É hora de analisamos uma novidades da Lei Ordinária Federal nº. 12619/2012: o tempo de reserva. Também nos debruçaremos sobre outro instituto, que apesar de não trazer nenhuma novidade, sempre gerou infortúnios interpretativos que fragilizam as contestações das empresas em ações ajuizadas na Justiça do Trabalho, gerando temido passivo trabalhista: a compensação de jornada.
Mas antes de esmiuçarmos os institutos, devemos fazer um adendo que, também, nos ajudará a compreender o último artigo da série. Nesse sentido, lembramos que, a própria Lei previu que a jornada do motorista transportador rodoviário de carga ou de passageiros, será de no máximo 8h diárias ou 44 horas semanais (conforme previsto na Constituição da República de 1988) ou outro limite estabelecido em pacto coletivo de trabalho (como é cediço tais pactos exigem, no mínimo, a presença do sindicato dos empregados).
O empresário deve estar atendo a esse outro limite, pois diante de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico bem como na esteia da jurisprudência trabalhista, temos que esse limite pactuado deve ser mais benéfico ao empregado (1), ou seja, não poderá ser pactuado qualquer limite que abalroe os fundamentos psíquicos, físicos, sociais e econômicos que fundamentam a limitação da jornada de trabalho.
Nesse sentido, já respondemos a recorrente pergunta de vários de nossos clientes sobre o elastecimento do limite de jornada: a Lei não permitiu exigir do motorista 10 horas de trabalho diário ou mais de 50 horas semanais! Quando a Lei Ordinária Federal nº. 12619/2012 previu a possibilidade de exigir mais duas horas diárias vedou a adoção dessa medida todos os dias, ou seja, a exigência deve ser algo extraordinário.
Outra coisa: quando se previu duas horas, não se permitiu, ainda que extraordinariamente, exigência de 10 horas de trabalho. Isso porque, para empregados contratados para trabalhar 6 horas por dia, por exemplo, o acréscimo de mais 2 horas, totalizaria 8 horas diárias e não 10 como estão entendendo alguns empresários!!!! Assim, seja porque não se mencionou 10 horas de trabalho, ou mesmo por ser esta previsão extraordinária, o empresário deverá ter muita atenção na modulação do tempo à disposição de seus empregados.
No tocante ao tempo de reserva tem-se que se trata de um novo instituto criado para desonerar o empregador que contrata mais de um motorista para fazer a mesma viagem no mesmo veículo. Assim, para a configuração do tempo de reserva devemos preencher, acumuladamente, os seguintes requisitos: a) os motoristas devem trabalhar em revezamento no mesmo caminhão; b) um dos motoristas deve repousar após o cumprimento da jornada enquanto o outro dirige; c) o veículo, nesse momento, deve estar em movimento, d) deverá ser concedido 6 (seis) horas consecutivas, ou mais de repouso, em cabine leito e ou alojamento externo com veículo estacionado.
Como dito: caso preenchidos todos os requisitos, tal tempo em que o motoristas está descansando, não será contado como hora à disposição, devendo ser remunerado apenas com 30% do valor da hora normal. Importante notar que antes da Lei, assistimos muitas transportadoras, que já adotavam o revezamento nos termos dos propostos, serem condenadas na Justiça do Trabalho à pagar o valor da hora normal de trabalho acrescido de 50%. Assim, a previsão do instituo veio em consonância aos interesses da categoria patronal.
O segundo ponto a ser comentado é a compensação da jornada. Nesse quesito é importante destacar que a Lei Ordinária Federal nº. 12.619 disciplina a compensação de jornada no § 6º do art. 235-C da CLT. Tal dispositivo prevê que o excesso de horas de trabalho realizado em um dia poderá ser compensado, pela correspondente diminuição em outro dia, desde que haja previsão em instrumento coletivo, observadas as disposições previstas no § 2º do art. 59 da CLT.
Temos assim que a Lei previu a possibilidade de empresa ou sindicato econômico juntamente com o sindicato laboral pactuarem o famoso banco de horas, em que se prorroga a jornada do motorista sem o devido pagamento de horas extras, por serem objeto de dedução ou abatimento (labor reduzido) em dia diverso. Tal instrumento é forte aliado do empregador, permitido, com respaldo na Lei, moldar a jornada de seus motoristas de acordo com a necessidade empresarial. A compensação, porém, deverá ser cercada de alguns cuidados para que não seja invalidada e consequentemente o empregador ser obrigado a pagar horas extras. Estamos falando aqui dos requisitos formais e materiais que cercam o instituto.
Na prática, já estamos assistindo algumas empresas pactuando a compensação de jornada com os sindicatos profissionais sem o respeito a todos os requisitos. Diante desse descumprimento, tais pactos poderão ser facilmente anulados na Justiça do Trabalho seja individualmente (em decisão da ação trabalhista movida pelo ex-empregado), seja coletivamente (caso haja proposição de ação civil pública ou ação anulatória pelo Ministério Público do Trabalho, por exemplo).
Isso porque, inobservância dos requisitos poderá ser entendida pelo Poder Judiciário como artifício patronal de burla à legislação imperativa como é o caso das normas de saúde e higiene do trabalhador, o que, fatalmente, gerará como consequência a descaracterização do banco de horas. Portanto, os advogados das empresas devem manter atenção redobrada caso seus clientes optem por tal acordo para que o “tiro não saia pela culatra”.
Nota (1) – Até mesmo a famosa jornada 12×36 que é aquela em que o empregado trabalho 12 horas em um dia (com direito a todos os intervalor não remunerados integrantes) e descansa pelas próximas 36 horas (a liberdade de bem aproveitar tal descanso não pode ser tolhida pelo empregador como no caso de obrigação de tirar o descanso em uma viagem a serviço da transportadora).
Luciane Andretta Maldonado é sócia do escritório Maldonado e Gahyva advogados, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, consultora preventiva em matéria trabalhista, coordenadora do setor Trabalhista do escritório, professora de Direito Civil e do Trabalho e autora de diversos artigos.
Samantha Rondon Gahyva Martins é sócia do escritório Maldonado e Gahyva advogados, pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho, e em Direito Tributário, consultora preventiva em matéria trabalhista; professora de Direito Tributário e Civil e autora de diversos artigos.