Nelson Bortolin

O adiamento por tempo indeterminado da fiscalização do pagamento eletrônico para caminhoneiros autônomos pela ANTT e a notícia de que o governo de Mato Grosso voltará a cobrar ICMS nos fretes intermunicipais são os principais fatos que marcam o transporte da safra de grãos que está sendo colhida. A indefinição dessas duas questões levou insegurança ao setor num momento sempre delicado que é o escoamento da soja.
Até o fim de fevereiro, cerca de 35% da área plantada em Mato Grosso havia sido colhida – no Paraná, um pouco menos. “O pagamento pelo cartão virou um pesadelo, é mais uma despesa para nós”, disse à Carga Pesada um caminhoneiro de Rondonópolis.

A resolução 3.658/10 da ANTT, que proibiu a carta-frete, diz que o motorista não deveria ter nenhum encargo para receber seus fretes por cartão eletrônico ou por depósito em conta-corrente. Mas não é isso que está acontecendo. Caminhoneiros alegam que existem despesas com o novo sistema que estão nas costas deles.

Por exemplo: Mauro Aparecido Boscardin, de Mandaguari (PR), teve de pagar R$ 9,90 para enviar pelo Correio o comprovante de entrega da mercadoria num frete de insumos que fez de Paranaguá para Rondonópolis (MT). “Antes, quando descarregávamos, podíamos trocar o restante do frete em qualquer posto do País pela carta-frete. Hoje, as transportadoras querem que a gente mande o recibo da descarga por Sedex, para depois nos pagar”, reclama.

Mato Grosso já tinha feito 35% da colheita de grãos até o fim de fevereiro

No caso de Boscardin, a transportadora preferiu fazer o depósito na conta do caminhoneiro. Quando a transportadora contrata uma administradora de cartão, o recibo de descarga do frete pode ser entregue em qualquer posto da administradora, que se encarrega de dar conhecimento ao contratante e liberar o saldo do frete. Até o fechamento desta edição, 10 empresas haviam sido homologadas pela agência para oferecer o serviço de pagamento eletrônico de fretes: Repom, Roadcard, GPS, Dbtrans, Policard, Ticket Card, Bradesco, Caruana, Fastcredi e NDDigital.

A viagem de Mauro Boscardin foi feita antes do dia 25 de janeiro, quando a ANTT disse que ia, mais uma vez, adiar a fiscalização e as multas às transportadoras que ainda estivessem usando a carta-frete. Depois disso, disse ele, todo o mundo voltou a usar a carta-frete. Mesmo assim, Boscardin diz que as transportadoras “já baixaram os fretes alegando que terão de arcar com as despesas do pagamento em cartão quando a ANTT começar a multar”. E completa: “A lei não funciona para o mais fraco”.

MUDANÇAS NO CIOT – O superintendente de Serviços de Transporte de Cargas da ANTT, Noburu Ofugi, explicou que o adiamento da fiscalização foi um pedido do setor de transporte. Segundo ele, há necessidade de ajustes quanto ao Código Identificador de Operação de Transporte (CIOT), que será gerado por administradoras de cartões eletrônicos. “Várias entidades apontaram dificuldades para operacionalizar o sistema”, justificou.
De acordo com a Resolução 3.658, para cada frete um CIOT precisa ser gerado antes da viagem. A NTC&Logística já havia apontado a “inviabilidade” desse sistema nas operações com caminhoneiros contratados como agregados. Mas, de acordo com Ofugi, essa não é a única dificuldade. Ele disse que transportadores de fumo e combustível também procuraram a ANTT. “Eles alegam que o costume, nesses setores, é pagar os autônomos, mesmo os não agregados, depois de 15 dias ou um mês do transporte feito”, afirmou. Por isso, o CIOT vai ser adequado para cada tipo de operação.

POUCOS USAM CARTÃO – A estimativa em Mato Grosso é de que apenas 10% do pagamento pelo transporte de grãos para autônomos esteja sendo feito por meio eletrônico. Todo o resto é por via carta-frete.

No Rio Grande do Sul, em dezembro do ano passado o Sindicato das Empresas de Transporte (Setcergs) foi à Justiça e obteve uma liminar contra a Resolução 3.658 da ANTT, alegando que ela contraria a Constituição ao impedir, por exemplo, que o pagamento do frete seja feito em dinheiro vivo. A ação resultou numa liminar que assegura aos associados da entidade o direito de continuarem pagando os autônomos com carta-frete por enquanto.

Em Rondonópolis, a Associação dos Transportadores de Carga (ATC) também moveu processo judicial contra a ANTT e aguarda liminar. A entidade representa 130 transportadoras, sendo que a maioria continua usando a carta-frete.

Mas há exceções. A Bergamaschi Transportes contratou os serviços da administradora de cartões Rodocred. Segundo a chefe do setor de faturamento da empresa, Rita de Cássia Souza Nascimento, a partir da primeira semana de março todos os pagamentos serão por cartão eletrônico.

A transportadora pagará à Rodocred 0,6% do valor de cada frete, mais R$ 4 por cartão emitido. A Rodocred também cuidará do vale-pedágio. “Se existe a lei, temos que nos adaptar. Não temos esperança de que algo vá mudar com relação à proibição da carta-frete. Por isso, escolhemos não deixar o tempo passar e fazer logo as adequações”, disse Rita de Cássia. (Colaborou Karoline Garcia)