Novas regras para bitrens e rodotrens compridos exigem AET específica e não valem para transporte de carga indivisível

Nelson Bortolin

Desde 23 de novembro, está liberada a requisição de Autorização Especial de Trânsito (AET) para rodotrens e bitrens com até 74 toneladas e até 30 metros de comprimento na rodovia Padre Anchieta (SP-150), no trecho de serra entre o km 40 e o km 55. Mas apenas durante a madrugada e em dias úteis (ver quadro).

A decisão está na portaria SUP/DER-084-01/11/2023 do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) do Estado de São Paulo e exclui o transporte de carga indivisível.

A proibição do tráfego desses veículos é um grave problema para quem vai ou volta do Porto de Santos pela Anchieta com veículos que excedem 26 metros.

Para chegar ao porto, os 9 eixos de 30 metros – normalmente dedicados ao transporte de carga em contêiner – precisam desengatar e atravessar o trecho com uma carreta só. É uma epopeia.

A RGLOG, que transporta carga industrializada em contêiner de Santos para o Centro-Oeste, conhece bem as agruras desta atividade. O consultor em Treinamento e Condução Econômica Luiz Pascon, que presta serviços à transportadora, conta o passo a passo da operação: “A gente contrata os serviços de um estacionamento em São Bernardo do Campo. É um pátio grande de chão batido. Quando está indo para o porto, o motorista estaciona nesse local, desengata a carreta de trás, puxa o caminhão para o lado, desengata a primeira carreta, depois volta e engata a segunda”, conta.

Ele calcula que esse processo leva uns 15 a 20 minutos. “Depois, o motorista sai, vai até Cubatão. São mais uns 40 minutos. E deixa a carreta na sede da RGLOG na cidade e volta só com cavalo para pegar a outra”, explica.

Estacionamento usado pela RGLOG em São Bernardo do Campo

Quando chega pela segunda vez em Cubatão, o caminhoneiro engata a carreta que foi transportada primeiro e segue para o porto. “O processo todo dura entre duas horas e meia a três horas”, conta.

Quando o movimento está muito grande, e há cavalos tratores disponíveis na empresa, eles são enviados a São Bernardo para ajudar a tracionar as carretas, evitando que os motoristas tenham de fazer duas viagens.

Não há espaço para fazer essa manobra num local mais próximo do trecho de serra porque se trata de uma área basicamente de proteção ambiental. Assim, as viagens com uma carreta só são bem mais longas que os 15 km.

Os veículos voltam de Santos sempre pela Imigrantes, onde não há restrição. Vale ressaltar que a pista de descida dessa segunda estrada é proibida para caminhões. Por isso, é preciso descer pela Anchieta.

LUTA PELA LIBERAÇÃO

André Rossetti, CEO da RGLOG, foi um dos transportadores que se engajaram junto ao Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de São Paulo (Setcesp) na luta pela liberação dos 9 eixos de 30 metros. Foram feitas gestões na Polícia Rodoviária, na concessionária do trecho, no DER, e na Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp). 

Bitrenzão da RGLOG sendo desengatado para descida da serra

Para convencer as autoridades sobre a segurança da operação, foi utilizado um estudo feito pelo Instituto Paulista do Transporte de Carga (IPTC), ligado ao Setcesp.

 “Primeiro falavam que os bitrenzões não podiam descer porque são mais pesados. Mas não é verdade. O peso bruto total combinado (PBTC) é o mesmo (74 toneladas) do veículo de 26 metros. Depois falaram que é mais difícil frear. Provamos que isso não existe”, conta.

Outra queixa da burocracia é de que os veículos de 30 metros, por serem mais compridos, exigem muita habilidade dos motoristas para não avançar sobre a faixa da esquerda nas curvas. No entanto, segundo Rossetti, há combinações que, por terem entre-eixos mais longos, tendem a “comer” mais faixas. E, mesmo assim, são liberadas.

Apesar da autorização para os veículos rodarem na madrugada, a transportadora vai continuar desengatando parte dos bitrenzões para descer a serra. “Se um veículo chega em São Bernardo logo cedo, eu não vou esperar até as 23 horas ou uma hora da manhã para trafegar com as duas carretas”, explica. “Vamos trabalhar num modelo híbrido.”

O empresário tem esperança que, depois de um período de experiência, a combinação seja liberada 24 horas por dia. “Até para distribuir melhor o fluxo dos veículos durante o dia.”

O consultor Luiz Pascon acompanha motorista da RGLOG na descida da serra com um bitrenzão de 25,8 metros, que já era liberado no trecho

BUROCRACIA

Trabalhar com rodotrem ou bitrenzão de 30 metros exige Autorização Especial de Trânsito (AET). Esse documento precisa ser requerido nos órgãos públicos a cada seis meses ou um ano. E cada estado fornece a sua AET.

“No nosso caso, a gente tem de ter AET de São Paulo, Minas Gerais e Goiás e também do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) para os trechos de rodovias federais. Agora, vamos precisar de uma AET complementar para a Anchieta”, enumera o empresário. “Isso sem contar quando cai uma barreira que a gente tem de pegar outra AET para usar o desvio.”

Em tempos de ESG (sigla em inglês que trata das medidas necessárias nas áreas ambiental, social e de governança), o empresário defende que esse é mais um motivo para que as combinações sigam liberadas. “São menos viagens, menos queima de combustível, menos motoristas cansados”, alega.

A RGLOG gasta R$ 35 mil mensais no estacionamento que contrata em São Bernardo para fazer a operação com os cerca de 100 bitrenzões de sua frota.

MERCADO À PARTE

Um dos principais especialistas em transporte de carga no Brasil, o engenheiro João Batista Dominici, presidente da Associação Brasileira de Logística Pesada (Logispesa) e editor do Guia do TRC, diz que a proibição dos 9 eixos de 30 metros criou um mercado de transporte de curta distância na Anchieta. “Percebendo essa oportunidade, tem motorista que pega seu cavalo e cobra para puxar carretas no trecho”, explica.

A liberação do tráfego noturno das composições vai beneficiar especialmente o transporte de cargas conteinerizadas para importação/exportação. “Para levar dois contêineres de 40 pés, o bitrem ou o rodotrem precisa ter 30 metros de comprimento”, conta Dominici.

A reportagem da Revista Carga Pesada pediu uma entrevista sobre o assunto no DER, mas não obteve retorno.