Em Belo Horizonte, iniciativa de um caminhoneiro marcou, de forma inédita, os 60 anos da Mercedes-Benz do Brasil
Luciano Alves Pereira
Revista Carga Pesada
Em 28 de setembro passado, a Mercedes-Benz do Brasil completou 60 anos no país. Mas as respectivas comemorações oficiais da Casa, aqui, foram antecipadas. Na mesma semana houve a IAA 2016, em Hanôver (Alemanha), a maior feira de caminhões, ônibus e afins do mundo. Lá, é que a Daimler (agora sem Benz) tinha que se dedicar para fazer a sua estrela brilhar. Nisso, a data exata local ficou meio que programada a passar em brancas nuvens. Ou quase. Não fosse o registro proporcionado pelo caminhão-show L-312 de Francisco Lopes da Silva, de Contagem (MG). Sua Bicudinha, ano 1957, com carroceria aberta, correu para a estrada, portando faixas alusivas nas laterais.
Foi nos dias 28 e 29 de setembro e contou com o patrocínio da Cardiesel, concessionária MB de Belo Horizonte, fundada em janeiro de 1974, hoje pertencente ao Grupo VDL. A Casa produziu as faixas com cumprimentos à montadora e a Bicudinha foi rodar pelo Anel Rodoviário de Belo Horizonte. Ali transitam 150 mil veículos a cada 24 horas. Virou um ‘evento em trânsito’, de saudação à data, ao qual não faltaram buzinadas dos passantes e ‘visitas’ de curiosos e nostálgicos, quando o L-312 parava nos acanhados postos de combustíveis do trecho.
Nessas seis décadas, a Mercedes mudou a paisagem do Brasil. Menos por suas inspiradas tiradas de Marketing do que pela desenfreada aceitação dos produtos movidos a diesel. Eles provocaram completa virada no mercado. Naquela juntada de anos, o engatinhante TRCP tirava cargas e passageiros dos trens do governo, operados por funcionários públicos. E foi além. Os ruidosos caminhões passaram à causa das mágoas dos boiadeiros, que ficaram sem suas boiadas levadas chão afora. Os carros-de-boi já estavam no fim e as tropas idem.
Mas não faltam hoje ‘entendidos’ que culpam o ex-presidente Juscelino Kubitschek pela dita ‘opção rodoviária’, ocorrida em seu governo. O caminhão/ônibus Mercedes teve a ver com a coisa. Sem imaginar isso, JK havia comparecido à festa de inauguração de São Bernardo do Campo (SP), naquele 28 de setembro. Era a primeira fábrica fora da Alemanha no pós-guerra mundial de 1945.
Os produtos Mercedes eram barulhentos, vibravam que nem martelete hidráulico. Mas tinham freio combinado ar/óleo mais confiável do que o das marcas americanas, dependentes da geração de vácuo. Os mais destemidos começaram ‘a pular pra dentro’ dos primeiros L-312 e sentiram sua superioridade quanto à durabilidade dos componentes e ao rendimento km/litro. De passagem, vale citar que os modelos iniciais, saídos de S. Bernardo, ainda eram herança do programa de guerra da Alemanha nazista.
UNANIMIDADE − Talvez mais rápidos nas decisões, os empresários e autônomos do transporte de passageiros viraram o leme para a Mercedes e a marca se tornou unanimidade em ônibus, Quero dizer, lotações encarroçadas nas fábricas nacionais da Grassi, Vieira, Metropolitana, Cirb, etc. E o Rio de Janeiro passou a andar de Mercedes, além dos trens da Central. Eram os tempos do teatro rebolado de Carlos Machado e suas ‘certinhas’ do Teatro Serrador, na Lapa. Contemporâneo do inspirado Antônio Maria, autor da eterna Valsa de uma Cidade e de Ninguém me Ama. Os, digamos, operadores da linha Tijuca-Copacabana (entre outras) deixaram os Chevrolet, Ford e Dodge e foram para o L-312, que saia de fábrica como caminhão, tinha a cabine vendida para terceiros e recebia a carroceria de lotação. O torpedo permanecia e dentro do salão, capacidade para 25 lugares. Por aí.
Veio o governador Carlos Lacerda, primeiro eleito para o abandonado estado da Guanabara (a capital foi para Brasília) e proibiu as tais lotações. Os bondes também foram se aposentando. O poder concedente passou a pedir ônibus. Mas a Mercedes já lançara o LP-321, cara-chata. Seu chassi pelado permitia melhor aproveitamento, abrigando o cofre do motor dentro do salão.
Os primeiros passos da Mercedes no Brasil representaram o surgimento da indústria automotiva no país. Já o balanço atual, visto por quem seguiu a estrela por tanto tempo, é de irônico desencanto. Em 1956, o descortinar do horizonte mostrava um cenário de amplas oportunidades, expansão da economia no país inteiro. Confiança no futuro. Em 2016, sombrio contraste. Exatamente no mês do 60º. aniversário, merecedor de festejos nas ruas e estradas, Philipp Shiemer, atual presidente da MB, expressa seu amargor em entrevista à revista Veja de 14 de setembro: “A situação está tão ruim que, se não forem tomadas providências agora, as conseqüências serão fatais. Isso é muito claro. A indústria no Brasil está à beira da morte”.
Apesar do dito contundente, prefiro fechar os olhos à titubeante realidade. E que esta não se atreva a me tirar a voz, porque quero e vou gritar: Parabéns Mercedes-Benz!
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