Antes de morrer, motorista manda áudio dizendo que carreta estava sem freios

Nelson Bortolin

Horas antes de morrer, dia 16 de fevereiro, o baiano Joaquim Rocha, 64 anos, enviou um áudio no WhatsApp para um amigo. Motorista agregado da Cesari Logística, ele estava numa oficina de Guarulhos (SP) consertando os freios da carreta. “Vim trocar aqui uma ponta de mola e regular os freios da carreta, que não tinha freio nenhum, meu irmão”, conta o caminhoneiro. Confira:

Tudo indica que o serviço não prestou. Na descida da Serra do Mar, na BR 376, no Município de Guaratuba (PR), o veículo pilotado por Rocha tombou. Outro motorista filmou a carreta carregada com ácido sulfúrico trafegando aparentemente sem freio a sua frente, passando direto por uma caixa de brita, até o tombamento acontecer.

A Cesari diz que o veículo estava em dia com as manutenções periódicas e preventivas (leia mais).

A reportagem questionou a assessoria da empresa se foram acessados os dados de telemetria do caminhão para se identificar as causas do acidente, mas ainda não obteve resposta.

Joaquim Rocha

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) não dá informações sobre a investigação da ocorrência. Um das hipóteses é que o motorista tenha deixado de entrar na brita para não atropelar um veículo a sua esquerda. Provavelmente, a morte de Rocha seria evitável, assim como outras tantas, se o Brasil levasse mais a sério a segurança viária.

Dados da PRF mostram que o número de acidentes rodoviários com vítimas envolvendo caminhões em rodovias federais caiu ano após ano no período de 2013 a 2018. Mas os casos específicos desses acidentes que ocorreram por problemas/defeitos nos veículos aumentaram.

Quem fez a comparação foi a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), no estudo “Acidentes Rodoviários – Estatísticas envolvendo caminhões”.

As ocorrências totais caíram 30% – de 18.052 em 2013 para 12.631 em 2018. Já as específicas causadas por problemas nos veículos aumentaram 19% – de 819 para 957, depois de atingirem o recorde de 1.012 em 2017.
“Nós últimos 100 anos, nós só fizemos foi fechar os olhos para nossos problemas”, afirma J. Pedro Correa, consultor em programas de segurança no trânsito.

Ele cobra mais rigor na fiscalização das medidas de segurança viária. “Isso vale para o caminhoneiro como vale para o motorista da Kombi, ano 85, que serve para a pessoa levar verdura na feira”, declara.
Segundo Correa, mesmo a Kombi estando “caindo aos pedaços”, a sociedade aceita o fato de ela seguir rodando porque sustenta uma família de “cinco ou seis filhos”.

“Não pode. Se ela mata alguém da sua família, você não quer saber se ela está aos pedaços. Você vai querer saber por que deixaram ela rodando por aí”, diz o consultor.

O mesmo argumento do sustento das famílias também não pode ser usado para justificar condutores dirigindo por tempo excessivo. “Como o motorista precisa pagar a prestação da casa e o estudo do filho, permite-se que ele trabalhe 18, 20, 24 horas por dia. E que usem rogas para ficar acordado”, critica.

Para o especialista, é preciso mudar essa forma de pensar. Ele lamenta quando um ministro “passa a mão” na cabeça do caminhoneiro dizendo que vai determinar menos rigor na fiscalização da PRF.

Correa se refere a um áudio do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, prometendo “vistas grossas” por parte dos policiais rodoviários, inclusive no caso das perigosas carretas arqueadas, como revelou reportagem da UOL.

O consultor está preocupado com o fato de a Polícia Rodoviária, no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), ter perdido o foco do trânsito e passado a atuar com um “apêndice” da Polícia Federal no combate ao crime organizado.

Leia também

PRF perde foco no governo Bolsonaro

Acidentes aumentam, mas mortes caem

Sassmaq divide opiniões

Manutenção da carreta estava em dia, diz empresa

Para Sindtanque, certificação é marketing