NELSON BORTOLIN
Após mais de dois anos de recessão e com os fretes achatados, os transportadores de cargas precisam “se virar nos 30” para sobreviver. Além de cortes de despesas, as empresas de transporte e os caminhoneiros estão tomando medidas para buscar o máximo de eficiência com o mínimo de frota. No setor de grãos, um implemento que começou a ser usado em 2013 está ganhando mercado com a crise econômica: a carreta LS com quatro eixos. As fábricas não produzem o implemento.
Quem quiser, tem que mandar instalar o quarto eixo isolado do tandem triplo numa oficina. Com ele, o PBTC da configuração, que pela portaria 63/09 do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) era de 48,5 toneladas, passa a 58,5 toneladas. Ou seja, 1,5 tonelada a mais que o bitrem de sete eixos. Além de ser composta por apenas um implemento, a combinação tem a vantagem de não exigir cavalo 6×4 – pelo menos na visão de quem a está adotando.
Só que a inclusão desse quarto eixo abre uma polêmica parecida com a que ocorreu em 2012, com a transformação dos sete-eixos em bitrenzões (de nove eixos): a medida é legal ou não? Transportadores têm recorrido à Justiça e obtido liminares para trafegar com os quatro eixos. Ou seja, pelo menos até que os juízes analisem o mérito dos processos, eles estão seguros.
A reportagem teve acesso a uma liminar emiti da recentemente no Paraná, na qual o juiz aceitou o argumento de que a inclusão do quarto eixo constava do Certificado de Registro e Licenciamento da carreta. E escreveu que a inclusão “aparentemente é regular”.
Guilherme Novakowski, diretor comercial da Germani Implementos, de Maringá, tem feito a transformação das LS. Para ele, trata-se de uma configuração que vai “explodir” no mercado. Na Germani, o serviço custa R$ 20 mil. Segundo Novakowski, a alteração tem respaldo numa resolução do Contran, a 292, que trata de modificações de veículos.
Ele ainda argumenta que a carreta de quatro eixos é menos prejudicial ao pavimento que a vanderleia legalizada pelo Contran. Segundo o diretor, a polícia rodoviária “acata” a carreta de quatro eixos e só discorda do PBTC. “Nós dizemos que são 58,5 toneladas e eles dizem que são 54,5 toneladas”, afi ma.
Ele também cita a norma técnica 007 da PRF, de 2015, como prova de que o implemento é legal. O documento “suspende e relativiza a fiscalização” do quarto eixo em caminhão e semirreboque.
Por meio da assessoria de imprensa, no entanto, a PRF informou à Carga Pesada que “a configuração em questão não é reconhecida”. Mesmo assim, sustenta que a norma técnica permanece em vigor e que a fiscalização continuará suspensa “até que o órgão máximo normativo e consultivo de trânsito emita manifestação conclusiva sobre o tema”. Também pela assessoria de imprensa, o Contran afirmou que a configuração “não é contemplada” pelas suas regulamentações e tampouco pela portaria 63/2009, cujo anexo tem todos os desenhos de combinações permiti das no País. Mais: segundo o Contran, pela resolução 373/11 é necessário haver tração 6×4 para qualquer veículo com PBTC igual ou maior que 57 toneladas.
Vale ressaltar que o Dnit autoriza carretas de quatro e até seis eixo para o transporte de cargas indivisíveis, mas não de carga comum.
Neuto Gonçalves dos Reis, diretor Técnico Executi vo da NTC&Logísti ca e membro da Câmara Temática de Assuntos Veiculares do Contran, foi curto e grosso quando falou com a Carga Pesada sobre a carreta de quatro eixos: “É ilegal”. E completou: “Ela é curtinha. Concentra muita carga nas pontes. Tem uma série de problemas. Aqui no Brasil fazem tudo errado para forçar a legalização depois”. Além disso, afirmou que a transformação dessas carretas não traz vantagem nenhuma para o transporte de carga. Pelo contrário: “Quanto mais carga leva, menor o frete por tonelada”.
O superintendente do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de Maringá (Setcamar) e coordenador da Câmara do Agronegócio da NTC&Logísti ca, Geasi Oliveira de Souza, diz o mesmo: “Quanto mais carga colocamos nos nossos veículos, mais desvalorizado fica o frete. E isso só piora a situação num momento em que estão sobrando caminhões no mercado”. Para ele, não é “inventando novos implementos” que o setor irá superar a crise.
A Carga Pesada voltou a fazer contato com o Contran para repercuti r a liminar concedida no Paraná e também para perguntar por que os Detrans emitem os documentos da carreta, se ela é considerada ilegal. A resposta veio cheia de evasivas. Sobre a liminar, o órgão respondeu: “A competência para se manifestar sobre processos judiciais é da AGU (Advocacia Geral da União)”. Quanto ao motivo da expedição de documentos de veículos tidos como irregulares, a assessoria disse que a pergunta deveria ser feita aos Detrans. Acontece que os certificados de segurança veicular (CSV) são emiti dos pelo Denatran. Sem os CSVs, os Detrans não liberariam as carretas.
FALA CAMINHONEIRO
“Tem de trabalhar no frete certo, e não fazer o caminhão virar um trem cheio de vagões trabalhando barato. Esses grupos – JBS, Minerva, grandes usinas – estão cada vez mais ricos e não repassam nada para o frete.” Edmilson Borges, Barretos (SP)
“Eu sou a favor. Não existe nada que impossibilite a carreta de quatro eixos, é uma evolução natural. Já dirigi caminhão Volvo com quatro eixos, por que não pode haver carreta?” Diógenes de França, Rio de Janeiro (RJ)
“Os bobineiros estão usando algo parecido. Já vi rodotrem com 10 eixos saindo do Porto de São Francisco, em Santa Catarina. Enquanto o Brasil não investi r pesado em ferrovias, os empresários conti nuarão a inventar meios de embarcar mais peso sobre os caminhões.” Evandro Stopassole, Joinville (SC)
“Eu sou contra. Hoje não cabe mais o transportador pensar em se dar bem e acabar com o piso asfálti co. Chega de tantas alterações enfi adas goela abaixo nos órgãos governamentais. Já temos em uso os mais diversos modelos regulamentados. A polícia rodoviária deve coibir esses abusos”. Jorge Olegário, Caruaru (PE)