As restrições ao tráfego de caminhões na Marginal do Rio Tietê, em São Paulo, desagradaram transportadores, aumentaram o custo dos fretes e o preço dos produtos que os caminhões carregam, e não trouxeram a prometida melhoria para o tráfego de carros pequenos. Mas o maior peso é para os caminhoneiros: as condições de trabalho para eles ficaram bem piores do que antes
Nelson Bortolin e Ralfo Furtado
O que já era difícil ficou pior. Afinal de contas, não se trata de uma avenida comum. Como diz o presidente do Setcesp, Francisco Pelúcio, a Marginal Tietê é praticamente “uma rodovia federal que liga o País de ponta a ponta”. As restrições impostas pela prefeitura de São Paulo impedem que os caminhões trafeguem por lá das 5 às 9 horas e das 17 às 22 horas.
Por dois dias, no início de março, caminhoneiros autônomos, liderados pelo Sindicam-SP e pelo Sindicato dos Transportadores de Cargas Líquidas e Corrosivas (Sinditanque-SP), fizeram greve em protesto contra a medida. Foram notícia nacional porque faltou combustível em vários postos, mas tiveram de voltar ao trabalho por ordem da Justiça. As restrições foram mantidas.
O resultado das restrições, que estão em vigor desde 5 de março, é desastroso. Estresse e insegurança para quem está na boleia, multas (só no primeiro mês, 81.588, segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego), aumento do custo da operação de transporte, onerando os produtos transportados. Tudo isso em troca de um alívio do trânsito muito pequeno, segundo o balanço feito pela imprensa no final do primeiro mês da restrição.
“Não temos um pátio, um ponto de apoio para estacionar e esperar o horário autorizado. Ficamos na beira da Dutra, sujeitos a ser atropelados, assaltados, colocando a carga em risco”, disse o caminhoneiro Sidnei Alves Neto à Carga Pesada no dia 13 de abril. Ele esperava dar 9 horas na marginal da Dutra para poder entrar na Tietê.
Após três semanas da restrição, a empresa TDB Transportes, com sede no Parque Novo Mundo, em São Paulo, estimava que seus custos tinham aumentado 12%. Antes, para levar carga fracionada aos grandes magazines e supermercados em Barueri e Osasco, a empresa percorria 48 km (só ida) em, no máximo, duas horas. Agora, o percurso alternativo tem 140 km e é coberto em três horas.
A cerca de 300 metros da Marginal Tietê (sentido Castelo Branco), os veículos da TDB seguiam direto pela via até muito próximo dos clientes. Hoje, saem no sentido Guarulhos, pegam a Avenida Jacu-pêssego, o Rodoanel (trechos Sul e Oeste) e, depois, a Castelo Branco ou a Anhanguera, para chegar a Barueri e Osasco.
“A Jacu-pêssego é uma via periférica, sem segurança, com lombadas, faróis e uma faixa esburacada para caminhões”, reclamou o diretor da TDB, Thiago Menegon. Ele disse que a estimativa de 12% de aumento de custo é conservadora, pois inclui combustível, pneus e pedágio mas deixa de fora despesas com horas extras.
Para atender os grandes clientes de Barueri e Osasco, a transportadora utiliza tocos e carretas. Mas também possui uma frota de VUCs e camionetes para poder usar a Marginal Pinheiros, onde os caminhões estão proibidos desde 2009.
Setcesp aguarda reunião com Kassab
Em 12 de abril, o Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo (Setcesp) esperava uma reunião com o prefeito Gilberto Kassab para tratar da restrição imposta aos caminhões. O prefeito se comprometeu a avaliar a medida depois de um mês de sua vigência.
Segundo o presidente Francisco Pelúcio, “a lentidão na Tietê só mudou de horário. Queremos duas horas a menos de restrição”.
Segundo ele, o frete de coleta e entrega na capital subiu 15% a 20%. O problema não afeta somente quem trabalha na distribuição em São Paulo. “A Marginal é praticamente uma rodovia federal, que liga o Brasil de ponta a ponta. Muitos estão lotando os postos de combustíveis ou parando nos acostamentos das rodovias para esperar o horário permitido.”
No dia 20 de abril, representantes dos 39 municípios da Grande São Paulo se reuniram para começar a pensar em medidas conjuntas em relação ao trânsito. Querem evitar que as soluções de uns afetem os outros.
Segundo o Diário do Grande ABC, uma proposta em discussão é permitir o tráfego de caminhões somente à noite. Não se falou em prazos para a tomada de medidas conjuntas.
Estresse, multas, assaltos, acidentes…
Parado na marginal da Dutra no dia 13 de abril, José Roberto Segantin, de Itupeva (SP), estava indignado com a multa que havia recebido dias antes, às 9h08, na Marginal Tietê. Ele estava dentro do horário permitido e só depois foi perceber que a multa se referia ao rodízio. “Achei que, com a restrição, o rodízio na marginal tinha acabado. Tá muito difícil trabalhar.”
Os motoristas de caminhões com placas de São Paulo precisam ficar atentos também ao rodízio. No dia em que conversou com a reportagem, Segantin estava parado havia duas horas esperando para entrar na Tietê. Ele tinha saído às 7 da empresa onde carregou, com destino a Sorocaba. “Olha só o tempo que perdi, já podia ter chegado lá”, reclamou.
Idomar de Souza, de Guaramirim (SC), também estava na fila na beira da Dutra: “Levei bobinas de aço de São Francisco do Sul (SC) até Juiz de Fora (MG) e estou voltando. Tive de dormir na cabine, em um posto, para esperar o horário para seguir viagem”, contou.
A restrição na Marginal Tietê também levou mais problemas ao Parque Novo Mundo e à Vila Maria, bairros da zona Norte da Capital que têm muitas transportadoras e vivem congestionados por caminhões. “O risco de assalto aumentou”, comentou o motorista Carlos Gomes, da Boss Express, no dia 10 de abril.
O gerente da filial da empresa, Carlos Jordão, disse que os locais de concentração de caminhões antes das 22 horas viraram alvo dos assaltantes, assim como a porta das transportadoras depois das 22 horas. “Nós reforçamos a segurança com holofote na entrada e câmeras onde os caminhões encostam.”
O risco de acidentes também aumentou com as restrições. “Faz quatro dias, morreu um colega nosso”, disse o motorista Dioraci do Nascimento. A culpa pode ter sido do sono. Dioraci explica: “Antes, o caminhoneiro podia viajar à noite e chegar a São Paulo de manhãzinha, encostar no 56 e dormir um pouco, até o escritório abrir para vir descarregar, às 8 horas. Agora, temos que correr para chegar bem antes das 5 horas no destino, para depois ter tempo de sair da marginal antes do horário de multa”.
Outro motorista, José Roberto Pimentel, lembrou que as restrições incluem outras vias. “Fui multado na Rua da Gávea, longe da marginal. Querem evitar que o caminhoneiro corte por dentro do bairro. Pela Rua da Gávea dá para ir da Dutra até a Freguesia do Ó por dentro dos bairros, sem entrar na marginal”, explicou.
“A cidade vai virar uma China”
“A cidade vai virar uma China. Cada dia tem mais ‘ching ling’ nas ruas, esses veículos importados para 1.500 quilos, e o caos aumenta. O valor do frete vai explodir em São Paulo.” É a opinião do presidente do Sinditanque, Bernabé Gastão, um dos líderes do movimento grevista do início de março. “A sociedade não quer caminhão na rua. Então, vai pagar mais caro por seus produtos.”
Junto com o presidente do Sindicam-SP, Norival de Almeida Silva, Gastão coordenou a reunião com cerca de 500 caminhoneiros – a maioria tanqueiros – realizada dia 4 de março, domingo, que decidiu pela greve, a partir da meia-noite daquele dia. Bastaram 24 horas para começar a faltar combustível nos postos da Capital.
Pela segunda vez em pouco mais de uma década (a primeira foi em 1999), caminhoneiros autônomos decidiram fazer uma demonstração prática desta afirmação simples: sem caminhão, o Brasil para. Depois de 48 horas já havia um deus-nos-acuda na cidade, e então surgiu a mão forte do Poder Judiciário para obrigar a volta ao trabalho.
Gastão afirma que a prefeitura “enrolou” a categoria. O prefeito Gilberto Kassab (PSD) se reuniu com entidades de caminhoneiros uma única vez, dia 27 de dezembro. “Pedi a ele que adiasse a restrição por seis meses, um ano, para que discutíssemos com muito critério a questão da marginal”, ressalta. A intenção era cadastrar os caminhões que fazem a distribuição na Capital, para que pudessem continuar trabalhando.
Kassab não aceitou o adiamento e determinou que os sindicalistas se reunissem com a equipe técnica da CET. Em janeiro e fevereiro, segundo Gastão, houve seis encontros, “mas nenhum avanço”. As entidades quiseram voltar ao prefeito, mas ele não recebeu ninguém.
O presidente do Sinditanque não acredita que a imagem dos autônomos tenha sido prejudicada pela greve. “A mídia fez seu trabalho, mostrou imagens de caminhoneiros que estavam havia 12 horas trabalhando, sem descansar”, justifica.
Logo após o fim da greve, as entidades anunciaram que iriam fazer um movimento nacional contra a medida. “Se dissermos ‘vamos parar agora’, eles param”, garantiu Gastão. Mas não disse quando isso pode acontecer.
“PRF não quer ser rigorosa demais”
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) vem multando os caminhoneiros que aguardam no acostamento, próximo a São Paulo, o horário permitido para entrar na Marginal Tietê.
Em entrevista à Carga Pesada, o inspetor Márcio Pontes disse que a PRF já colocou placas alertando para os horários de restrição e está preparando outras com os valores de multas e pontos na carteira para quem parar no acostamento. Pontes afirma que, minutos antes do horário permitido, chegam a se formar filas de caminhões parados.
De acordo com ele, a polícia não quer ser “excessivamente rigorosa” em seu papel. “Não pretendemos aplicar multas por apenas cinco minutos antes do horário de liberação do tráfego de caminhões.”
Para Reginaldo França, encarregado do estacionamento do Posto Sakamoto II, em Guarulhos, a restrição na Marginal Tietê “mudou a rotina” dos caminhoneiros. “O pessoal tem ficado mais tempo aqui. Chegam à tarde e ficam até as 21h30”, informa. Segundo ele, a mudança tem um “lado bom” também para o motorista. “Agora eles são obrigados a parar para descansar.”
Muito barulho por quase nada
Um mês após o início da restrição, o trânsito na Marginal Tietê estava melhor entre as 7 e as 9 horas, quando o tráfego de caminhões está proibido: o trecho de lentidão havia caído de 19,7 km para 15 km, segundo dados da CET.
Mas essa foi a única boa notícia para o cidadão paulistano, de acordo com o jornal Folha de S. Paulo: no período permitido para veículos de carga (das 9 às 17), a lentidão aumentou de 17,8 para 18,5 km. E das 17 às 20 horas, de novo sem os caminhões, a lentidão também cresceu de 15,9 km para 16,9 km. Ninguém na CET quis dar opinião sobre esses fatos.
Outro balanço feito pela Folha de S. Paulo, relativo às restrições na Marginal Pinheiros, que são mais antigas, mostrou que o trânsito lá mudou pouco. Os congestionamentos até aumentaram no rush da manhã. No da tarde, houve só “ligeira melhora”.
Engenheiro prega prioridade para as cargas
“No Brasil, não temos informações para tomar nenhuma decisão com base. Por isso, muitas soluções são erradas.” Palavras do engenheiro e consultor em transporte Luiz Célio Bottura, que foi presidente da estatal paulista Desenvolvimento Rodoviário (Dersa), de 1984 a 1987.
Ele defende prioridade-1 para as cargas nos deslocamentos na cidade. “Depois, por ordem de importância, vêm o transporte coletivo e os individuais – bicicleta, moto, patinete, skate. E só então o particular (carro).”
Bottura também já trabalhou na Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo. Ele critica o fato de as restrições aos caminhões terem sido implantadas sem se pensar em vias alternativas. “Na hora da liberação, os caminhões saem num comboio, atropelando os veículos pequenos. É um estouro de boiada”, afirma.
Ninguém sabe quantos caminhões passam por São Paulo, por que passam por São Paulo, o que carregam, qual a origem e o destino, lembra Bottura. Quando ele esteve na Dersa, mandou fazer essa pesquisa nas balanças de rodovias. Mas, depois, isso acabou.
O engenheiro conta que já naquela época propôs a implantação de estacionamentos, para dar conforto ao motorista e melhorar a logística. “Uma grande estrutura onde o caminhão descarrega e a carga é distribuída em veículos menores, como ocorre nos Estados Unidos e na Europa.” Seriam locais explorados pela iniciativa privada. “Por incrível que pareça, os investidores não entenderam que um local destes gera dinheiro.”
Bottura acredita que o maior problema viário no Brasil não são as pistas, mas os entroncamentos. “Onde a Marginal do Tietê entronca com a ponte da Vila Maria, por exemplo, é um trecho muito curto.”
Há problemas assim em todas as grandes rodovias. É uma questão técnica. “Não dá para admitir que você tenha uma estrada com velocidade de 100, 120 por hora e, quando tem de entrar em outra via também de grande porte, o motorista tenha de reduzir a velocidade a menos da metade”, destaca. De acordo com ele, isso é sinal de que quiseram “economizar dinheiro” no projeto.
O engenheiro distribui críticas pela situação também aos transportadores. “São comodistas. Ficam esperando que o governo faça as coisas. Parece que trabalham com o rabo enroscado, não têm coragem. Não querem ser ativos ou, se são ativos, agem de forma amadora”, ressalta.
Sindilojas diz que frete aumentou
O Sindicato do Comércio Varejista de São Paulo (Sindilojas) informa que os transportadores que fazem a distribuição de cargas na Capital já se adaptaram à restrição. “Não podemos receber mercadoria à noite, por razões de segurança. Os transportadores tiveram de comprar mais veículos pequenos para entregas ou terceirizaram o serviço”, afirma a gerente jurídica da entidade, Valquíria Furlani.
Segundo ela, o frete ficou mais caro, mas ela não sabe quanto, e certamente esse custo extra “terá que ser transferido aos clientes das lojas”.
O dono da loja Jomal Mercantil, Aldo Nunez Macri, confirma que o frete “subiu alguma coisa sim”. Diz que as empresas que fazem coleta em sua loja agora passam com vans. Aldo vende uniformes e chapéus na Avenida Tiradentes, no centro de São Paulo.
Projeto de pontos de apoio vai para o Senado
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou dia 10 de abril proposta que obriga as empresas concessionárias de rodovias federais a construir e manter estações de apoio aos motoristas de caminhão e ônibus, à margem das estradas, preferencialmente ao lado de postos de combustíveis.
Mesmo que o projeto seja transformado em lei (falta aprovar no Senado), a ordem só vai valer para futuros contratos de concessão de rodovias. Onde já existe pedágio, fica tudo como está.
Segundo a proposta, os pontos de apoio deverão estar a uma distância máxima de 150 km e abrigar instalações básicas destinadas ao descanso, higiene e alimentação, além de pátio para estacionamento e reparação dos veículos.