Léa Corrêa Pinto foi a ambientalista que batalhou por mais viadutos e túneis no projeto de duplicação na Serra do Cafezal. Bom para os motoristas, que terão uma estrada melhor
Nelson Bortolin
A paulistana Léa Corrêa Pinto, 67 anos, pisou pela primeira vez na Fazenda Itereí, em Miracatu (SP), aos 10 anos. Não existia nem a antiga BR-2. Seu pai – médico homeopata – havia comprado a área. Como boa capricorniana, como gosta de ressaltar, ela tem seguido à risca um pedido dele, para que cuidasse da natureza daquele lugar. “É o que eu venho fazendo a minha vida toda”, explica.
Em 1975, após a morte da mãe, ela assumiu a área e, três anos depois, conseguiu transformá-la num Refúgio para Animais Nativos. Há 15 anos, começou a trabalhar para que a duplicação da Régis Bittencourt impactasse o mínimo possível a fauna e a flora da região.
A coordenadora da Rede das Águas da organização SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, é testemunha do empenho dela. “Léa foi uma lutadora que mobilizou toda a sociedade, o Ministério Público, o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Defendeu seus pontos de vista com muito conhecimento e argumentações fortes.”
Foi uma luta para preservar as encostas, as águas e a biodiversidade. “Não só para mim, mas para todo o mundo na serra e para quem vive em todo o Vale do Ribeira, gente que consome a água que brota na serra e que sofre o efeito da erosão e das enchentes.”
Entre os beneficiários da preservação das encostas e do mínimo de dano à natureza com a construção da estrada estão os próprios usuários da estrada, que ganham um traçado melhor e mais seguro.
Léa assegura que, como moradora da região, sempre esteve atenta à conservação da Régis naquele trecho, cuja precariedade causou muitos acidentes. “Sinalização deficiente, desníveis altos dos acostamentos, nós sempre denunciamos. De tanto insistirmos, foram feitas algumas melhorias na pista”, salienta. Ela nega que a demora na autorização para a duplicação da Régis tenha sido culpa da “teimosia” dos ambientalistas. “A própria burocracia do governo – Tribunal de Contas, ANTT e outros órgãos – demorou quase uma década para definir quem faria e de que forma seria realizada a obra. Os ambientalistas não participaram de nada disso.”
Para Léa, no entanto, se o Ibama quisesse, o projeto poderia ter ficado melhor. “As pontes e viadutos que conseguimos incluir vão reduzir o impacto, mas outras sugestões que apresentamos foram ignoradas”, afirma. Era importante que o traçado da nova pista não isolasse o Ribeirão do Caçador, entre as duas pistas, diz Léa.
Não deu. “Queríamos também que o Ibama mantivesse a milenar passagem da fauna, no km 349, onde nasce o rio, mas esse pedido não foi aceito.”
acasalar com parentes e “isso deteriora a família com o passar do tempo”. O Ibama considerou suficiente manter apenas a passagem no km 354. No local, vivem e procriam espécies como antas, tamanduás, jaguatiricas, onças, gatos e cachorros-do-mato, bugios, micos, veados variados, pacas, cutias, tapitis e lontras.
Nessas décadas em que vem cuidando da área, Léa diz que só conseguiu, do Estado, o título da reserva. Dinheiro para preservar o local, nada. “Cuidei de tudo com meus recursos. Eu mesma tive que expulsar caçadores. Hoje, a Fazenda Itereí é considerada modelo de sustentabilidade nas montanhas”, declara.
Filha única, desde que chegou a Itereí ela se dá bem e recebe apoio do povo sertanejo que lá vive. “Eles falavam um português arcaico. Era difícil entendê-los”, recorda.
Entre os amigos sertanejos, Léa cita Catarina. “Mãe de muitos filhos, foi ela quem me ensinou as modas do sertão e a entender o português que eles falavam. E eu lhe ensinei o nosso português e ensinei as crianças a escreverem.” Catarina apresentava os seres da floresta para Léa e aprendia os nomes científicos das plantas e dos animais.
No início de fevereiro, Léa começou a se despedir do pedaço da mata que será derrubado para as obras. “A gente às vezes ‘conversa’ com aquelas formas de vida tão belas e fortes, que recebem tão bem aqueles que vão lá para derrubá-las”, declara.