Situação deve piorar bastante até 2026 porque estima-se que 30% dos caminhoneiros empregados vão se aposentar

Nelson Bortolin

Enquanto o número de motoristas brasileiros habilitados em todas as categorias aumentou em 48,6% (de 53,885 milhões para 80,101 milhões), de dezembro de 2011 a janeiro de 2023, a quantidade de condutores com CNH específica para dirigir carretas e caminhões caiu praticamente 18%, no mesmo período. Passaram de 5,315 milhões para 4,367 milhões.

O número de habilitados para serem motoristas profissionais começou a cair em 2016 e não parou mais.

Porcentualmente, os motoristas com carteiras C (para caminhão), E (para carreta), AC (para moto e caminhão) e AE (para moto e carreta) representavam quase 10% do total em 2011. Agora representam 5,4%.

Os números do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) corroboram as queixas das empresas de transporte, que alegam ter vagas em aberto por falta de mão de obra.

E a situação deve piorar porque, até 2026, segundo o Instituto Paulista do Transporte de Cargas (IPTC), do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de São Paulo (Setcesp), 30% dos atuais caminhoneiros empregados vão se aposentar e não há jovens ingressando na profissão.

E o Denatran mostra que o número de jovens entre 19 e 25 anos que se habilitam para dirigir caminhões e carretas caiu para menos da metade desde 2011. Eles eram 118,4 mil naquele ano e passaram para 53,7 mil em 2022.

Mas, por que isso está acontecendo num País que tem altos índices de desemprego?

Para Raquel Serini, coordenadora do IPTC, o principal problema nem é o salário, mas as condições de trabalho. “Falta estrutura para o motorista descansar nos pontos de parada. Tem a questão da segurança, a demora para carregar e descarregar, a distância da família”, enumera.

A falta de motoristas para o transporte rodoviário de carga não é um problema apenas do Brasil. Estados Unidos e Europa também se queixam da escassez desta mão de obra. Mas, segundo o instituto, por aqui, os salários são “menos competitivos”. “O motorista na Europa recebe cinco vezes o valor de um salário mínimo. No Brasil, a média do caminhoneiro é de duas vezes o salário mínimo”, declara.

Ela salienta que em, São Paulo, o piso da categoria vai de R$ 2.300 a R$ 2.900 dependendo do veículo a ser pilotado. “O Caged aponta que a média salarial do motorista em São Paulo está 7% abaixo do piso”, conta.
Mas faz uma ressalva: os valores não levam em conta possíveis bonificações pagas pelas empresas. Só são repassadas ao Caged as informações que constam na carteira de trabalho.

“Dificilmente um motorista rodoviário (empregado) leva para casa menos que R$ 5 mil, R$ 6 mil”, afirma o presidente do Setcesp, Adriano Depentor. Ele ressalta que, pelo nível de escolaridade que o mercado exige (muitos motoristas não fizeram o ensino médio), seria difícil para o profissional encontrar outro tipo de emprego. “Poderia ser motorista de aplicativo na cidade. Mas, para ganhar R$ 6 mil, precisaria trabalhar umas 20 horas por dia, sete dias por semana”, compara.

Sem contar que, como empregado, além de todos os direitos previstos na CLT, dependendo da empresa, o motorista ainda tem direito a benefícios como plano de saúde e prêmios.
Mas, assim como Raquel, o presidente do sindicato acredita que não é a remuneração que afasta o motorista. “Trata-se de uma atividade desgastante em que o sujeito fica fora de casa muito tempo. A ausência do lar pesa muito.”

Na opinião dele, antigamente, havia um romantismo em torno da profissão. “O cara tinha uma sensação de liberdade. Saía para conhecer lugares que não conheceria de outra forma. Levava uma vara de pescar embaixo da carroceria e, de vez em quando, podia parar na beira de um rio.”

Conforme os assaltos e roubos de carga começaram a aumentar no País, esses profissionais passaram a viajar mais tensos. E hoje há uma série de controles que vão contra aquele ideal de liberdade. “Aí teve o advento das tecnologias como o rastreador que controla tudo a distância. As janelas dos caminhões ganharam telas de proteção”, exemplifica.

Questionado se uma saída seria oferecer empregos para caminhoneiros autônomos, que têm cada vez mais dificuldade de manter um veículo em boas condições, Detentor tem suas dúvidas. “Há muitas regras e rotas definidas pelas empresas. Não sei se eles, que estão acostumados a uma certa autonomia, se acostumariam com muita facilidade.”

A falta de interesse dos jovens pela boleia, na opinião do presidente do sindicato, também tem a ver com o sacrifício que os pais caminhoneiros fizeram para que os filhos estudassem e pudessem ter uma profissão menos desgastante. “No linguajar dos próprios caminhoneiros, eles comeram muita lua para poder fazer seus filhos estudarem.”

O sindicato vem orientando as empresas filiadas a promover formação de motoristas internamente. “Devem procurar treinar funcionários que atuam como ajudantes ou conferentes para dirigir caminhões.”
Abrir as portas da emprega para caminhoneiras também é outra dica da entidade.

Segundo Detentor, o Sest Senat tem feito sua parte financiando processos de habilitação em todo o País.
Ele ressalta que o risco de um apagão de mão de obra nos próximos anos é real. “É matemático. Se a cada ano estão se aposentando dez motoristas e somente seis entram na profissão, há um saldo negativo de quatro que vai se acumulando.”

Cresce número de mulheres com CNH para carretas

A coordenadora do IPTC, Raquel Serini, tem uma boa notícia: as mulheres estão assumindo a boleia de veículos articulados. Quando se comparam os anos de 2021 e 2022, houve uma migração de habilitadas que tinham CNH na categoria C para a E.

Mas, no cômputo geral (categorias C, E, AC e AE), mesmo entre as mulheres, houve redução no número de novas carteiras. Em dezembro de 2021, havia 121.333 mulheres nessas categorias. Já, em dezembro de 2022, eram 114.348, ou seja, uma queda de 5,7%.

Especificamente na categoria C e AC, que permitem pilotar caminhão, o número de habilitadas saiu de 97.997 para 88.835. Ou seja, são 9.162 habilitações a menos. Parte desta queda foi compensada porque 2.177 mulheres migraram para as categorias que permitem dirigir carretas (E e AE). Elas eram 23.319 em dezembro de 2021 e passaram a 25.496 em dezembro de 2022.

Desde o início do levantamento disponível no site do Denatran, em 2011, o número de habilitadas para dirigir caminhões e carretas cresceu quase 80 vezes, saindo de apenas 1.433 para 114.338.

HOSTILIDADE

Um fator que ainda dificulta a entrada de mulheres no setor, segundo Raquel, é um certo receio da hostilidade do homem do ambiente de trabalho. Ela cita iniciativas como o Movimento Vez e Voz como positivo para mudar essa realidade.

Outro temor é quanto à estrutura dos pontos de paradas nas estradas. “Não tem nem banheiro para elas usarem.”

Para a coordenadora, tanto o governo como a iniciativa privada têm a função de incentivar jovens e mulheres na profissão. Para isso, uma boa medida é o financiamento do processo de habilitação nas categorias C e E para quem tem interesse pela boleia.

Salário não é ruim, dizem motoristas empregados