Tocar no tema da BR-381 Norte (MG) causa embrulho no estômago. É a falada ligação BH com Governador Valadares e acesso à Rio-Bahia (BR-116). O assunto tornou-se a mais longa novela de obra rodoviária do País
LUCIANO ALVES PEREIRA – Fotos: Sérgio Caldeira
Com a particularidade de ter sido acompanhada por este repórter desde quando a estrada era identificada por BR-31 (até João Monlevade) na década de 1950. Seu asfaltamento beneficiou a Siderúrgica Belgo-Mineira (hoje ArcelorMittal), instalada às margens do rio Piracicaba. A empresa contava até então apenas com a Estrada de Ferro Central do Brasil. Alcançou também a histórica Empresa de Transportes Asa Branca (descontinuada), uma das pioneiras do TRC mineiro, sediada em Nova Lima. Era exclusiva no atendimento à Belgo.
Várias vezes viajei a Monlevade de carro na década de 1960 e estava na cara que a pavimentação não tocara no traçado da via (nem podia). Apenas melhorou o piso da trilha por onde passavam tropeiros e suas mulas, em épocas anteriores.
Era puro serrote de picos e vales, imposto pela sucessão de serras, afetando de várias formas o fluxo de veículos por suas mais de 200 curvas e inumeráveis rampas nos 100 quilômetros de BH a Monlevade. Pude ainda constatar o sofrimento dos caminhoneiros de Mercedinhas, principalmente carregadas, pedindo 2ª marcha em cada rampa. Foi no período em que a Revista Veículo (também descontinuada) fazia testes de caminhões no trecho, sempre com o apoio da mencionada Asa Branca.
DEBOCHE − O serrote lá estava, irremovível, e o volume do tráfego aumentava. A lentidão, acidentes etc. ficaram insustentáveis. Nos anos 1970, o governo de Geisel determinou que estatais, localizadas no eixo da via, disponibilizassem recursos para ampliar a capacidade daquela parte da BR-381. Assim foi feito. Usiminas, Acesita e Cenibra custearam a ampliação da estrada e esta passou a comportar quatro faixas de tráfego, em formato de multivias.
Melhorou por certo tempo. O Volume Médio Diário (VMD) crescente, bem como o fluxo para o Nordeste, fizeram da BR-381 a rodovia da morte, também apelidada de ‘horrordovia da morte’. E o governo federal, quieto, ficou imóvel. Soltava verbas para o Rio, do honorável Sérgio Cabral, Estrada do Parque, em Porto Alegre, metrôs no Rio, Salvador, Recife, Fortaleza e até d’além-mar. A 381 saturada continuou matando. Além de prejudicar economicamente o Vale do Aço.
Em 2009, um certo engenheiro Pagot, diretor-geral do DNIT, visitou a BR e, com jeito de sabichão, proclamou: “Esta estrada deveria estar duplicada há mais de dez anos”. O seu comentário vinha carregado de ironia. Partia de quem sabia que os governos do PT não iriam investir em Minas por pirraça à administração do PSDB. Como cruelmente aconteceu. Pouco tempo depois, sucessores de Pagot tiveram uma ideia brilhante: “Vamos privatizar a 381”. Felizmente alguém do Ministério dos Transportes alertou quanto ao desatino da ideia.
OCUPAÇÕES − Por quê? Porque trata-se de uma obra extremamente cara, requerendo túneis e longos viadutos. E não apenas isso. Após décadas de acomodação dos estáveis procuradores do antigo DNER, mais de 8 mil famílias ocuparam a faixa de domínio da estrada, sem qualquer objeção. A coisa virou um imbróglio. Começa no final do Anel Rodoviário de BH, em direção a Valadares, estendendo-se às proximidades do trevo de Caeté – mais de 30 quilômetros.
Para não parecer alarmismo, é bom destacar que a concorrência – sim, acabou vindo, em socorro ao candidato petista, vitorioso, Fernando Pimentel, ao governo do Estado –, ainda na administração de Dilma Rousseff, previa à empreiteira ganhadora o reassentamento dos ocupantes. Como esperado pelos participantes, o referido Lote 8A/B ficou sem interessados.
Por iniciativa do atual governo, insiste-se na problemática privatização. A empresa que vencer a licitação, marcada para o ano que vem, deverá reassentar os moradores irregulares ao custo estimado de R$ 600 milhões, conforme valor publicado na imprensa local.
Tais complicações, é claro, vão para o cálculo da tarifa, já formatada, nos valores para efeito de licitação de R$ 8,54 (pista simples) e R$ 11,10 (pista dupla). Taí a flexibilização apresentada pelo Ministério dos Transportes. Tudo para atrair participantes à concorrência. Outra novidade: a extensão de uma perna de BR-262 até Viana/ES (confluência com a BR-101). Previstos cinco pedágios até Valadares. Três até Monlevade (em pouco mais de 100 quilômetros!). Na 262, outros cinco pontos de cobrança.
Situadas em outro mirante, as entidades de classe (patronal) das empresas do TRC mineiro – Fetcemg e Setcemg – interpretam a trapalhada da rodovia da morte como um rolo em ‘vias de encaminhamento’. Pelo visto, filiam-se ao ponto de vista do senador Carlos Viana (PSD-MG). Ele reconhece o valor elevado dos pedágios, mas entende que “a concessão é a única maneira de tirar a duplicação do papel”. Assim, seguindo os prazos do edital da concessão, foram encaminhadas as contribuições das associadas mineiras, convertidas em sugestões à ANTT (Agência Nacional dos Transportes Terrestres).
São 12, já com jeito de recomendações por serem básicas a qualquer rodovia troncal que se proponha ser implantada nos tempos de agora. Por exemplo, obrigatoriedade de reserva de áreas para Pontos de Parada e Descanso, a cada 100 quilômetros; pista de fuga (escape ramps), em descidas longas; postos de atendimento para acidentes com cargas perigosas; gabarito mínimo de 7 metros em túneis e viadutos; e baias exclusivas nos pedágios para carga fora do padrão.
Além dessas, protocolaram sugestões de foco econômico, tecnológico, de desoneração de impostos e forma moderna de cobrança da tarifa pelo uso dos quilômetros percorridos.
Já a nós, do modal rodo, simples usuários da BR-381, resta esperar… esperar décadas o que poderia ter sido resolvido há dez anos. Palavras do doutor engenheiro Pagot.