O transporte rodoviário na Amazônia é uma aventura. Não existem estradas, mas há rios e balsas lentas e perigosas. E cargas valiosas, como motocicletas, eletrônicos e outros produtos fabricados na Zona Franca de Manaus. Veja nas páginas seguintes o que os caminhoneiros (e as empresas) passam para ligar a região Norte ao resto do Brasil…
Nelson Bortolin
Se na maior parte do País a infraestrutura rodoviária não está à altura do dinamismo do transporte de carga brasileiro, imagine na região Norte, principalmente no Amazonas, onde o problema é a total inexistência de rodovias. Um carro ou caminhão só chega a Manaus de balsa, através do Rio Madeira (de Porto Velho) ou do Amazonas (de Belém). Sobre essas embarcações, numa aventura demorada e perigosa, são transportadas até 40 carretas, a maioria sem o cavalo mecânico.
A maior parte da produção da Zona Franca de Manaus chega ao resto do Brasil dessa forma. A viagem de balsa pode durar seis dias, para então seguir por rodovia. A Superintendência da Zona Franca (Suframa) estima que isso encareça os produtos em até 55%. Ou seja, todo o incentivo fiscal concedido às indústrias instaladas lá se perde no escoamento da produção.
Os caminhões da Transportadora Marvel, com sede em Chapecó (SC), levam em torno de cinco dias para chegar a Porto Velho, carregando carnes, frutas, chocolate. Depois, podem demorar de cinco a oito dias na balsa para descer o Rio Madeira. “Depende do nível da água, que é mais alto (e a viagem mais rápida) de março a setembro”, segundo o gerente de operações, Erni Canísio Follmann. A volta é sempre pelo Pará, porque subir o Madeira demoraria ainda mais.
RETORNO – “Quando a água baixa muito, a ida também é por Belém”, conta Erni. De Chapecó a Porto Velho, são 3.000 km. De Chapecó a Belém, 4.700 km. Mesmo assim, em certas épocas compensa rodar mais por terra e pegar o Rio Amazonas em Belém. “Não há problema de sazonalidade no Amazonas. São mais ou menos quatro dias de viagem”, justifica.
A Costeira só faz a rota de Manaus por Belém. “Levamos de 10 a 15 dias para ir ou para voltar”, afirma o gerente. A parte rodoviária toma 84 horas (três dias e meio). A empresa leva matéria-prima industrial e também carga fracionada para o comércio. Na volta, carrega motocicletas e aparelhos eletrônicos produzidos na Zona Franca.
SÓ CARRETA – Só as carretas são embarcadas nas balsas. Os cavalos ficam esperando. Em Manaus, a movimentação é feita por contratados.
Mas não são apenas os aspectos geográficos e de infraestrutura que complicam a movimentação de mercadorias entre o Norte e o Sul. A segurança também preocupa, principalmente quando se trata de levar eletroeletrônicos. O proprietário da Transportes Bertolini, Irani Bertolini, diz que é preciso investir em gerenciamento de risco.
Descendo a Belém–Brasília, a atividade fica mais arriscada a partir de Goiânia, quando as seguradoras passam a exigir escolta armada para as cargas de eletroeletrônicos. “Fazemos comboios. Temos constantemente três caminhonetes monitorando nossa frota na Belém–Brasília”, prossegue Irani.
Manter os caminhões circulando no Norte também não é fácil, segundo ele, pois falta assistência técnica. “A maioria das concessionárias não tem estoque de peças. Mesmo de avião, uma peça pode demorar oito dias para chegar.”
Este gaúcho se sente em casa na Amazônia
Poucos conhecem a realidade do transporte de mercadorias na região Norte como o gaúcho Irani Bertolini, que é hoje presidente da Federação das Empresas de Transporte da Amazônia. Em 1976, como autônomo, ele fez sua primeira viagem a Manaus, saindo de Bento Gonçalves com um Mercedes 1111 carregado de móveis. Ida e volta, foram 40 dias.
Hoje dono da Transportes Bertolini, ele explora tanto o transporte rodoviário quanto o fluvial. Tem uma frota de 40 empurradores e 60 balsas graneleiras, além de 300 caminhões e 1.500 semirreboques do tipo furgão.
Só em 1992 é que Irani se mudou para o Amazonas. Ele lembra que, após a primeira viagem, em 76, decidiu abrir uma empresa para levar móveis do Sul a Manaus. “A Belém–Brasília tinha sido recém-asfaltada e na Cuiabá–Porto Velho eram 1.500 km de chão batido. Às vezes, a gente tinha de improvisar pontes para passar”, conta. Segundo o empresário, até então os móveis só chegavam ao Amazonas de navio. “Não havia contêineres e os móveis sofriam grandes danos na viagem.”
Não há previsão para a construção de estradas
Segundo a coordenadora geral de estudos econômicos e empresariais da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), Ana Maria Souza, as 500 empresas lá instaladas vão faturar este ano, com crise e tudo, algo em torno de 25 bilhões de dólares.
O valor (e a produção física) poderia ser bem maior se não fosse o alto custo do transporte de mercadorias, na opinião dela. “Alguns produtos chegam aos centros de consumo até 55% mais caros devido ao transporte. Esse acréscimo neutraliza tudo o que o fabricante ganha em incentivo de IPI e Cofins por estar em Manaus.”
Não há perspectiva de melhoras para o escoamento da produção. Algumas possíveis soluções estão em estudos, mas encontram resistência. “Uma delas seria a BR-319, ligando Manaus a Porto Velho.” A rodovia hoje se encontra intransitável e precisaria ser “refeita”, diz Ana Maria. “Mas é preciso analisar o impacto ambiental desta obra”, lembra. Fala-se também em fazer uma ferrovia nesse mesmo trajeto, entre Manaus e Porto Velho, mas não há nada concreto.
Melhorar o transporte fluvial, com a implantação de uma hidrovia pelo Rio Madeira, é outra proposta. “Falar em hidrovia significa fazer uma sinalização adequada no rio e em suas margens, o que diminuiria a demora e aumentaria a segurança das viagens”, explica Ana Maria.