Histórico mostra que quantidade de sinistros oscila de acordo com o momento econômico do País

Nelson Bortolin

O número de acidentes envolvendo caminhões nas rodovias federais cresceu 5% no ano passado, quando foram registradas 18.808 ocorrências. Já as mortes neste tipo de acidente aumentaram 8%. Foram 2.805. A estatística é da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

O número de mortes em 2023 é 16% maior que o de 2018, quando a PRF registrou o menor número de casos: 2.420. Mas está mais distante ainda (27% abaixo) das mortes verificadas em 2011. Naquele ano, foram 3.861 óbitos, um recorde histórico.

A Lei do Descanso e a implantação do exame toxicológico podem ter contribuído para a alteração dos números ao longo os anos. Mas uma análise mais cuidadosa das estatísticas da PRF casadas com a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro revela uma relação estreita entre o momento econômico e a sinistralidade.

Na primeira década deste século, quando o Brasil experimentou o maior ciclo de crescimento da história, com o PIB subindo anualmente acima de 3%, os acidentes envolvendo caminhões e as mortes só aumentaram.

A curva começou a inverter justamente em 2012, quando o País se aproximava da crise econômica cujo ápice se deu nos anos de 2015 e 2016, com recessões de 3,5% e 3,3%%, respectivamente. Foi nesse momento que as estradas federais registraram menos acidentes e mortes.

As estatísticas começaram a subir novamente assim que o crescimento foi retomado, ainda que de modo tímido.

A exceção foi o ano de 2020, quando a economia brasileira recuou 3,3% por causa da pandemia do novo coronavírus. Pela lógica do PIB, os acidentes e mortes deveriam ter recuado também. Mas tiveram leve aumento. Em 2019, foram 2.533 mortes e, em 2020, 2.644.

Uma das hipóteses levantadas pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) para explicar o aumento de mortes na pandemia é que tenha ocorrido com os caminhoneiros o mesmo que aconteceu com os mototaxistas nas grandes cidades. “Em São Paulo, como estava todo mundo em isolamento, os mototaxistas tiveram aumento de trabalho e se sentiram à vontade para aumentar a velocidade, causando acidentes mais sérios”, afirma o diretor da entidade, José Heverardo Montal.

O médico diz ser difícil determinar o impacto do exame toxicológico, implantado em 2016, sobre os acidentes. Mas ele acredita que é um fator importante. “Acreditamos que houve uma redução de acidentes com a implementação da lei do exame.”

De acordo com o diretor, apesar de os veículos pesados representarem em torno de 5% da frota total, eles respondem por mais de 40% dos sinistros com óbitos no Brasil. “A física explica: veículos de grande massa têm um potencial nocivo maior do que um automóvel de passeio”, afirma.

Em acidentes entre caminhões e carros, de acordo Montal, os ocupantes de automóvel têm quatro vezes mais chance de morrer que os dos caminhões.  Em média, segundo os números da PRF, para cada morte de ocupante de veículo de carga, morrem 3,5 pessoas que estavam nos carros.

O médico ressalta ainda o fato de o condutor de caminhões permanecer mais tempo dirigindo e portanto mais sujeito a cansaço.

Para a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), o crescimento do número de acidentes e mortes no último ano pode estar relacionado a um aumento na movimentação de veículos de cargas devido à safra recorde de grãos. “Outro fator com potencial de risco de acidentes é a condição de estrutura das estradas”, afirma o assessor Institucional da entidade, Alan Medeiros. Ele cita uma pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), do ano passado, que classificou 70% das rodovias brasileiras como ruins. “Esse índice foi ainda pior em estados importantes para o transporte de cargas, como Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde a condição piorou de um ano para outro, segundo o levantamento.”

Além de melhorar a infraestrutura rodoviária outra medida que pode ajudar a reduzir os acidentes, na visão da CNTA, é a construção de pontos de parada e descanso (PPDs) adequados para o motorista. “É fundamental que o caminhoneiro tenha locais ideais para o descanso e, consequentemente, melhor condição física e mental para transportar com segurança.”

Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), nos anos de 2015 e 2016, foram feitas mudança nos registos de sinistros pela instituição. Deixaram de ser consideradas ocorrências como batidas leves entre veículos. Por isso, houve uma queda abrupta no número de acidentes nesse período. No entanto, a curva de mortos e feridos não foi impactada por essas mudanças.

Leia entrevista com o coordenador de Prevenção e Atendimento de Sinistros da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Paulo Sérgio Guedes de Oliveira,