PRF diz que trabalha com a visão de acidente zero, mas controle da sinistralidade depende de um conjunto de medidas que necessitam ser tomadas pela sociedade
Nelson Bortolin
Embora já tenham sido mais numerosos, os acidentes com caminhões e mortes decorrentes desses acidentes ainda são um problema muito grave no País. E tende a se agravar caso haja um novo ciclo duradouro de crescimento econômico.
Em entrevista à Revista Carga Pesada, o coordenador de Prevenção e Atendimento de Sinistros da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Paulo Sérgio Guedes de Oliveira, afirma que a instituição trabalha com a visão de acidente zero. “Nenhuma morte é admissível.”
Mas ressalta que controlar a sinistralidade é uma tarefa que depende de vários fatores, desde a qualidade das rodovias, passando pela jornada de trabalho dos motoristas profissionais, e pela conscientização de todos os condutores.
“A gente verifica índices crescentes de fluxo nas rodovias pós 2020 até por conta de uma economia mais aquecida, de um país em crescimento, que almeja crescer mais. Esse crescimento vai trazer consigo mais veículos de carga, porque são a base da nossa economia. Controlar os acidentes nesse cenário é um grande desafio”, afirma.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida por ele:
Além da redução da atividade econômica, algum outro fator explica a queda do número de acidentes nas rodovias federais?
Em 2012, nós tivemos uma mudança na Lei Seca, que passou a ser tolerância zero, ou seja, passou a proibir qualquer quantidade de ingestão de álcool pelos motoristas. E o valor da multa aumentou bastante. Aumentou mais que o dobro.
Também tivemos a adesão do Brasil ao programa da ONU (Organização das Nações Unidas) de redução de acidentes, que começou em 2011 (Década de Ação pela Segurança no Trânsito). O Brasil voltou os olhos para as mortes no trânsito. Hoje nós já estamos na segunda década da ONU. A primeira foi de 2011 a 2020. Agora vai de 2021 a 2030.
Por parte da PRF, nós tivemos a intensificação das nossas atividades de fiscalização.
E a implantação do exame toxicológico que tornou-se obrigatório em 2016?
É uma medida muito boa, muito positiva.
Mas na época da implantação houve uma polêmica grande pelo fato de ser um exame caro e de mostrar se a pessoa usou drogas nos últimos três meses e não necessariamente se está dirigindo sob efeito de drogas.
A gente imagina que o estudo que foi feito para a elaboração da norma foi muito bem executado. A ideia é fazer com que usuários contínuos de substâncias psicoativas não conduzam veículos
A questão da carga horária do motorista profissional? Em 2013 foi implantada a Lei do Descanso, que reduziu o tempo de direção. Mas em 2018 essa lei foi flexibilizada. O caminhoneiro brasileiro dirige muito?
A gente observa que ele sempre trabalha muito. E eu não estou dizendo que seja por conta da empresa ou não. Muitas vezes ele trabalha demais e isso representa um grande risco. A gente vê os sinistros de trânsito ocorrendo por sono, por motoristas cansados e não só pela jornada, mas por não cuidar da saúde. Os condutores precisam cuidar da sua saúde porque eles pode ter um mal súbito na condução desses veículos.
Como o senhor analisa os números de acidentes e mortes hoje? Ainda estão num nível muito alto?
É possível diminuir certamente. Devemos diminuir. Nós, enquanto órgão de trânsito, buscamos zero mortes. Nenhuma morte é admissível. Temos até programas que vão nesse sentido.
Agora, para que isso seja de fato efetivado, é necessário um conjunto muito amplo de medidas, que passam pela jornada de trabalho daqueles condutores e passam pelo monitoramento, controle da saúde deles. E também passam pela segurança dos veículos, pelo controle de peso dos veículos, a qualidade das rodovias.
As rodovias precisam ser construídas de forma que permitam corrigir os erros que os motoristas cometem, porque os motoristas sempre vão cometer erros.
As rodovias precisam ser planejadas para que não haja a invasão do sentido contrário. As pistas de lugares com maior movimentação precisam ser duplicadas. As pistas precisam ser controladas com os limites de velocidade.
E precisa é claro da atuação dos órgãos de trânsito na fiscalização, para fazer com que a lei seja cumprida. É preciso criar a consciência do condutor de que ele é responsável pelas vidas de muitas pessoas. Ele precisa respeitar as normas de trânsito.
O ser humano é responsável por quase 100% dos acidentes. Quando o ser humano não é diretamente responsável, ele está envolvido no processo. Por exemplo, quando ocorre um acidente por defeito mecânico, muitas vezes é porque o motorista não fez a manutenção adequada.
Nos últimos anos, a PRF passou a atuar mais com foco no combate à criminalidade. Há quem diga que, com isso, a instituição passou a cuidar menos da segurança viária. Como o senhor vê essas críticas?
O que eu posso dizer é que a Polícia Rodoviária Federal, ela não separa isso. Porque toda a nossa atuação, ela é pautada como órgão de segurança pública, numa visão mais abrangente de segurança pública, que engloba também a segurança viária.
O que eu quero dizer é que nós enxergamos a segurança pública como uma coisa só, para que nós não tenhamos vidas sendo ceifadas, seja por sinistros de trânsito ou pela criminalidade.