Grande número de usuários da via acha que vale a pena comemorar a liberação de minguados três quilômetros. É como se um querido parente em coma piscasse o olho 

LUCIANO ALVES PEREIRA

Com gosto de surpresa boa, os jornais de Belo Horizonte anunciaram que a segunda pista da BR-381- -Norte seria liberada no sábado, 16 de agosto. Corremos para lá. De fato, foi. Fica no km 396, próximo ao trevo de Itabira. No entanto, o trecho entregue não tem mais que curtíssimos três quilômetros, feitos pelo consórcio de empreiteiras Brasil/Mota/Engetur.

Coincidiu que o fato se deu pouco depois da data dos 30 anos do falecimento de Carlos Drummond de Andrade, o genial poeta itabirano. O que uma coisa tem a ver com a outra? Tem porque Drummond mostrou possuir o dom da adivinhação. Décadas antes do interminável nó cego da ampliação/duplicação da 381-Norte, ele falava com desencanto de um enorme obstáculo na sua via: “Tinha uma pedra no meio do caminho… No meio do caminho tinha uma pedra…” E ainda tem.

A urgência da obra é assunto antigo. Em 2009, o então diretor-geral do DNIT, Luiz Antônio Pigot, declarava aos quatro ventos que “a BR-381 deveria estar duplicada há mais de 10 anos”. A necessidade já havia sido detectada na década de 1970, pelo DNER. Até projeto existia, prevendo pista simples em outro traçado. Mas os planos foram engavetados por falta de verba.

TRILHA DE BURROS − A BR-381- -Norte foi batizada de “horrordovia da morte” pelo apresentador de TV Mauro Tramonte por causa do trecho entre Belo Horizonte e João Monlevade, que tem 200 curvas em apenas 104 quilômetros. Foi asfaltada há 60 anos como BR-31, lembra João Perboyre, que viu sua construção e hoje toca o Restaurante São Cristóvão, junto com a esposa e o filho, no km 404.

João diz que o DNER tinha um apelido para a via: Paralelo 20. Iria cortar o País transversalmente bem ao meio, de Corumbá (MS) a Vitória (ES). Em 1974, pegou a sigla BR-262/381. Sua pista ruim para o tráfego de hoje aproveitou a rota das tropas de burros que puxavam mercadoria entre o leste do Estado e a capital. Não bastassem as curvas, a 381 parece um serrote de dentes agudos.

Partindo da ponte do rio das Velhas, aos 700 metros de altitude, atinge 1.100 m em 20 quilômetros de dobras, no trevo de Caeté (km 429), para retornar aos 750 m no trevo de Itabira (km 398). Esse segmento crítico exibe os mais altos números de acidentes de todo o percurso. Com enorme atraso, foram afinal lançados editais para a duplicação da maior parte dos 303 quilômetros entre a capital e Governador Valadares, no eixo da Rio-Bahia (BR-116).

Essa extensão foi dividida por oito empreiteiras e as obras começaram em 2014. Mas somente quatro lotes evoluíram. Um vai do trevo de Caeté (MG-435) à ponte do rio Uma, com 37,5 quilômetros. Seu cronograma está em 50%, por isso lhe foi possível liberar o trânsito do trechinho de três quilômetros. Qual o significado de uma migalha dessas que leva a imprensa a noticiá-la?

Malcomparando, parece com um paciente em coma que após longo período consegue abrir um olho. Para a família, amigos, credores e até para o cachorro, é um sinal de esperança. Os usuários da 381-Norte conseguiram, então, ver sinal da duplicação, após 14 anos de pirracentos governos petistas. O trecho tem novidades. A Construtora Brasil negociou com o DNIT e está executando a pista em concreto.

MELINDROSO − O pavimento rígido, de concreto, tem largo emprego mundo afora. No Brasil, nem tanto. O da 381 recebe placas de 25 cm de espessura que não contam com o reforço da ferragem, exceto nos acostamentos. Então surge a pergunta inevitável: com tráfego pesado nas 24 horas do dia, o concreto não estrutural aguentará por quanto tempo? Conforme o professor Benjamin Fraenkel, ex-livre-docente de Estradas da UFRJ, a durabilidade do pavimento rígido depende das boas especificações e da qualidade de sua sub-base. Sem isso, a estrutura superior fica em falso e se rompe, provocando “a fuga de fios ou de areia que estejam servindo de apoio para a placa. Ela fica descalçada e começa a oscilar sob a ação das cargas intermitentes do tráfego, piorando com o tempo as condições de passagem”, ensina.

José Natan, líder sindical dos caminhoneiros em Minas, não gostou do concreto. Ele acompanha o estado do Rodoanel Mário Covas, de São Paulo, e notou que as placas rompidas se transformam em facas para os pneus. Já os primeiros passantes sobre o pavimento de concreto se queixam de perda de conforto no rodar. A causa está nas juntas transversais a cada poucos metros. “Sua intenção é controlar as trincas provenientes da contração do concreto”, escreve Fraenkel.

A variação de aspereza da pista torna o “cavalgar” sujeito a uma sequência de soca-socas. Finalmente, vem o tratamento superficial. O piso de concreto dispõe de ranhuras transversais, as quais provocam mais ruído. No entanto, funcionam como importante dispositivo antiaquaplanagem. Esta representa uma grande ameaça da 381. Já se sabe que seu sobe-desce provoca gotejamento de óleo lubrificante mais concentrado. Vêm as primeiras chuvas da temporada e os escorregões vão de frequentes a trágicos. Há um ano, caiu um chuvisco na região e ocorreram 15 acidentes simultâneos. Foi na madrugada de 24 de agosto de 2016.