Os repórteres Luciano Alves Pereira (texto) e Sérgio Caldeira (fotos) viajaram num Scania com o
dispositivo que aumenta a energia do motor, reduz a poluição e ainda promete gastar menos combustível. Conheça o bruto e veja como ele se saiu
Aqui está uma forma bem prática de apresentar um caminhão: viajando nele. Decidimos conhecer a intimidade de um novato, o Scania G 440 4×2, numa viagem pela Rodovia Fernão Dias duplicada, agora conservada pela concessionária OHL. Para tanto, tivemos o apoio da Transrefer Transportes e Logística, de Contagem (MG), à qual agradecemos penhoradamente. Anotamos dados sobre consumo, velocidade e rendimento energético, para transmiti-los aos leitores junto com impressões sobre seu comportamento morro acima, morro abaixo e baixada à frente.
Por que escolhemos invadir a intimidade e fazer o monitoramento do Scania G 440? Porque ele tem um dispositivo chamado turbocompound, ainda recente no Brasil, embora na Europa e até na história dos motores seja antigo. Turbocompound (chamaremos de TC) é um nome inglês, claro, traduzível por turbocomposto. Ou turbocomplexo, turboconexo. A estrada acabará por batizá-lo à brasileira.
O TC é um engenho periférico. Este ano, ganhou visibilidade por ter sido incluído pelo Grupo Daimler em seu motor mundial, o DD 15 (veja nossa edição 137). Como informou a Voith alemã, fornecedora do TC para o novo motor, “o componente não é barato e seu conjunto de engrenagens pesa mais de 70 quilos”, mas apresenta “indiscutível utilidade diante das normas Euro 6 e EPA 2010 (EUA)”. Segundo a Voith, “o TC aumenta o rendimento energético do motor em 10%, ao mesmo tempo que reduz o consumo de combustível de 3% a 5%”. Consegue essa façanha porque aproveita a pressão residual dos gases de escapamento, canalizada a um segundo turbo, que, por sua vez, transfere força diretamente ao eixo virabrequim, compatibilizando as rotações através de um diminuto conversor de torque. O mesmo recurso dos câmbios automáticos.
Preparado para a viagem, o G 440 da Transrefer saiu puxando um baú Randon de três eixos, sendo um distanciado, para percorrer 402 quilômetros da Fernão Dias. Sua carga de eletrodos da Esab mineira, com 23.834 kg na nota fiscal, mais tanques cheios (2×330), além do motorista Célio Fernandes Ramos e o acompanhante da Carga Pesada pesaram, na balança do Posto Estradão, de Contagem, 41.710 quilos. E lá foi o bruto, com potência de sobra – 10,5 cv/t bruta. Apurada a tara do conjunto, bateu em 17.600 quilos.
PIANISTA – Com mãos de pianista, Célio ia seguindo a pauta do instrutor Roberto, da concessionária Itaipu. E, na ponta dos dedos, o G 440 cumpriu os primeiros 211 quilômetros acidentados à boa média de 61,45 km/h, mostrando o consumo de 2,16 km/l. Alto? Esperado. Resultado dos cerca de 60 km de serras, como as de Igarapé e de Itaguara, nas quais a duplicação “preservou” cinqüentenárias rampas superiores a 10%. Há variações de 300 m de altitude em 12 quilômetros. Antes de entrar no subtrecho seguinte, onde se encontram as compensações, verificamos um rendimento energético parcial de 90,24 t.km/l (t brutas).
Às 18h25, chegamos ao posto Servsul, na pista contrária da rodovia, no km 870 (novo). Passava de Pouso Alegre e a temperatura ambiente havia caído 20ºC desde o enchimento anterior no Posto Graal (km 686 novo). Com tanta diferença, não ocorreu a compensação esperada no consumo. O hodômetro do Scania indicava 21.259 km, completando-se 402 km, enquanto a média final ficou em 2,23 km/l. A velocidade média marcou 66,44 km/h e o rendimento energético foi de 93,35 t.km/l.
É bom que o leitor saiba como a estrada sem serras melhora a vida de quem vive no transporte. No segundo subtrecho, o G 440 percorreu 191 km consumindo 2,32 km/l de combustível. O número subiu 7,40%. A gente esperava mais se o baú portasse defletores e não houvesse uma frente fria vindo de São Paulo. Emparedado pelo volume posto nos tanques, o rendimento cresceu 7,46% – de 90,24 para 96,98 t.km/l – e a velocidade foi de 61,45 para 72,99 km/h (+7,09%).
COMPARAÇÃO – Números, números e números. Sem comparação, são meros rabiscos, no mundo caminhonístico. Por isso, fomos consultar o perfeccionista Imar da Silva Teles, autônomo de Itatiaiuçu, a 60 km de Belo Horizonte. Com o seu G 420 4×2 atual, são 13 Scanias que passaram por sua mão, desde 1991. Este completou 22 mil km no hodômetro, sempre na rota Belo Horizonte–Cubatão (SP), carregado nos dois sentidos: bobinas de aço na ida e polietileno ensacado na volta. Anda com pesos líquidos de 25 a 27 t em sua carreta clássica de três eixos. Equipado com redução no diferencial igual à do G 440 (3,27:1), Imar empaca na média de 2,40 km/l. Um parêntese de importância: seu conjunto roda com pneus 275 e o G 440 com 295. Então, 2,40 é uma média fixada na memória de Imar como referência. “Tem sido assim há anos”, afirma.
Cabe perguntar: com tanta evolução dos produtos Scania nestes 20 anos, não deu pra sentir a diferença na bomba? Para Imar, o ganho está na rapidez: os caminhões mais novos chegam uma hora mais rápido em cada ciclo de 700 km. Ou seja, ganho de produtividade. Então, de volta ao G 440 da Transrefer, o seu consumo é semelhante ao do G 420. Reflete as minúcias do arrasto aerodinâmico da carreta-baú (sem defletores), da resistência ao rolamento do seu eixo distanciado e das quatro paradas intermediárias. Não esquecendo da variação da temperatura na estrada, entre reenchimentos. Como se sabe, o diesel encolhe no tanque quando bate a friagem. Em resumo, pela diferença de preços e pelo comportamento, entre os básicos G 440 e G 420, o bom senso pende para o G 420. A não ser que seja um cavalo para arrastar bitrem. Por outro lado, tendo em vista o que a Scania diz sobre o TC – “… eleva a potência e o torque sem aumentar os esforços internos, conservando a expectativa de excelente durabilidade e a vida útil dos motores” –, pode-se esperar por retornos a longo prazo. Ainda assim, os caminhos retos acabarão embicando para uma terceira opção disponível, a do modelo G 470 e suas variantes, também equipados com TC.