O problema é ter um bom cadastro bancário para comprá-los. Sem financiamento, mesmo desvalorizados como estão atualmente, é difícil dispor de dinheiro para um seminovo. E os bancos estão ressabiados com o crescimento da inadimplência. Talvez nem a linha só para financiamento de usados, já anunciada pelo BNDES, venha a resolver o problema. Por outro lado, para quem tiver “algum” sobrando, a hora de comprar é agora
Nelson Bortolin e Dilene Antonucci
O que sempre foi difícil está quase impossível: bancos e financeiras não querem saber de financiar caminhões usados. De cada 30 cadastros que recebem das concessionárias, devolvem 25, segundo calculam alguns vendedores. É o medo dos maus pagadores – a inadimplência anda alta, como todos sabem, em todas as áreas do crédito bancário.
Isso faz com que os estoques estejam altos e os preços baixos em muitas revendas. E obriga a apelar para soluções como a da Apta Caminhões, concessionária Volkswagen de São Paulo, que está financiando usados com recursos próprios. “Em setembro, financiamos R$ 1,6 milhão com juros de 1,65% ao mês e 30% de entrada”, diz o gerente Wilson Menezes. A Apta tem 100 seminovos no pátio.
Pode parecer um valor alto comparado ao Finame PSI (para veículos novos), que hoje tem taxa de 2,5% ao ano. Mas é pouco diante do CDC ou do leasing, que têm juros de 20% a 30% ao ano.
O Finame para seminovos deve começar a ser oferecido em novembro, segundo informou à Carga Pesada o chefe do Departamento de Financiamento a Máquinas e Equipamentos do BNDES, Paulo Sodré. Vai valer para caminhões com até cinco anos de fabricação e financiar até 80% do bem em 60 parcelas, com seis meses de carência. A intenção é estimular o mercado de usados para tentar melhorar o mercado de novos – muitos vendem o usado para ajudar a pagar o novo.
Não há garantias de que essa linha de crédito estará ao alcance dos compradores de menor poder aquisitivo, que é a quem, em princípio, ela se destina: aqueles proprietários de caminhões mais antigos que desejam (e precisam de) um caminhão de fabricação mais recente. Não só os juros são mais altos, mas também o spread, que é estipulado pelo banco de varejo (e não pelo BNDES), poderá ser mais elevado que no Finame PSI.
No Finame PSI, o spread pode chegar a 3%, mas o cliente só paga 2,5% – a diferença é coberta pelo BNDES. No financiamento dos seminovos, o spread é “a combinar”, ou seja, os bancos podem colocar valores mais altos e o cliente terá que arcar com esse ônus.
Vale lembrar que, diferentemente do PSI, o Procaminhoneiro – linha do BNDES destinada ao caminhoneiro autônomo e à microempresa que fatura até R$ 2,4 milhões ao ano – também financia caminhões usados com taxa de 2,5% ao ano. Mas a dificuldade em obter recursos do Procaminhoneiro nos bancos comerciais é a mesma referida acima.
Mercado dos novos influi nos usados
Para o gerente de Usados da Apta Caminhões, Wilson Menezes, os juros baixos do Finame PSI para veículos novos estão prejudicando o mercado de seminovos.
Ele ressalta que o frotista pode não precisar do dinheiro da venda do usado para pagar parte do novo. Dependendo do relacionamento que ele tem com a concessionária e do valor da carta de crédito do Finame PSI, o financiamento pode cobrir o valor total do novo caminhão. “A empresa vende o usado à vista, muitas vezes para a própria concessionária que forneceu o novo, e esse dinheiro se transforma em capital de giro pelo custo do financiamento, que é de apenas 0,21% ao mês. Já viu melhor negócio que esse?”, questiona. O resultado é a sobra de seminovos no mercado, que normalmente seriam adquiridos pelos caminhoneiros autônomos e pelas pequenas transportadoras.
Menezes é pessimista em relação à nova linha do BNDES. “Quem vai querer pagar 8,5% no usado se pode pagar 2,5% no novo?” E tem o problema dos bancos de varejo, que só vão se interessar se o spread for de, no mínimo, 5%, na opinião dele.
Aprovar um Procaminhoneiro para autônomo é algo raro na Apta. O vendedor José Aparecido Machado diz que só se lembra de ter vendido um único caminhão por essa linha. “A maioria dos autônomos nem declara imposto de renda”, ressalta.
Historicamente, segundo a Carga Pesada apurou, um caminhão sofre uma depreciação de 10% ao ano. Em cinco anos, valerá metade de um novo, dependendo da marca e modelo. Mas hoje os preços caíram pelo menos mais 15%, segundo Pinheiro. “Isso se deve à guerra de preços entre os caminhões novos. Se o preço do novo cai, o do seminovo também”, diz.
Ele acredita que os transportadores brasileiros estão no limite da ampliação das frotas. “Daqui para a frente, será só renovação”, afirma. Por isso, de acordo com ele, será importante que concessionárias e fabricantes tenham departamentos dedicados aos seminovos. A loja tem cerca de 60 caminhões do Programa Viking da Volvo no estoque.
Janilson de Almeida, gerente de Vendas e Serviços da Rota Oeste, concessionária Scania em Cuiabá, diz que o Mato Grosso vive uma situação diferente. “Devido às especificidades do transporte aqui, nossa frota precisa ser mais nova”, diz. No final de setembro, ele tinha apenas três seminovos para vender. “O pessoal prefere vender nos outros Estados, onde há mais mercado, e comprar os novos aqui”, afirma.
A grande expectativa de Almeida é quanto ao comportamento que os bancos terão com a linha de financiamento de seminovos. “Não basta que os juros sejam baixos. É preciso aprovar cadastros”, alega.
Ele diz que é difícil um autônomo conseguir financiar um caminhão, mesmo pelo CDC. “Precisa ter um bom contrato com uma indústria ou transportadora, senão os bancos não aprovam.”
Sem crédito, garagens padecem
A procura por caminhões seminovos em lojas multimarcas de São Paulo é grande. Mas crédito, que é bom…
Na JSL, o gerente Paulo Trentin diz que as vendas estão 60% menores que há um ano, devido à não aprovação dos negócios pelos bancos. “Desde então, não se aprova mais financiamento para quem não tem outro caminhão para dar de garantia”, conta.
Segundo ele, os compradores de primeiro veículo representam pouco mais da metade dos clientes da loja. “Os bancos dizem que 70% da inadimplência é de gente que comprou o primeiro veículo.”
Na JSL, financiamento só por CDC. Trentin não se empolga quando a reportagem informa sobre a nova linha do BNDES. “O banco libera um CDC em dois dias, mas um Procaminhoneiro leva pelo menos um mês. Não posso esperar”, alega.
Sobre preços, o vendedor diz que, apesar da queda nas vendas, eles permanecem estáveis. Deu um exemplo: “Um Constellation ano 2011, que na tabela Fipe está a R$ 162 mil, a gente vende a R$ 150 mil”.
Na Mega Caminhões, a análise do mercado é parecida. As vendas despencaram 50% de um ano e meio para cá, segundo o gerente Fábio Teixeira. “Os bancos não aprovam financiamento se o cliente não tiver um caminhão”, afirma. Segundo ele, não fosse isso, as vendas estariam em alta, “porque a procura é grande”.
A Fioricar Caminhões, loja tradicional de Maringá (PR), dispensou mais de metade do seus funcionários desde o ano passado. Eram 18, agora são oito, segundo o proprietário Nei Batalini. “As vendas caíram 70% por causa da dificuldade para obter crédito”, afirma. Ele apresenta a mesma conta da concessionária Apta: de cada 30 cadastros enviados aos bancos, só cinco são aprovados.
Sobre a linha do BNDES para financiar seminovos, ele diz que prefere esperar para ver se vai sair mesmo. “Faz tempo que o governo fala nisso, mas não cumpre.”
Fenabrave diz que o mercado está bom
Apesar das informações dos vendedores ouvidos pela Carga Pesada, para a Federação Nacional da Distribuição dos Veículos Automotores (Fenabrave), o mercado de usados está estável. De janeiro a agosto, haviam sido vendidos no País 223.286 caminhões seminovos, pouco mais que os 220.812 do mesmo período do ano passado.
Já a venda de novos caiu 20,2%: 114.768 de janeiro a agosto de 2011, e só 91.626 no mesmo período de 2012.
O presidente executivo da Fenabrave, Alarico Assumpção Jr., diz que os seminovos foram uma boa alternativa no começo do ano para quem se assustou com os preços dos Euro 5 e para quem ficou inseguro quanto à disponibilidade de diesel S50 nas estradas.
E vão continuar sendo um bom negócio, segundo ele, principalmente para o caminhoneiro autônomo. “Com o fim da carta-frete e o pagamento eletrônico, o profissional passa a ter condições de comprovar renda e de obter o financiamento”, afirma.
“Bancos querem conhecer o cliente”, diz Norival
Um gerente de concessionária que prefere não ter seu nome revelado disse à Carga Pesada que os bancos de varejo não querem vender caminhões usados porque, além da inadimplência, há muitos questionamentos judiciais. “O motorista pega um CDC, paga a primeira prestação e entra com uma ação dizendo que os juros são abusivos e passa a depositar em juízo”, afirma.
O presidente do Sindicam-SP, Norival de Almeida Silva, afirma ter conversado com representantes da federação dos bancos, a Febraban, a respeito dos obstáculos colocados diante dos autônomos para aprovar financiamentos. “Eles dizem que é preciso ter relacionamento com o banco. Querem conhecer o cliente, saber quanto ele fatura. Sem isso, não adianta levar uma carta da presidente Dilma para avalizar o negócio.”
O dirigente acredita que, com as mudanças que estão ocorrendo no setor desde a Lei 11.442, e principalmente com o fim da carta-frete, as dificuldades do caminhoneiro serão menores. “O setor está cada vez mais regulamentado. Para cada tipo de transporte serão exigidos modelos específicos de caminhões. O financiamento para os autônomos tende a ser facilitado.”
A ótica das montadoras
O responsável pela área comercial do Scania Banco, Roberto Martins, diz que o volume de financiamento de seminovos está abaixo do esperado. “Mas há procura e os modelos estão sendo financiados normalmente, inclusive pelo Procaminhoneiro”, informa.
A Scania mantém um programa de caminhões seminovos há 10 anos. É o Super Zerado, que já vendeu mais de 3.500 veículos.
O gerente do programa, Silvio Sant’Anna, conta que a média de idade dos veículos é de sete anos. Os compradores, segundo Sant’Anna, costumam ser os pequenos e os microempresários que têm até 10 caminhões. Ele admite que o autônomo que procurar comprar o primeiro veículo terá dificuldade para obter crédito.
Já o diretor de Vendas, Marketing e Pós-venda da MAN Latin America, Ricardo Alouche, diz que é comum ouvir de empresários que gostariam de renovar a frota, mas desistem porque não conseguem bons preços pelos usados. “Temos que abrir o cadeado da venda de usados, para melhorar também a venda de novos. Sabemos que, quando o negócio de usados está saturado, o impacto na venda dos novos é da ordem de 20% a 30%”, afirma.
O contrário também é verdadeiro, diz Alouche: quando o mercado de seminovos está bom, a venda de novos pode subir na mesma proporção.
O diretor de Vendas de Veículos da Scania, Eronildo de Barros Santos, ressalta que o mercado de caminhões usados no Brasil é muito diferente do europeu. Aqui, o seminovo vale muito mais. “Um caminhão com cinco anos de uso custa quase a metade de um caminhão novo no Brasil, mas na Europa não passa de 25%”, ressalta. Mas essa é uma realidade que estaria mudando gradativamente, segundo ele.
Santos defende o sucateamento dos caminhões de 15 anos ou mais por meio de um programa de renovação de frota como o mexicano. “O proprietário leva seu veículo com 10 anos ou mais para um centro de reciclagem e recebe um certificado. Leva o documento ao banco e obtém financiamento para comprar um novo. E ainda ganha um subsídio no valor do caminhão que foi sucateado.”
Natale Rigano, vice-presidente de Vendas e Marketing da Iveco, defende uma política de valorização dos seminovos, projeto que a montadora irá promover junto à sua rede concessionária.
Rigano lembra que a Iveco retomou suas atividades no Brasil em 1998 e começou a produzir a linha pesada em meados de 2000. “Então, ainda estamos na primeira geração desses veículos e temos de ajustar com a nossa rede a forma de dar uma segunda vida a esses caminhões”, afirma. Segundo ele, a rede já conta com especialistas que tratam o seminovo para revenda, concedendo a garantia necessária.
Usados são “sacrificados” na troca por novos
Em recente renovação da frota, a transportadora mato-grossense Martelli Transportes trocou dois por um, informa o diretor Genir Martelli. “Entregamos 100 caminhões seminovos (ano 2005) para a Volvo e pegamos 50 novos.” Ele comprou 25 do modelo FH 540 e 25 do 460 pelo PSI Finame, ainda quando os juros eram de 5,5% (antes de agosto).
De acordo com ele, o Brasil caminha rápido para uma realidade parecida com a dos países mais ricos, onde os veículos com 10 anos já são “descartáveis”.
O Grupo G10, de Maringá, vendia em torno de 100 caminhões por ano, mas, em 2012, segundo seu presidente, Cláudio Adamuccio, só vai se desfazer de 12. “O crédito para os usados já vem muito restrito desde 2008. A torneira continua fechada. E com o desaquecimento da economia, tudo piorou”, afirma.
Ele acredita que, a partir do ano que vem, será mais fácil vender os veículos. “O pessoal vai perceber que comprar um seminovo Euro 3 pode ser mais vantajoso que um zero Euro 5. O seminovo será bem mais barato e dispensa o Arla”, ressalta.
Já o diretor presidente da Cargolift, Markenson Marques, diz que não tem enfrentado problemas para vender seus seminovos porque mantém uma estratégia diferente. A empresa, com sede em Curitiba, monta um lote por semestre, com idade de fabricação entre quatro e cinco anos, e oferece 80% dos veículos aos subcontratados. “Nós os tratamos como preferenciais. Além disso, nossos caminhões têm uma imagem de serem muito bem cuidados e isso ajuda muito na venda”, ressalta.
Quanto ao crédito, segundo Marques, como os subcontratados recebem mediante a apresentação de nota fiscal, eles têm condições de comprovar renda nos bancos e obter o financiamento.