Daqui a menos de um ano e meio, a Mercedes-Benz do Brasil vai comemorar os 60 anos da inauguração de sua fábrica de São Bernardo (SP), ocorrida em 28 de setembro de 1956. Foi a primeira fábrica da montadora fora da Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial. No meio dessas seis décadas, surgia a revista Carga Pesada em Londrina (PR). Naquele janeiro de 1985, a MB tinha a preferência absoluta do mercado. Foi a marca que definiu o jeito de o TRC brasileiro operar caminhão, contando com ofertas de PBT entre 11 e 15 toneladas (versão toco) e de 19 a 22 t, quando trucado. Os médios-pesados – como eram chamados pelo fabricante – devoravam longas distâncias neste país-continente.
A hegemonia da Mercedes era ainda mais acentuada no mercado de ônibus. Com projetos já aposentados na Europa, a filial brasileira registrou ótimo desempenho em vendas dos seus clássicos L-1111/1113/1313/1513/2013/2213, além de outros modelos como o 608D e o prodigioso L/LS-1519 (lançado em 1973), de motor ‘aleijado’ (OM 355/5), com cinco cilindros. No segundo semestre de 1985, o 1519 ganhou o herdeiro LS-1524, com motor turbinado e PBTC de 32 t. Havia ainda modelos pesados como o LS-1929 (o conhecido mulão) e o LS-1932. De comum, desde o 1111, a cabine AGL. Tinha entrado na linha em 1964, com seu capô semiavançado, cujo bico abria como tucano.
Em 1985, o frontal dessa imponente família já havia se modificado. Um elemento transversal de plástico acolhia quatro faróis, e não apenas dois, como nos anos 1960. A nova cara recebeu o apelido de máscara negra. Continuando em janeiro de 1985, os números da produção mostravam uma recuperação, após o poço fundo de 1982. Em 1984, foram 18.610 caminhões MB – 9,7% mais do que em 1983 – e o então presidente da companhia, Werner Lechner, lamentou à Revista Veículo (edição 149 – fevereiro de 1985) “ter perdido vendas de mil caminhões, caso os tivesse fabricado ao longo do ano”. A produção total foi de 42.882, 24% superior à de 1984.
Embora seus negócios estivessem muito bem, a montadora preparava-se para modernizar toda a linha. Essa mexida transformou-se em gigantesco desafio. Impunha-se a troca do motor OM 352 e a adoção de nova cabine, mas o herdeiro tinha de captar o legado do antecessor, sem perder mercado.
A proposta de nova cabine permanecia bicuda e protótipos rodavam pelas estradas. Surge uma foto, logo enviada para a Capital do Mercedes, a caminhoníssima Itabaiana, em Sergipe. No início de 1989, a Revista Veículo (edição 171) ouviu o mercedeiro local Antenor Cruz. Ele achou a cara diferente e bonita, “mas não precisava mudar…” Outro fanático, Zé Charuto, viu “semelhança com o Volvo (N10/12)”. Já sua mulher (também estradeira) encontrou “feiura no capô inclinado” e se dependesse do marido “a cabine não seria alterada”. Antônio Tavares Alves, dedicado ao serviço de ‘pau de arara’ desde os idos de 1960, preferia que tudo ficasse como estava: “Vou ficar reformando a cabine atual para sempre”. Foram as primeiras reações.
E veio o lançamento. A cabine de cantos angulosos substituiu a de tudo redondinho ao redor. Debaixo do capô basculável, o novo motor OM 366, em versão aspirada e turbinada.
Em meados de 1990, a Mercedes prossegue com a renovação de toda a linha e apresenta sua família de pesados/extrapesados, de PBTC entre 35 e 45 toneladas. O então presidente da empresa, Gerhard Hoffmann-Becking, disse que seu ímpeto era conquistar a liderança do segmento, que estava nas mãos firmes da Scania, com 4.099 unidades em 1989, seguida pela Volvo. A Mercedes ficou com 21,73%, metade da participação da líder. Hoffmann-Becking apostava nos cargueiros L/LS-1625, LS-1630, LS-1935 e LS-1941. Por baixo dos capôs, os igualmente novíssimos motores da série BR-400, cuja novidade principal (no Brasil) era a camisa molhada. Desse quarteto surgiu um clássico nas estradas: o 1935 e suas variantes posteriores.
Mas nos idos de 1990 em diante “a caminhãozada virou de ponta-cabeça”, como diz Zé Leutério, de Córrego da Figuinha (MG). Até então as cabines recuadas imperavam. Em 1994, a Volvo importou o FH da Suécia e o mundo dos caminhões no Brasil ‘perdeu o nariz’. A Mercedes reagiu rápido. Desenvolveu a sua versão FPN (F de frontal) e apresentou o 1718, em 1991. Em 1992, a montadora comemorou a produção do milionésimo MB nacional. Passados 21 anos, veio a 2.000.000ª unidade: 1,37 milhão de caminhões e 630 mil ônibus completos e chassis. “Somos o único fabricante de veículos comerciais do País a chegar a este número”, disse Philipp Schiemer, CEO da Mercedes-Benz do Brasil e da Daimler para América Latina, em meados de 2013. Hoje o cenário tornou-se irreconhecível diante daquele dos anos 1980, mas o peso da montadora na atividade com a linha completa de veículos comerciais formada pelas famílias Sprinter, Accelo, Atego, Atron, Axor e Actros, que atende aos diversos segmentos do transporte de carga e logística, continua irremovível dos usos e costumes do TRC.