O nome dele é Carlos Roberto Esteves. O apelido, Urtigão. Rodou o Brasil por 45 anos, mas gosta mesmo é de treinar caminhoneiros. Muitos aprenderam com ele. Precisamente, 317. Conheça-o e aproveite: Urtigão sabe tudo de dirigir caminhão
Entrevista: Dilene Antonucci
Texto: Guto Rocha
Respeito e cavalheirismo no trânsito e nas estradas. Esta é a receita muito simples que o “treinador” de motoristas de caminhão Carlos Roberto Esteves, apelidado de Urtigão, oferece a seus alunos. Basta isso para se dar bem.
A intimidade e o conhecimento do Urtigão com os brutos e as rodovias vêm de longe: ele nasceu na boleia do caminhão de seu pai! “Nasci na estrada, em São José dos Ausentes (RS), mas fui registrado e batizado em Adamantina (SP), porque onde minha mãe deu à luz não tinha nem cartório”, informa.
Por 45 anos, Urtigão rodou o Brasil dirigindo caminhões. Hoje, é master driver Scania e trabalha na P.B. Lopes, em Maringá (PR). O apelido, diz ele, é consequência do seu “gênio forte”: Urtigão é um personagem mal-humorado dos gibis de Walt Disney, que vive com uma cartucheira pendurada nas costas. Mas o Urtigão desta história é boa praça e bom de conversa. “Dizem que sou bravo, mas eu apenas gosto das coisas certas”, afirma.
Certa ocasião, Urtigão foi trabalhar numa empresa de transporte de cargas cujo dono também tinha uma autoescola. Como na época havia muito caminhão parado por falta de motoristas, ele foi convidado para treinar e formar novos caminhoneiros. Por três anos e meio, deu aulas de direção e à noite preparava uma apostila voltada para caminhoneiros.
Deu muito certo. Urtigão levou seus anos de experiência na estrada para a sala de aula. “E a minha experiência diz que a primeira regra para se dar bem no trânsito é tratar a todos com respeito e cavalheirismo. Comecei por aí e fui montando um PowerPoint (programa de computador) sobre o tema. Cheguei a ter 60 alunos na sala e todos foram aprovados”, afirma.
E não parou mais de formar motoristas. “Sei o número exato: foram 317 que começaram comigo, e todos estão vivos e trabalhando”, conta, orgulhoso. Segundo ele, seus alunos tiveram três meses de aulas teóricas.
Ele mostrava acidentes violentos para chamar a atenção. “Queria mostrar que a profissão exige responsabilidade. O erro de um caminhoneiro pode matar mais gente que o de um médico”, compara.
Em 2008, foi contratado pela P.B. Lopes para ser master driver. Aí aprendeu que o motorista deve se dispor a aprender sempre. “Os caminhões ficam mais modernos, algumas estradas melhoraram, mas a gente tem que entender que as regras de trânsito permanecem”, observa.
Urtigão ensina que o motorista tem que estar “totalmente concentrado no que está fazendo”. “Mais até que um piloto de avião ou um comandante de navio, que têm uma assessoria. Se houver turbulência ou tempestade esperando na frente, eles vão ficar sabendo antes. No caminhão não tem alguém para avisar o que vem depois da próxima curva. Se o motorista não estiver ligado, pode ficar marcado pela tragédia”, comenta.
O professor/instrutor lamenta que o interesse pela profissão esteja diminuindo. Para formar um novo profissional da boleia, segundo ele, é preciso adotar o aluno como um filho. Urtigão comenta que já direcionou muita gente para a profissão de caminhoneiro – e essas pessoas melhoraram de vida. “Tive um aluno que era lixeiro, seus filhos passavam necessidade. Hoje ele é chefe de frota.”
Ele também já livrou um rapaz da dependência das drogas. “Tirei o sujeito da rua em Paranaguá, um ladrãozinho que vivia drogado. Cheguei com ele em casa e minha mulher perguntou quem era. Respondi: um filho. Hoje ele se curou e tem dois filhos dos quais eu sou padrinho”, conta.
Na estrada, ensina o mestre Urtigão, o comportamento tem que ser o de irmãos. Para ele, o maior tem que respeitar o menor. “Imagine você encontrar, na descida da serra de Paranaguá, um carro com um motorista que tem medo de ultrapassar. E esse motorista fica na sua frente. E você vê que tem uma criança no banco de trás. Ora, você tem uma carteira onde está escrito: profissional. Tem que agir com responsabilidade. Tem que cuidar de quem está num carro menor.”
Urtigão afirma que, como instrutor, forma mais a pessoa do que o profissional. “O profissional já está dentro da gente”, diz. E, para encerrar: “Independente de religião, temos que agir como irmãos”.
Você é o repórter
A Carga Pesada convidou os leitores a participarem da entrevista com o Urtigão. Veja as respostas dele para algumas das perguntas feitas através do site www.cargapesada.com.br
Francisco de Assis Souza Carneiro, Imperatriz (MA) – O que você aprendeu da vida na estrada?
Urtigão: Foi tanta coisa, Francisco! Mas o principal foi que o meu direito termina onde começa o direito do outro. Aprendi que quem é maior é sempre responsável pelo menor. Você não tem que ficar bravo quando os demais condutores, de veículos pequenos ou grandes, cometem erros, pois é nessas horas que eles mais precisam de compreensão. Aprendi com a vida a ser solidário. Aprendi que a amizade e a humildade são nossos maiores tesouros.
Urtigão: Todas as profissões têm suas regulamentações. Sou totalmente a favor da lei do descanso, mas ainda há que se ajustar alguma coisa aqui e ali. Acredito que com o tempo tudo irá se encaixar. O que não podemos fazer é trabalhar por 16, 18 horas seguidas, o corpo não aguenta. Eu mesmo fiz isso por muitos anos, mas não é certo. Rodei milhares de quilômetros, a idade chegou e eu não ganhei o dinheiro que imaginava. Passei por muitas situações de risco que poderiam terminar em tragédia.
Isaias Bezerra Neto, Fortaleza (CE) – Que conselhos você daria ao motorista que anda com excesso de peso, detonando o bruto e as estradas?
Urtigão: Você mesmo acabou respondendo a pergunta: quem anda com excesso de peso só está detonando o bruto e as estradas. E não ganha nada, porque o veículo sofre um desgaste acentuado e você vai gastar mais na manutenção. Sem falar nos prejuízos para as rodovias, as pontes, e nos riscos. Temos que transportar com qualidade, mas sem exagerar na quantidade.
Bernardo Reisdorfer Leite, Curitiba (PR) – Quais são as dicas que você dá para o motorista fazer uma
Urtigão: Temos que tirar o máximo rendimento do veículo. Já pensou, se você conseguir fazer seu veículo rodar 50 metros a mais a cada litro de combustível? Para isso, é preciso:
- conhecer a faixa de torque e operar o tempo todo dentro dela;
- aproveitar a inércia quando ela estiver a seu favor e dominá-la quando estiver contra;
- o veículo deve estar bem regulado, os pneus calibrados, a carga bem distribuída e acomodada;
- fazer o adequado planejamento da viagem – itinerário, paradas, abastecimento;
- ter calma com o acelerador, trocar marchas alternadas sempre que for possível (pular marchas), e não exceder a velocidade. Você sabia que, para andar a 90 km/h, um caminhão gasta 12% a mais de combustível do que a 80 km/h?
Bom, mas fazer média em topografia plana é fácil, quero ver fazer média em subidas… Tenho umas dicas para isso também, e não estou falando de abusar da velocidade na descida para pegar embalo: falo em diminuir o número de trocas de marchas. Dá para ganhar tempo e economizar combustível. Um bom motorista gasta três segundos para cada pedalada na embreagem. Imagine um aclive onde os motoristas costumam fazer nove trocas de marchas, ou seja, dão nove pedaladas na embreagem. Se você subir com seis trocas de marchas, vai ganhar nove segundos de tração que os outros desperdiçaram. Como conseguir isso? É fácil: pulando marchas. Se estou em 6ª e sei que a 5ª não vai dar conta, espero a rotação cair um pouco mais e engato logo uma 4ª. E assim por diante. Alguns motoristas ficam voltando marcha uma por uma, e ainda reduzindo todas. O veículo só irá parar de pedir marcha quando você colocar a “dona da casa”, isto é, a marcha certa que vai fazer o motor operar dentro da faixa de torque e manter a rotação dentro da faixa verde. Daí, é só aliviar o pé e ficar de olho na temperatura. Se for necessário, reduza a marcha, isso irá aumentar 200 rpm.
Outras dicas são estas: nada de fazer o veículo ganhar velocidade na subida, que consome muito combustível. E assim que chegar perto do topo, tire o pé e deixe o veículo embalar por inércia. Não acelere na descida também, pois isso é como pedalar bicicleta de morro abaixo. É o que gostaria de dizer.