de 90 dias – e a fonte do credenciamento dos laboratórios – órgão executivo de trânsito da União.

A política pública tampouco fere o devido processo legal sob o aspecto material.

Aparentemente, a opção entre o aumento da fiscalização e a prevenção de acidentes através de exames periódicos corresponde a um juízo de conveniência e oportunidade, avesso à repreensão do Poder Judiciário.

De qualquer forma, as estatísticas sobre as colisões nas rodovias do país impõem uma resposta dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito.

A demanda de serviços de transporte e a concorrência de profissionais autônomos causam uma sobrecarga de trabalho impiedosa, a ponto de levar alguns motoristas a consumirem substâncias psicoativas durante a jornada.

O número de acidentes provocado por condutores nessas condições comove e não tem diminuído só com a intensificação das abordagens. A vastidão das vias de transporte e o baixo efetivo dos órgãos fiscalizadores aparecem como agravantes.

O exame toxicológico de larga janela de detecção – no mínimo, noventa dias – se torna um fator adicional de segurança viária, desencorajando o uso de substâncias psicoativas, sob pena de inabilitação para a direção de veículo automotor (artigo 148-A, §5°, da Lei n° 9.503/1997). A ampliação da fiscalização e a exigência de análises laboratoriais na concessão/renovação de CNH se somam na inibição da letalidade e da violência das rodovias brasileiras.

A razoabilidade da medida também se faz presente na comunicação do resultado. A Resolução CONTRAN n° 425/2012 preserva a intimidade do motorista profissional, garantindo a confidencialidade da conclusão laboratorial e a divulgação anônima dos dados para fins estatísticos (artigos 33, §2°, e 36).

Existem, portanto, elementos da probabilidade do direito.

O perigo de lesão irreparável ou de difícil reparação decorre do adiamento na implantação do exame toxicológico e da manutenção do nível de insegurança nas rodovias do Estado de São Paulo.

Ante o exposto, com fundamento nos artigos 300, caput, e 1.019, I, do novo Código de Processo Civil, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal, para revogar a liminar concedida pelo Juízo de Origem.

Comunique-se com urgência.

Dê-se ciência da decisão à agravante.

Intime-se o Estado de São Paulo para apresentar contraminuta.

Em razão do interesse público envolvido, remetam-se posteriormente os autos ao Ministério Público Federal.

São Paulo, 12 de julho de 2016.

ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal