O jornalista mineiro Luciano Alves Pereira é como uma enciclopédia do transporte e tem amigos e admiradores espalhados por todo o País
Nelson Bortolin
A paixão do jornalista Luciano Alves Pereira por caminhões vem da infância em Mateus Leme, na região metropolitana de Belo Horizonte. Eram os anos 1940 e começavam a chegar os primeiros veículos de carga importados, como o KB11, da International, o Ford F8 e o Chevrolet Gigante. A cidade era cortada por uma estrada de terra e os motoristas desciam o morro da caixa d’água tocando a buzina para chamar atenção do povo e exibir aquelas máquinas grandes e modernas. Era a alegria da criançada.
Nascido em BH em 19 de setembro de 1939, filho de portugueses, Luciano acaba de completar 80 anos de idade e 50 de estrada. O hoje colaborador da Revista Carga Pesada começou a escrever em 1969, numa revista chamada Farol. E, em 1971, abriu com a cunhada Sonia Vale o Jornal Veículo, voltado ao setor automobilístico de forma geral.
Aos poucos, foi se dedicando mais ao transporte de carga. “Na época, quase ninguém falava de caminhão. E eu descobri que o negócio era bom”, conta. O jornal, que depois se transformou em revista, foi uma das primeiras publicações brasileiras a tratarem de veículos de carga.
Quem conhece Luciano sabe que o jornalista nunca se limitou a escrever o que os mecânicos e os fabricantes dizem sobre os caminhões. Gosta de conhecer os veículos em detalhes. E está sempre de olho nas novidades, principalmente naquelas que as montadoras ainda não divulgaram.
Foi assim no final da década de 1970, quando, em visita a um fornecedor de plástico de Botucatu, a Hidroplas, viu uma peça diferente encostada num canto e quis saber o que era. “Descobri que era o capô de um novo Scania, o T-112, que iria ser lançado, mas ninguém sabia”, conta. O jornalista foi o primeiro a divulgar a chegada do novo caminhão, mesmo a contragosto da montadora, que queria fazer o anúncio em grande estilo.
A curiosidade, a persistência e a capacidade de ouvir são características que fizeram de Luciano um dos jornalistas que mais entendem de transporte no País. Quando ele começou a vida profissional, ganhavam espaço no transporte de longa distância os Mercedes-Benz trucados. Os Fenemês viviam seu declínio. “Eram um amor, mas quebravam a toda hora.” O semieixo era a peça mais frágil. “O motorista do Fenemê vivia cheio de graxa porque passava mais tempo embaixo do caminhão que na boleia”, brinca.
O mercado de veículos de carga no Brasil era incipiente e a primeira grande revolução que o jornalista presenciou foi a chegada dos Jacarés (Scania 110) com dez marchas, turbinados, em 1971. “Aquele caminhão mudou a história do transporte de longa distância no País, foi um salto altíssimo”, afirma. Os caminhoneiros passaram a fazer viagens de uma ponta a outra do Brasil, com mais conforto e economia.
O apelido Jacaré se estendeu ao Scania 111S. Em 1972, a montadora fez uma venda histórica de 72 veículos do tipo para a Mendes Júnior.
Outro ponto alto da história dos veículos de carga foi a chegada dos Volvo de 16 marchas ZF e redutor no cubo. “Eram usados nos canteiros de obras da Europa, mas que aqui, devido às precárias condições de infraestrutura, foram para a estrada.” Esse caminhão, “que não quebrava nunca”, acirrou a competição entre as marcas. “Em 1994, a Volvo trouxe o FH, que foi outro marco”, sustenta o jornalista.
Apesar de ter presenciado tantos divisores de águas, Luciano considera que nada se compara à revolução recente dos motores eletrônicos. “A mudança é muito maior do que tudo que vi nas décadas anteriores”, avalia.
AMIZADES – Nem só de trabalho vive o homem. E o jornalista, como bom mineiro, fez muitas amizades nessas cinco décadas de estrada. Amigos a quem ele é profundamente grato. “Fui muito ajudado nessa vida”, declara. Algumas dessas pessoas já partiram, como os gaúchos Raul Randon (Randon) e Valter Gomes Pinto (Marcopolo). Mas ainda tem muita gente por aqui para homenagear Luciano. É o caso do atual presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Vander Costa. “Falar do jornalista Luciano é uma coisa gratificante e me remonta a décadas passadas, desde 1980, quando era o Luciano do Jornal Veículo. Já fazia reportagem sobre o transporte com muito foco na carga e no Estado de Minas Gerais”, conta.
O presidente da CNT considera Luciano uma das pessoas que mais estudaram e conhecem o transporte no Brasil. “É uma grande alegria poder participar da comemoração de um trabalho tão longo e brilhante”, declara.
De tão conhecedor que é do transporte de carga, o jornalista tornou-se conselheiro. “Eu gosto muito dele. Logo que assumi a Federação, conversei com ele para me orientar. Para saber quais as boas práticas do setor. Nossa relação sempre foi muito boa, muito produtiva”, afirma Sérgio Pedrosa, presidente da Transpedrosa e da Federação das Empresas de Transportes de Minas Gerais (Fetcemg).
Além de expert em transporte, para o empresário, Luciano é uma pessoa “do bem”. “É educado, afável e gosta de uma boa conversa.” Em 1997, Luciano foi homenageado com a Medalha do Mérito Rodoviário, na categoria Especial Jornalista, pela Fetcemg.
“O Luciano tem a característica de ser muito autêntico. É um jornalista comprometido com a verdade”, conta o discípulo Sérgio Caldeira, o Serginho, que atualmente trabalha como instrutor na Via Trucks, concessionária DAF em BH. Também aficionado por caminhão desde criança, Serginho frequentava as concessionárias só para ficar admirando as novidades. “Quando tinha prova e saía mais cedo da aula, pegava um ônibus e ia olhar os caminhões.” Foi numa dessas “escapadas” que conheceu o Veículo no balcão de uma das concessionárias.
Isso já era lá pelos anos 1990. A redação do Veículo, a qual Serginho passou a frequentar, acabou se tornando uma escola para ele. “O Luciano tem um embasamento técnico do nível de engenheiro sênior. O que acumulei de conhecimento técnico foi graças a ele”, lembra. A parceria durou até a descontinuidade da publicação, em 2006. Mas, a amizade é a mesma até hoje.
Para a historiadora e gestora cultural Ana Maria Nogueira Rezende, Luciano é uma pessoa “singular”. “Ele se dedica com paixão a tudo que faz”, afirma ela, que dividiu a autoria do livro “Transportador Mineiro – História Pioneira” com o jornalista.
“Luciano fez da sua vida a arte de contar e noticiar as histórias das estradas e dos estradeiros e foi neste momento que o conheci. Foi graças ao empenho do Luciano que o livro virou uma realidade”, declara.
Ana Maria ressalta também que o jornalista tem um lado “historiador”. “Ele tem aquele olhar no retrovisor, no passado nostálgico que nos brinda com conhecimento e esperança de dias melhores. Sempre.”
METICULOSO – O engenheiro e consultor da área automotiva João Carlos Barreto Piekarski, de Curitiba, lembra-se bem do rigor do repórter Luciano. “Era exigente. Sempre queria tudo certinho. Às vezes chegava a ser chato de tão detalhista sobre os testes de caminhões.”
João Carlos, que trabalhou na Volvo de 1979 a 2009, conheceu Luciano nos anos 1980, quando a montadora fez testes de consumo de combustível dos veículos N10 e N12, entre João Monlevade e Belo Horizonte.
“Pelo que me lembro, conseguimos os melhores resultados entre os concorrentes da época”, conta. Luciano acompanhava os testes do começo ao fim. “Lembro-me que ele sempre queria dar furos de reportagem, mostrar antes as novidades da indústria. E quase sempre conseguia. Era difícil esconder as novidades dele”, conta o engenheiro que também já trabalhou na Iveco e na DAF.
O presidente do Sindicato dos Caminhoneiros, José Natan Emídio Neto foi outro grande amigo que o jornalista mineiro fez na estrada. Amigo e admirador: “Conheci o Luciano em 1975. Já recebia o Veículo. Ele é um exemplo de pessoa, de pai de família. É um homem muito culto”, elogia Natan, que ainda guarda edições da publicação.
A persistência é uma das características mais admiradas no amigo. “É muito estudioso e, se tem um grilo na cabeça, não vai parar enquanto não o resolver.” Natan se lembra da luta que ambos travaram pela construção do novo Viaduto da Almas, na BR-040, perto de BH. “O local tinha um histórico de mais de 200 mortes e, de tanto a gente brigar, fizeram a obra”, recorda ele, que é presidente do Sindicato Interestadual dos Caminhoneiros (SUBC).
Para filho, o pai é sempre herói. Mas, Modesto Henrique Alves Pereira destaca uma característica que entende como especial de Luciano. “Ele tem um magnetismo que encanta as pessoas por onde passa. É muito expansivo e se interessa pelas dores alheias”, afirma. Além de Modesto, Luciano tem outros três filhos: Flávio Ernesto, Flávio Henrique e Fernando. E é casado com a Joana.
Modesto diz que o jornalismo corre nas veias do pai. “Uma vez, estava viajando com ele de São Paulo a Curitiba, de carro. Passou um ônibus da Mercedes no sentido contrário. Ele ficou louco. Disse que era um ônibus tal que a montadora ia lançar em tanto tempo. Parou o carro, deu meia-volta e só sossegou depois de alcançar o ônibus e fotografá-lo de todos os ângulos. Deu o furo”, orgulha-se o filho.
Da mesma forma que os entrevistados, a Revista Carga Pesada tem orgulho de ter o Luciano como amigo e colaborador. O trabalho dele enriquece as páginas da revista impressa, o site e as redes sociais com notícias quentes das Minas Gerais, com o resgaste histórico de fatos do TRC e detalhes dos caminhões que só ele conhece. Como nas próximas páginas, nas quais o jornalista escreve sobre a BR-381 e o Posto Beija-flor.
Parabéns, Luciano!