Nelson Bortolin
O número de acidentes com caminhões nas estradas caiu 26% em 2016. Desde março esteve em vigor a exigência de exame toxicológico para tirar ou renovar a carteira de habilitação para dirigir veículos pesados. Será que uma coisa teve a ver com a outra? Essa é a discussão desta reportagem. Também procuramos resposta para uma pergunta complexa: como o empregador deve agir se o seu motorista for reprovado no exame?
Pouco mais de um ano após sua implantação, em março de 2016, o polêmico exame toxicológico de larga janela de detecção (aquele feito com fios de cabelo, para saber se a pessoa consome drogas ilícitas) parece estar alterando a realidade. Somente nas estradas federais, a quantidade de acidentes envolvendo caminhões caiu 26% no ano passado. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), foram 34.770 casos. No ano anterior, haviam sido 47.010.
Não se pode atribuir a queda apenas ao teste. Também diminuiu o tráfego de veículos de carga, devido à crise econômica – e isso influi no número de acidentes. Segundo a empresa que monta o Índice ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), em 2016 houve uma queda de 6% no número de veículos pesados que circularam em estradas pedagiadas no Brasil.
Tentando descobrir se o tal exame toxicológico influiu muito ou pouco na redução dos acidentes com caminhões, procuramos informações no Plano Nacional de Contagem de Tráfego, disponíveis no site do DNIT. Ali é difícil fazer comparações porque, na maioria dos pontos espalhados pelo País, a contagem foi feita em meses diferentes num ano e no outro. O DNIT não tem uma média nacional e aconselhou a Carga Pesada a se orientar pelos casos em que os meses pesquisados coincidem.
Então, tá! Como se pode verificar no quadro (abaixo), as reduções de tráfego mais expressivas ocorreram na BR-153, km 452, no Rio Grande do Sul. Em março do ano passado, passaram por lá 31,6 mil veículos pesados. No mesmo mês de 2015, tinham sido 47,4 mil. Queda de 33,4%. Mas, na maior parte dos outros trechos onde houve contagem, a redução é bem menor. Em outros, subiu. Fizemos as contas de 25 trechos e deu uma queda, no conjunto, de 11,3% no tráfego de veículos pesados.
Em alguns casos, deu para fazer uma comparação direta entre a redução do tráfego e de acidentes. Na BR-040, em Minas Gerais, queda de 11,4% no tráfego no primeiro quadrimestre de 2016 em relação ao mesmo período de 2015 e queda de 22,6% nos acidentes nas mesmas datas – o dobro. Em São Paulo, na BR-116, de janeiro a março, tráfego menor de 13,4%, enquanto os acidentes diminuíram 31%!
COMÉRCIO EM QUEDA – Para o assessor de comunicação da Polícia Rodoviária Federal, Diego Brandão, a queda no número de acidentes é resultado de vários fatores associados. “A própria atividade comercial, que notadamente sofreu uma diminuição. Nós temos a questão do exame toxicológico e a retração da renovação de CNH por muitos profissionais. Temos a própria fiscalização”, diz.
Segundo ele, a PRF vem estudando a saúde do caminhoneiro, no programa Comando Saúde. Motoristas abordados nas rodovias respondem questionários sem precisar se identificar. No ano passado, foram entrevistados 9.500 motoristas. “94% já tinham se envolvido em acidente; 35% usaram medicamentos impróprios em algum momento de sua atividade; 65% eram fumantes; 25% usam álcool; e 38% disseram que sentem sonolência diurna”, conta Brandão.
MENOS HABILITAÇÕES – As emissões de CNHs nas categorias C, D e E, para as quais são exigidos os exames toxicológicos, também caíram bastante. Não se sabe um número nacional, mas o Detran do Rio Grande do Sul informou que emitiu 43.938 carteiras de março a dezembro de 2016, ante 67.256 em 2015. Queda de 35%.
Na hora de renovar seus documentos, boa parte dos motoristas que tem carteiras C, D e E está migrando para A e B, pelo que se sabe. O que não se sabe é quantos fazem isso porque o exame toxicológico é caro (R$ 300) ou porque o resultado daria positivo e o candidato seria reprovado.
INCONSTITUCIONALIDADE – A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), que representa os motoristas empregados, não vê nenhum aspecto positivo no exame. Pelo contrário, tenta derrubá-lo na Justiça por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Segundo o representante da entidade, Luiz Antonio Festino, a ação está parada no Supremo Tribunal Federal desde a morte do relator, o ministro Teori Zavascki, em janeiro. “Estamos tentando falar com o novo relator, ministro Alexandre Moraes, para ver se ele mantém a proposta de uma audiência pública no Judiciário sobre os exames toxicológicos, que era proposta do ministro Teori.”
POUCOS DÃO POSITIVO – De março a dezembro do ano passado, segundo o Denatran, foram realizados pouco mais de um milhão de exames toxicológicos no Brasil. Somente 16,2 mil, ou 1,56%, deram positivo. Os três Estados do Sul, os quatro do Sudeste, além de Mato Grosso e Goiás respondem por 77% dos exames.
No meio do transporte, a exigência do exame é vista com reserva. Para o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de São Paulo, Tayguara Helou, o exame não cumpre seu objetivo. “Para as empresas, não trouxe o efeito necessário para que possamos encarar o mundo das drogas”, afirma.
Ele defende que as transportadoras deveriam escolher o momento certo para fazer o exame. “O ideal seria ter a aplicação de tal exame nos planos de combate ao uso de bebidas e drogas das empresas, que deveriam ter liberdade para escolher o momento da sua conveniência para utilizar essa metodologia”, declara.
Marcos Egídio Battistella, presidente do Sindicato das Transportadoras do Paraná, diz que “o exame em si é uma coisa boa” e que a entidade é favorável a ele. Mas ressalta que o custo é alto e que a insegurança jurídica das empresas aumentou. “Se o exame dá positivo, nós temos que de alguma forma nos responsabilizar pelo tratamento do motorista. O governo faz as leis e joga a conta no empresário”, critica.
Já o presidente do Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos de São Paulo, Norival Almeida, considera o exame um “mal necessário”. “Mas está havendo muita fraude, com motorista emprestando cabelo para fazer o exame”, afirma. De fato, reportagem da Rádio CBN flagrou em fevereiro uma autoescola de Diadema (SP) vendendo laudo negativo de exame toxicológico por R$ 1 mil. Isso foi amplamente divulgado.
Almeida considera o valor do teste muito alto e diz que a obrigatoriedade está dando uma fortuna para os laboratórios. Estima-se que, no ano passado, eles tenham faturado R$ 300 milhões só aí.
PREÇO EM BAIXA – O biomédico Claudio Sodré, diretor técnico do Laboratório Sodré, de Marília (SP), diz que o preço do exame é alto porque a metodologia utilizada e a logística são caras. “Os laboratórios precisaram fazer investimentos muito grandes”, afirma. Mas ele diz que os preços estão caindo. “Nós começamos cobrando R$ 300 e, em alguns locais, já está R$ 235.” Mas não devemos esperar mais reduções. A tendência, segundo ele, é que estabilize na casa dos R$ 230.