Proposta de Bolsonaro para o Código de Trânsito permite AET para cargas comuns, em desacordo com a legislação atual
Nelson Bortolin
O polêmico projeto de lei 3.267, que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) fez questão de levar pessoalmente à Câmara dos Deputados dia 4 deste mês, aumenta o tempo de validade da carteira de habilitação (CNH), assim como o número de pontos que o condutor pode acumular sem ser punido. A proposta também acaba com o exame toxicológico e desobriga os pais de usarem cadeirinhas para as crianças nos carros. Tudo isso gerou muita discussão na semana passada.
Mas o PL tem um dispositivo que passou despercebido e que, caso não seja barrado, pode “desregulamentar totalmente o transporte rodoviário de cargas no Brasil, deixando o país mais parecido com a Índia do que outros países”. A opinião é do editor do Guia do TRC e presidente da Associação Brasileira de Logística Pesada (Logipesa), João Batista Dominici.
Segundo ele, é o que vai acontecer se prosperar a mudança do artigo 101 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O projeto retira a palavra “indivisível” do texto em vigor: “Ao veículo ou combinação de veículos utilizado no transporte de carga indivisível, que não se enquadre nos limites de peso e dimensões estabelecidos pelo Contran, poderá ser concedida, pela autoridade com circunscrição sobre a via, autorização especial de trânsito, com prazo certo, válida para cada viagem, atendidas as medidas de segurança consideradas necessárias.”
“A retirada da palavra faz toda a diferença porque abre portas para o transporte de carga comum, de carga convencional, em desrespeito às dimensões regulamentares, conforme preceitua a resolução 210, do Conselho Nacional do Trânsito (Contran), que define pesos e dimensões máximas permitidas para os ônibus e veículos de carga”, afirma Dominici.
Diante da possibilidade de transportar uma quantidade maior de cargas, as transportadoras vão adquirir veículos acima dos limites legais. “Será prejudicial principalmente às pequenas transportadoras e transportadores autônomos de carga sem condições para investir em novos equipamentos e lidar com obtenção de AETs”, diz ele.
Por outro lado, o projeto desestimula os transportadores que investem em equipamentos caros para puxar cargas excedentes da forma correta. O presidente da entidade lembra que os veículos especiais não são autorizados pela lei a transportar cargas comuns. Contraditoriamente, o projeto de lei quer permitir que carretas comuns carreguem cargas convencionais excedendo os limites legais
Domnici diz que legislação brasileira já foi bastante flexibilizada por portarias e resoluções, atendendo interesses econômicos, sempre com o objetivo de se carregar mais carga com o mesmo veículo. E é bem mais liberal que a de outros países, inclusive daqueles com infraestrutura melhor, que, teoricamente, poderiam suportar mais peso. “Faz muitos anos que os Estados Unidos estudam a adoção de veículos como o nosso bitrem, mas até hoje não conseguiram aprovar. Lá, a maioria é de carretas de dois eixos tracionadas por cavalos de três eixos”, conta.
Para o presidente da associação, a resolução 210 é completa, traz todas as possibilidades para o transporte de forma segura no Brasil e, mais importante, leva em conta toda a infraestrutura nacional, como gabarito e capacidade portante das pontes e a largura de faixa de trânsito da maioria das nossas estradas. Ele lembra que 87% das nossas rodovias são de pistas simples. “Temos de levar isso em consideração. Nossa infraestrutura não comporta a mudança.”